Gabriel Zucman já passou pela London School of Economics e hoje dá aula na Universidade da Califórnia em Berkeley (Divulgação)
João Pedro Caleiro
Publicado em 4 de abril de 2016 às 18h38.
São Paulo - Os documentos sobre as operações da Mossack Fonseca vazados ontem "mostram como a criminalidade está profundamente arraigada no mundo offshore", diz o economista francês Gabriel Zucman.
Professor da Universidade da Califórnia em Berkeley, ele publicou no ano passado o livro "The Hidden Wealth Of Nations" ("A Riqueza Escondida Das Nações", em tradução livre), que virou referência sobre paraísos fiscais.
O vazamento dos chamados Panama Papers pelo Consórcio International de Jornalistas Investigativos (ICIJ) engloba o período de 1970 a 2016 e mostra esquemas complexos de ocultação de patrimônio através da criação e gerenciamento de milhares de empresas offshore.
"Eles revelam que estas instituições estão dispostas a prover serviços a criminosos notórios em uma violação evidente das regras mais básicas contra lavagem de dinheiro e de due dilligence", diz Zucman em e-mail para EXAME.com.
Corrupção
No seu cálculo, o estoque acumulado nos paraísos fiscais cresceu 25% desde a crise de 2008 e hoje guarda R$ 7,6 trilhões - ou 8% da riqueza financeira total do mundo.
Neste valor entram as empresas offshore criadas por multinacionais e indivíduos para evitar o pagamentos de impostos.
Isso não é necessariamente ilegal, mas abre a porta para esquemas complexos de ocultação de patrimônio, lavagem de dinheiro e corrupção - como mostram os Panama Papers.
“Eles são bem mais do que eu imaginava. O mundo está mudando muito. Todo mundo sabia dessas coisas, mas fingia não ver. Isso não é vazamento, é transparência”, diz Marcelo Medeiros, pesquisador do Ipea e especialista em desigualdade.
Ao menos 107 offshores foram criadas para pelo menos 57 envolvidos no esquema de desvios na Petrobras, por exemplo, e outros brasileiros também foram citados.
Os papéis também mostram um esquema para enriquecer aliados de Vladimir Putin, presidente da Rússia, e citam Sigmundur Gunnlaugsson, primeiro-ministro da Islândia, Petro Poroshenko, presidente da Ucrânia, e Mauricio Macri, presidente da Argentina.
Regulação
Recentemente, o G-20 e a OCDE começaram a planejar medidas na direção de maior transparência dos registros e compartilhamento automático de informações entre os países. Para Zucman, é muito pouco:
"Não basta simplesmente pedir para que as instituições dos paraísos fiscais apliquem a regulação internacional, porque como estes vazamentos mostram, muitas delas simplesmente não o fazem e não tem nenhum incentivo para o fazer".
De acordo com Zucman, há basicamente duas formas de regulação. A primeira é sobre a operação das instituições e a segunda é tentando identificar os reais beneficiários das contas.
"As duas abordagens são necessárias e complementares, mas por enquanto tentamos apenas a primeira, que é insuficiente e muito ingênua. Já passou da hora de tentarmos a segunda", diz Zucman.
Isso também incluiria aplicar sanções aos territórios que permitem este tipo de liberdade no seu setor financeiro. A sanção seria a regra, e só seria suspendida quando os beneficiários das contas incorporadas fossem corretamente identificados.
"Por que sequer permitimos a uma indústria financeira existir nas Ilhas Virgens Britânicas ou no Panamá se existe tanta evidência de que isso está sendo usado para facilitar crimes?", ele pergunta.
Mais de 100 mil empresas (ou 1 em cada 2 citadas no caso) foram incorporadas só nas Ilhas Virgens Britânicas, que tem apenas 28 mil habitantes. A pequena ilha Niue, no Pacífico, teve o equivalente a 8 empresas criadas pela Mossack Fonseca para cada habitante.