Biden: presidente aponta para mercado de trabalho em "emprego pleno" para afirmar que os EUA não vivem recessão (Anna Moneymaker/Getty Images)
Carolina Riveira
Publicado em 31 de julho de 2022 às 08h30.
Última atualização em 31 de julho de 2022 às 18h43.
O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, rejeitou novamente nesta semana o diagnóstico de que o país já vive uma recessão.
A declaração veio após a divulgação na última quinta-feira, 28, do resultado do produto interno bruto (PIB) do país no segundo trimestre. A economia americana encolheu 0,9% entre abril e junho na comparação anual e 0,2% em relação ao primeiro trimestre, segundo o número divulgado pelo Departamento de Comércio do governo.
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O PIB americano já havia caído 1,6% no primeiro trimestre na comparação anual, o que, pela definição, coloca o país em recessão técnica.
A classificação de recessão técnica acontece quando há duas quedas trimestrais consecutivas.
O governo americano, por ora, rejeita esse diagnóstico.
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“Saindo do crescimento econômico histórico do ano passado – e recuperando todos os empregos do setor privado perdidos durante a crise na pandemia –, não é surpresa que a economia esteja desacelerando enquanto o Federal Reserve [banco central dos EUA] age para reduzir a inflação”, disse Biden em comunicado na quinta-feira.
"Mas, mesmo enfrentando desafios globais históricos, estamos no caminho certo e passaremos por essa transição mais fortes e mais seguros."
A definição para recessão usada pelo governo dos EUA vai além de só dois trimestres de queda, com base no que decreta o National Bureau of Economic Research (NBER), um órgão econômico do governo.
A instituição classifica recessão como uma queda mais ampla na economia, espalhada por vários setores e de forma prolongada.
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Por isso, o NBER afirma que esse ainda não é o caso da economia americana, que vive cenário de pleno emprego (a taxa de desemprego está em 3,6%) e consumo tendo crescido 1% no segundo trimestre, apesar da queda geral no PIB.
"Quando se está criando 400 mil empregos por mês, isso não é uma recessão", disse a secretária do Tesouro, Janet Yellen, neste mês.
Um dos argumentos do governo também é que, no ano passado, a economia americana teve crescimento recorde com a reabertura pós-pandemia e os amplos pacotes econômicos.
Após ter caído 3,4% em 2020, no primeiro ano de pandemia, o PIB dos EUA em 2021 cresceu 5,7%, recuperando a queda com sobra. Foi a maior alta desde 1984.
Por essa visão, dada a base de comparação muito forte e a inflação que já supera 9% no país (a maior em 40 anos), seria esperado que a economia desacelerasse agora, argumenta Biden.
Outra questão apontada pelos cautelosos em cravar uma recessão americana é que o número de 0,9% ainda deve ser revisado, seja para cima ou para baixo. Essa foi somente a “primeira leitura” do resultado, jargão comum no mercado nos EUA.
Mesmo os principais analistas do mercado ainda afirmam que é preciso esperar para decidir se uma recessão americana já chegou.
Ainda assim, é inegável que o primeiro semestre do ano teve saldo negativo para os EUA, mesmo que haja revisões que amenizem os números.
"Não estamos em recessão, mas está claro que o crescimento da economia está desacelerando", resumiu em declaração à CNBC Mark Zandi, economista-chefe da Moody's Analytics. “A economia está perto da velocidade de freio: avançando, mas quase parando.”
Esse debate mais filosófico sobre o conceito de recessão não acontece só para a economia dos EUA. O próprio Brasil teve dois trimestres de queda do PIB no ano passado (no segundo e terceiro trimestres de 2021) e chegou ao cenário de recessão técnica, pela definição.
No fim, o país fechou o ano com crescimento de 4,6%. Foi somente um leve ganho após a queda de 4,1% em 2020, mas é difícil encontrar um economista hoje que indique que 2021 foi um tempo de recessão para o Brasil — de economia relativamente estagnada, sim, mas não de recessão de fato.
Para 2022 no Brasil, aliás, a alta das commodities no exterior e a reabertura e vacinação levando ao crescimento do setor de serviços fizeram o cenário virar, e o PIB brasileiro pode crescer 2% ou mais nas principais projeções. (Para 2023, porém, há outras preocupações, como o próprio risco de recessão nos EUA e o efeito dos juros altos.)
Um ponto que mostra a complexidade da definição é a reação amena dos mercados com o resultado na economia americana.
O consenso no mercado era de crescimento em torno de 0,5% no PIB, de modo que a queda de 0,9% foi muito pior que o previsto. No entanto, o número não fez a bolsa desabar após o anúncio como se poderia prever.
Os principais índices americanos subiram mais de 1% na quinta-feira (dia da divulgação do PIB), e depois terminaram a semana em alta acumulada de mais de 4%.
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Na prática, o que levou às altas nas bolsas foi a leitura de que o resultado mais fraco do PIB pode indicar que a inflação começará a desacelerar e que o Fed, banco central americano, não deve ampliar o ritmo da alta de juros, buscando o chamado “pouso suave” em seu ciclo de aperto monetário. Com isso, as chances de uma recessão no futuro podem inclusive diminuir.
Por outro lado, ainda que somente dois trimestres possam não ser suficientes para colocar a economia americana em recessão, a grande discussão segue sendo para onde os EUA caminham no futuro próximo.
O governo Biden tem apontado com frequência para o mercado de trabalho para argumentar que uma recessão não está contratada, somente uma desaceleração.
O número de pedidos de seguro-desemprego (um sinal de demissões) subiu nas últimas semanas nos EUA, o que mostra que o mercado de trabalho, após alta nas contratações e nos salários em busca de atrair empregados, pode estar pisando no freio.
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Alguma retração no mercado de trabalho era até mesmo desejada pelo governo, de modo a conter a inflação.
Mas os riscos nessa transição estão por toda parte. A inflação é global e pode não arrefecer da forma clássica com uma alta somente leve nos juros, diante da guerra na Ucrânia e o choque de oferta. O desafio do Fed será conter a inflação via juros (já foram quatro altas só neste ano) sem levar a economia do país à recessão de fato - essa, sim, muito além de meros dois trimestres de queda.
Enquanto isso, a maior parte da população americana já enxerga a economia do país como “em crise”, segundo pesquisas de opinião. A popularidade de Biden está em seu pior momento, uma conta que deve chegar ao governo e ao Partido Democrata nas eleições legislativas de novembro.
O que acontece nos EUA ainda não pode, para a maioria dos analistas, ser chamado de recessão. Mas a dúvida — do Fed à Casa Branca e aos mercados pelo mundo — é se chegar lá não é só questão de tempo.
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