Sem perder a largada
O Brasil tem a oportunidade de assumir nos próximos anos o protagonismo global na chamada “neoindustrialização”. O foco agora é a descarbonização da economia, eficiência no uso dos recursos e processos produtivos sustentáveis, sobretudo para redução de emissões de gases do efeito estufa. O novo momento, após décadas de desindustrialização, exige uma preocupação maior com o meio ambiente, aumento da produtividade e das exportações, além de melhores condições de competitividade para a indústria nacional.
A nova industrialização está atrelada à sustentabilidade e passou a ser um imperativo mundial devido às mudanças climáticas. Para o secretário de Economia Verde, Descarbonização e Bioindústria do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), Rodrigo Rollemberg, o Brasil pode ser uma liderança mundial se souber aproveitar as oportunidades.
“Temos vantagens comparativas que precisamos transformar em vantagens competitivas. Por exemplo, temos a maior biodiversidade do planeta, grande disponibilidade de biomassa, uma matriz energética limpa, em comparação ao restante do mundo, e em expansão e abundância de água. Isso coloca o Brasil realmente numa pole position dessa nova economia verde e de baixo carbono”, afirma à Esfera Brasil. “É uma corrida. O País tem condições especiais, mas, se a gente demorar, esse espaço poderá ser ocupado por outros países”, complementa.
Especialistas no assunto e representantes da indústria não têm dúvidas de que o Brasil reúne as condições necessárias para se tornar o protagonista mundial e acreditam que o momento político é também propício, com uma série de incentivos do governo Lula pela neoindustrialização verde.
Segundo a gerente de Política Industrial da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Samantha Ferreira e Cunha, devido às características nacionais, como matriz energética mais limpa que a média global, alta cobertura florestal, abundância de recursos e água doce, é possível articular o desenvolvimento industrial e tecnológico do País à proteção ao meio ambiente. “Aí que entra o powershoring [estratégia da indústria para atração de investimentos industriais em busca de energia limpa] e a realocação dos investimentos no mundo. A gente pode atrair recursos para a nossa região, principalmente indústrias que são intensivas em energia. Elas estão buscando descarbonizar os processos e aqui vão encontrar energia limpa a preços competitivos”, explica.
O economista-chefe da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Igor Rocha, acredita que é preciso olhar para frente e seguir os paradigmas da nova política industrial. “A questão da economia verde está se desenvolvendo no Brasil. A gente tem um ativo extraordinário, que é a Amazônia. Isso faz com que o País esteja geopoliticamente bem posicionado na discussão. O que falta é uma regulamentação do mercado de crédito carbono”, diz.
Ainda de acordo com Rocha, as empresas, os fundos de investimento e outros países estão atentos ao desenvolvimento do mercado de carbono. “O Brasil pode absorver essa onda, juntamente com as sinalizações do governo quanto ao compromisso ambiental, o que tende a gerar uma sinergia fundamental com o setor privado”, defende.
Industrialização
O Brasil passa por uma desindustrialização precoce, o que significa dizer que a indústria teve uma perda acelerada de participação no Produto Interno Bruto (PIB) ao longo do tempo. Na década de 1980, ela era responsável por quase 22% do PIB e, em 2022, caiu para 12,9%.
Segundo Samantha Cunha, à medida que as economias se sofisticam, o setor de serviços ganha relevância, enquanto a participação da indústria no PIB cai. No entanto, no Brasil, o movimento foi diferente: “A gente tem a mesma participação da indústria no PIB que as economias de alta renda, mas ainda somos uma economia de renda média. Quando olhamos para outras economias que estão no mesmo patamar que o Brasil, a participação da indústria é maior”.
Igor Rocha lembra que a indústria vive hoje um cenário desafiador e precisa de incentivos para alcançar o potencial máximo. Ele cita o caos tributário, os juros altos que prejudicam investimentos, a falta de isonomia entre os setores econômicos, a infraestrutura inadequada e a baixa produtividade, com maquinário obsoleto e defasagem de mão de obra qualificada, como fatores determinantes para os resultados da indústria no País.
