Segundo dia do Fórum Esfera Internacional, na França: Rodrigo Pacheco, Bruno Dantas e Gilmar Mendes falaram sobre uma agenda para o Brasil (Esfera Brasil/Divulgação)
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Publicado em 14 de outubro de 2023 às 14h59.
Última atualização em 14 de outubro de 2023 às 15h10.
O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, afirmou neste sábado, 14, que não há uma guerra entre o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal (STF). Segundo ele, isso não quer dizer que não haja divergências entre os poderes.
“Não há, da nossa parte, nenhum tipo de perspectiva de retaliação, enfrentamento ou guerra com o STF. Valorizo a importância do Judiciário e do Tribunal Eleitoral. Estou sempre ao lado das instituições, mas isso não significa que estejamos inertes a modificações úteis à credibilidade dos poderes”, afirmou Pacheco durante o I Fórum Esfera Internacional, realizado pela Esfera Brasil, em Paris.
Com ele no palco estava o ministro do STF Gilmar Mendes. Ele ressaltou que a luta deve ser contra o poder abusivo ou absoluto e lembrou importantes decisões do Supremo, como o início da imunização contra a Covid-19 no País.
Mendes disse que é preciso pensar em reformas em termos globais e ressaltou que a democracia brasileira se mostrou resiliente nos últimos 35 anos, desde a Constituição Federal de 1988: uma referência também ao episódio de 8 de janeiro, quando houve a invasão e depredação das sedes dos três poderes, em Brasília.
“Viemos para contar a história da instituição que soube defender a democracia até contra impulsos de parte significativa da elite brasileira. Se vitoriosa, seria a derrocada do STF”, disse.
Presente no debate mediado pelo jornalista William Waack, o presidente do Tribunal de Contas da União, ministro Bruno Dantas, afirmou não ver problemas com o Supremo e reconheceu que o País ainda está se recuperando do ataque às instituições.
“Não acho que o problema é o STF, mas o Congresso tem o direito de promover reformas. É preciso calibrar a atuação de todas as instituições. Não vejo crise. É um processo de acomodação após um grande trauma”, defendeu.
Pacheco lembrou que o Legislativo é a representação do povo. Segundo ele, o Congresso trabalha em parceria com o governo federal, mas não vai admitir retrocessos em decisões tomadas, como é o caso da Eletrobras, autonomia do Banco Central e o Marco Legal do Saneamento.
“Não há que se admitir qualquer tipo de revisão pelo Poder Legislativo de decisões judiciais concebidas pelo STF. Assim como não há possibilidade de se permitir ao STF ou qualquer instância do Judiciário que formate as regras das leis do País”, disse. E complementou: “A Constituição nos dá o caminho exato para que o Brasil encontre a separação dos poderes e saiba o papel de cada um. Não podemos criar crise falsa entre os poderes”.
O ministro do STF afirmou que a Constituição prevê que o Tribunal atue quando há omissão institucional: “Vivemos uma democracia constitucional, não há poderes ilimitados. Há ideias no Congresso de poder cassar decisões do STF, o que já aconteceu no passado, num viés pouco democrático”.
Para Dantas, o Brasil vive “crises artificiais insufladas por atores do Estado”. Ele lembrou a criação de uma rede de proteção institucional da democracia e completou: “é olhar o passivo regulatório e traçar caminhos. Viramos a página”.
Na conversa, Gilmar Mendes destacou que o Tribunal foi provocado a decidir sobre o aborto e outras questões como o direito de greve dos servidores públicos. E ainda declarou: “Se hoje temos a eleição do presidente Lula, isso se deve a uma decisão do STF”.
Em discurso, o presidente do Conselho da Esfera Brasil, João Camargo, afirmou que a organização nasceu do companheirismo entre os membros e associados e disse ter ouvido de empresários uma dica: “Se quiser que a Esfera tenha êxito, esperança de mudar o Brasil, você tem que focar no Poder Legislativo, porque é a Casa que consegue fazer as leis necessárias para mudar o País a médio e longo prazos”.
A necessidade de debater melhor os detalhes da reforma tributária e as mudanças para garantir a celeridade do Judiciário brasileiro estiveram em pauta no segundo painel. Marcus Vinicius Coêlho, membro honorário vitalício da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), destacou a importância da atuação da Esfera Brasil na negociação sobre o retorno do voto de qualidade do Conselho de Administração de Recursos Fiscais (Carf). Em caso de empate nos julgamentos, o voto é a favor da União, mas sem multa ao contribuinte.
“Havia um impasse. Viu-se a necessidade de estabelecer o diálogo e a Esfera abriu, a OAB participou e chegou-se a um entendimento. A Esfera tem contribuído de forma importante ao País”, disse. Coêlho ainda destacou a postura do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, durante as negociações: “Ele cumpriu a palavra”.
O advogado Luiz Gustavo Bichara elogiou o texto geral da reforma tributária, mas afirmou que é preciso olhar com mais cuidado as decisões que ficaram para depois da aprovação. “O perfil é muito bom, mas temos detalhes que não estão definidos. A reforma tributária virou uma discussão de quem vai dar a facada no contribuinte: estados, municípios ou União?”