“A indústria paga a meia entrada do resto da economia e não tem um Plano Safra como o agronegócio. Hoje, tem 12% de participação no PIB, mas é responsável por quase 35% da arrecadação nacional. Veja a desproporcionalidade: tem setor que tem praticamente a mesma participação da indústria no PIB, mas não paga nem 2% de tributos. Por isso a reforma tributária é tão importante: traz as melhores práticas internacionais, reduz a burocracia e o contencioso tributário e tenta trazer um senso de justiça”, exemplifica.
O investimento em infraestrutura no País foi reduzido nos últimos anos, o que impacta a competitividade da indústria nacional. “O Brasil investiu apenas 1,7% do PIB. Isso não repõe nem a depreciação dos ativos. Na década de 1970, nós tínhamos um estoque de infraestrutura equivalente a 56% do PIB. Hoje, temos 36% do PIB. Nós éramos a Inglaterra e viramos África do Sul. Obviamente que isso afeta a nossa competitividade e a inserção em novos mercados”, diz o economista da Fiesp.
Eixo articulador
Ao analisar o crescimento econômico brasileiro entre 2012 e 2022, o destaque é a agropecuária, com alta acima de 2% ao ano, em média. Contudo, o PIB só aumentou 0,5% ao ano. De acordo com a CNI, o setor de serviços teve alta de 1% ao ano, enquanto a indústria de transformação encolheu em torno de 1%.
Para Samantha, é preciso entender por que os demais setores não conseguem puxar o crescimento econômico. Segundo ela, a indústria ainda é o principal eixo articulador de um projeto nacional. “Demonstrou que continua sendo fundamental para as economias depois da pandemia. Por conta das capacidades industriais e tecnológicas, conseguimos resistir a crises. Precisamos produzir vacinas e equipamentos e fomos capazes. Ficou evidente que a indústria continua sendo essencial”, ressalta a gerente de Produção Industrial da CNI.
A indústria é também a principal fonte de inovação das economias e responde por mais de 60% dos investimentos empresariais em pesquisa e desenvolvimento. O setor é um grande empregador, paga salários acima da média e reúne cargos qualificados, além de ter um efeito multiplicador: quando se gasta R$ 1 na produção da indústria, são gerados R$ 2,44 na economia como um todo.
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O setor industrial é apontado como mais produtivo que os demais setores da economia, porque é mais intensivo em máquinas e capital. Entretanto, a produtividade está em queda no País, uma vez que a tecnologia empregada nos processos produtivos não acompanha o mercado internacional.
Segundo Rocha, a produtividade brasileira caiu para menos de 20% da produtividade americana, quando, na década de 1970, era de 55%.
Para mudar esse cenário, o governo, em parceria com as entidades setoriais, trabalha na elaboração de uma nova política industrial. O documento deve ser conhecido em novembro e estabelece diretrizes para que o Brasil avance no desenvolvimento de uma economia de baixo carbono, com estímulo à descarbonização da indústria, à transição energética e à promoção da bioeconomia e de uma economia circular.
A CNI fez estudos com base nas políticas industriais modernas e identificou que o foco deve ser em ciência, tecnologia e inovação. “Estou falando em revolucionar a forma como eu produzo e consumo, sobre fazer pesquisa e desenvolvimento e gerar inovações dos processos. Um crivo fundamental para o sucesso da política industrial é a economia conseguir aumentar suas exportações, se integrar ao comércio mundial”, afirma Samantha.
Para Alexandre Baldy, conselheiro da BYD – que desenvolve soluções em energia limpa e veículos elétricos – no Brasil, o País está no caminho certo ao apostar em políticas públicas que estimulem a neoindustrialização.