Para o advogado Hamilton de Souza, o protagonismo das decisões nas mãos da União é o principal motivo de crítica e preocupação. “A diminuição de poderes de estados e municípios implica quase em uma ruptura”, afirmou.
Patrick Cauwenbergh, partner da Deloitte Belgium, disse que os países europeus estão tentando reduzir os efeitos da tributação: “Regimes agressivos foram revistos para baixo para atrair investimentos estrangeiros. Precisamos ter orçamento, mas precisamos atrair capitais e incitar novos investimentos”.
Para o advogado Pierpaolo Bottini, não podemos olhar a insegurança jurídica e a morosidade do Judiciário sem se atentar à demanda. “A cada dois e meio habitantes tem um processo judicial, o que dá uma falsa imagem do processo judiciário ser democrático, mas poucas pessoas usam demais, e a maior parte está excluída. Como resolver? Não é simples. É preciso aprimorar a arbitragem e a mediação de conflitos, também utilizar súmulas vinculantes administrativas, para que o poder público possa resolver no âmbito administrativo”, defendeu.
Os empresários que participaram do painel “Potencialidade do Brasil” cobraram mais investimentos no País e destacaram a necessidade de bons projetos para apoio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
Para Patricia Ellen, sócia da Systemiq, o Brasil passa por um momento importante e desafiador. Ela lembrou o investimento americano de US$ 1,7 trilhão no programa voltado à descarbonização da economia. Segundo ela, o Brasil não pode ficar para trás.
“Para o Brasil poder crescer 5%, precisa investir entre US$ 100 e 120 bilhões ao ano. Do total, um terço talvez seja investimento público. Precisamos de capital privado, internacional e filantrópico. O Brasil é a única nação que pode ser carbono zero antes da data (2050), mas isso requer investimentos. Sem projeto não tem recurso e o BNDES pode fazer esse investimento semente”, afirmou.
A diretora-executiva de Assuntos Corporativos da JBS Marcela Rocha revelou que apenas 2% do financiamento climático vai para a produção de alimentos, enquanto 10% da população global passa fome e um terço vive em insegurança alimentar.
“Precisamos olhar para projetos de descarbonização da agricultura focados em aumento da produtividade, que integrem lavoura, pecuária e floresta. No Brasil, isso é perfeitamente possível. A agricultura tem potencial único de aumentar a produção e absorver o carbono. O governo tem responsabilidade, mas os empresários também”, pontuou.
Já o vice-presidente da Azul Linhas Aéreas, Fábio Campos, falou que 35% da carbonização do mundo vem da geração de energia, mas que a aviação brasileira é responsável por 0,01% da emissão de CO2. O caminho seria a substituição do combustível, que hoje representa 40% dos custos do setor, mas poderia encarecer as passagens aéreas.
“O SAF [Combustível de Aviação Sustentável, na tradução] pode ser sete vezes mais caro que o combustível usado hoje na aviação. No Brasil, o querosene é o mais caro do mundo. Chega a ser 30% mais caro na comparação com outros países. Uma ideia seria a produção local do SAF, processo mais sustentável”, ressaltou.
O ministro do Tribunal de Contas da União (TCU) Walton Alencar destacou o papel ativo da instituição no âmbito internacional e disse que o TCU criou auditorias coordenadas para temas como economia verde e transição energética. A intenção é levar as melhores práticas.
“O TCU está criando material humano capacitado para atuar na questão climática no País e servir de exemplo para o mundo. A agenda verde merece grande atenção”, disse.
A urgência na reindustrialização do Brasil foi o tema central do painel “Sistema Indústria x Medef”, que fechou o I Fórum Esfera Internacional. Robson de Andrade, presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), foi direto ao ponto e afirmou que está cansado de diagnósticos. “Estamos lutando pelas propostas que vão na direção certa. Estamos caminhando para uma decisão assertiva na questão tributária, na burocracia e insegurança jurídica. A reforma tributária abre luz para o futuro”, disse.
Segundo ele, o Brasil é um País difícil de investir: “Aqui as empresas começam a pagar impostos antes de começar a produzir. Sem contar os impostos escondidos na cadeia produtiva, que tiram competitividade internacional. Também não existe financiamento de longo prazo, não tem banco que não seja o BNDES”.
O presidente do BNDES Aloizio Mercadante concordou com o protagonismo do banco no País e foi além: “O papel do BNDES não é só financiar, é pensar o Brasil. Existem 500 bancos públicos pelo mundo, que representam 10% de todos os investimentos feitos. Temos que mudar a relação entre Estado e economia. Só neste ano, a demanda de crédito cresceu 40% nas aprovações e mais de 20% do desembolso. Vamos ter um crescimento de 25% de crédito no ano só no BNDES”.
Sophie Sidos, copresidente da Comissão Europa e Internacional do Medef, afirmou que a política pública é uma ótima coisa, “mas precisamos ouvir a voz das empresas”. Ela revelou querer investir no Brasil, no entanto é preciso ter mais previsibilidade: “É importante saber o que vai mudar, precisamos da estabilidade em longo prazo. É um País de oportunidades”.