“Aquilo que não é vocacional, como a mineração, agricultura e pecuária, necessita de estímulo do governo por meio de políticas públicas. É um momento muito assertivo para a reindustrialização, momento de transição de tecnologias globais. O segundo homem mais importante da República [Geraldo Alckmin, vice-presidente] assumiu o posto que comanda o desenvolvimento econômico e industrial do Brasil, o que indica que o governo está atento a isso.”
Inovação e oportunidades
Rodrigo Rollemberg está otimista e acredita que o Brasil tem condições de seguir por diferentes rotas tecnológicas. “O que é importante é a gente ter uma economia verde, descarbonizada e competitiva no cenário internacional. O Congresso vai ser um grande parceiro nessa agenda, que unifica o País e cria oportunidades para todos os setores”, enfatiza o secretário de Economia Verde do MDIC.
Para o Ministério, o Brasil tem agora a chance de desconcentrar o desenvolvimento e promover a neoindustrialização em diferentes regiões do País a partir de novas matrizes energéticas. Rollemberg citou o Nordeste que tem hoje geração de energia eólica onshore (em terra) e fotovoltaica, mas tem grande potencial de eólicas offshore (em alto-mar).
“Podem fazer do Brasil um grande produtor e exportador de hidrogênio, mas também há uma possibilidade de atrair a cadeia de suprimentos de aerogeradores e de insumos para a indústria. Ao mesmo tempo, você atrai o parque de indústrias intensivas em energia e começa a produzir aço verde, cimento verde, fertilizantes. É a oportunidade para se reindustrializar gerando riqueza e empregos qualificados para toda a região”, comenta Rollemberg.
Na visão do secretário, a bioeconomia é a agenda do futuro e precisa de atenção, assim como o arcabouço fiscal e a reforma tributária. “Abre-se um leque de oportunidades para uma transição no agronegócio, cada vez com uma pegada menor de carbono. A bioeconomia é a forma mais inteligente, eficiente e barata de evitar o desmatamento da Amazônia e de valorizar a floresta em pé.”
Agenda verde
O secretário Rollemberg ressalta também as agendas que deverão ser prioridades até a COP28, neste ano, em Dubai:
- regulamentação do mercado de carbono, proposta que está na Casa Civil e que, segundo ele, tem o consenso do setor produtivo;
- eólicas offshore, projeto que já foi aprovado no Senado e está na Câmara dos Deputados;
- regulamentação do diesel verde e do combustível sustentável de aviação (SAF, na sigla em inglês);
- regulamentação do hidrogênio.
De acordo com Rollemberg, as agendas de transição energética e economia verde têm o apoio do vice-presidente e ministro do MDIC, Geraldo Alckmin. Ele também destaca que o hidrogênio será um insumo importante para a indústria e a solução para o transporte de passageiros e de carga. O grande desafio é o transporte.
Outro projeto promissor em que o Brasil pode despontar como líder global é a produção do combustível sustentável para aviação, uma vez que o País já tem expertise dos biocombustíveis. A partir de 2027, as empresas aéreas internacionais terão que utilizar 1% da mistura do SAF no querosene de aviação tradicional. Conforme previsão do secretário, o consumo anual vai aumentar de 300 milhões de litros para 4,5 bilhões de litros ao ano.
Ao financiar projetos de inovação, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) também é apontado como um importante instrumento para o desenvolvimento nacional.
Tecnologia e competitividade
Na avaliação de Alexandre Baldy, a indústria local precisa ter incentivos para recuperar a competitividade no cenário global. Como exemplo, ele cita que a BYD é a maior fabricante de painéis solares do Brasil, em um cenário em que 95% dos que já estão implantados são importados.
“Há uma direção do governo de buscar fortalecer a indústria nacional. Ele está conectado em elaborar políticas públicas de fortalecimento. No Brasil, temos uma fonte riquíssima de silício, que é a matéria-prima para a produção das células fotovoltaicas. Nós extraímos e exportamos tudo, não produzimos nada, porque é uma tecnologia extremamente avançada. Por isso é preciso estímulo, ciência e tecnologia”, acrescenta.
A indústria do futuro interliga tecnologia, competitividade e a preocupação com o meio ambiente. Segundo Baldy, é essencial atrair investimentos para promoção de inovação e de uma indústria forte, “para que os bens de consumo sejam mais tecnológicos, com valores agregados maiores, o que vai permitir gerar empregos com níveis salariais mais elevados e aumentar a participação do segmento no PIB”.
A BYD surgiu na China, mas virou uma multinacional que produz carros elétricos, baterias e componentes tecnológicos; tem 700 mil funcionários, sendo 10% engenheiros, cientistas e pesquisadores. Ao dia, 11 patentes são registradas.
Fora da Ásia, o Brasil será o primeiro país a receber investimentos da empresa. Serão R$ 3 bilhões ao longo de três anos. A ideia é que, no último trimestre de 2024, seja comercializado um carro BYD produzido na Bahia, onde será inaugurada uma fábrica em Camaçari. Em cinco anos, o objetivo é figurar entre as três maiores montadoras do País.
“Creio que o investimento em Camaçari será um símbolo muito expressivo da reindustrialização do Brasil: inovadora e tecnológica. Um símbolo também para o mundo”, acredita o conselheiro da BYD.
A nova fábrica será responsável por produzir 150 mil carros elétricos ao ano, também chassis para ônibus elétricos e caminhões movidos à eletricidade – apostas da multinacional. De acordo com Baldy, os governos estão atentos às novas tendências de mobilidade, com investimentos na frota elétrica, um novo negócio para a indústria automotiva.
“Em São Paulo, o prefeito Ricardo Nunes lançou um programa de renovação da frota com 2.700 ônibus elétricos. O Pará começou a aquisição para a COP30 em 2025. Os ônibus elétricos passam a ser uma questão ambiental, mas também uma necessidade. Eles têm um custo menor para aquisição e manutenção. Certamente, arrefecem o reajuste tarifário”, pontua.
Os carros elétricos têm preços competitivos e reúnem componentes tecnológicos encontrados apenas em veículos de maior valor de mercado.
A mentalidade da indústria também está em transformação. É missão das empresas a descarbonização dos processos produtivos e o investimento em pesquisa e desenvolvimento tecnológico. Os próximos anos serão de transições expressivas no Brasil, avalia Baldy. A expectativa é que o carro a combustão seja substituído inicialmente pelo carro híbrido, devido aos desafios estruturais nacionais em relação aos veículos elétricos.
Em Camaçari, serão produzidos dois tipos de carros: o Dolphin, que é 100% elétrico, e o Song Plus, modelo híbrido. “O Dolphin você carrega na tomada convencional da sua casa, com baterias compactas, o que reduz o tempo, e a autonomia é de quase 400 quilômetros. Você carrega a carga máxima e pode usar o veículo a semana toda a um custo de R$ 35, em média, enquanto o abastecimento com combustível normal sairia em torno de R$ 240”, explica.
Para Samantha Cunha, da CNI, a indústria é um meio para o Brasil atingir o desenvolvimento econômico. “Nosso objetivo é elevar a renda da população, reduzir a distância para os países desenvolvidos e aumentar a competitividade no ambiente de negócios brasileiro. Com isso, vamos elevar a taxa de crescimento da economia e gerar mais empregos.”
As novas oportunidades estão postas, cabe ao País saber aproveitá-las. Nas palavras do secretário Rodrigo Rollemberg: “O Brasil está na pole position, a gente tem que largar na frente e acelerar”.
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Organização criada para fomentar o pensamento e o diálogo sobre o Brasil e um think tank que reúne empresários, empreendedores e a classe produtiva
Joyce Ribeiro
Repórter na Esfera Brasil
Responsável pelo conteúdo publicado na página da organização dentro da Exame. Foi repórter de Cidades do Portal R7, da Record, por três anos. Trabalhou como repórter, produtora e apuradora da CBN por 11 anos.