O recomeço de Ednaldo Rodrigues na CBF
É possível dizer que Ednaldo Rodrigues encara um recomeço no comando da Confederação Brasileira de Futebol (CBF). Após assumir a entidade em agosto de 2021 em meio a denuncias de assédio sexual contra Rogério Cabloco, presidente na época, o dirigente pegou uma Seleção Brasileira com técnico e coordenador escolhidos pela gestão anterior. Ele precisou então preparar o caminho para que a equipe canarinho chegasse preparada para o grande objetivo do ciclo, o título da Copa do Mundo do Catar, longe dos problemas enfrentados na Confederação.
"Ao assumir a presidência da CBF, mais do que estar à frente dos temas que envolvem o esporte e as competições, coloquei como um dos pilares da minha gestão o respeito às diferenças. Isso passa por tornar essa, que é a casa do futebol brasileiro, um lugar para se ter orgulho, onde o respeito a todos, não importa o gênero, cor, credo, opção sexual ou religião, sejam respeitados. Um lugar onde o respeito às mulheres nunca seja esquecido, onde o combate ao racismo seja uma bandeira de todos", disse Ednaldo em entrevista exclusiva concedida à EXAME em início de fevereiro.
" [..] Determinamos que o nosso departamento jurídico estabelecesse cláusulas em nossos contratos internos e externos, onde pudessem constar medidas de combate à corrupção, assédio e discriminação. Dessa maneira, esperamos afastar de vez as páginas tristes e sombrias que a CBF viveu no passado, não só em relação a denúncias e escândalos, como principalmente pelo desrespeito às pessoas", explicou.
Quando fala de páginas tristes e sombrias que a CBF viveu, o atual presidente se refere, não só a Cabloco, mas também aos três ex-mandatários da entidade que foram banidos do futebol por corrupção. José Maria Marin foi preso na Suíça, Marco Polo Del Nero, suspenso por 20 anos do futebol, e Ricardo Teixeira, banido do esporte.
Com experiência no setor privado, Ednaldo tem perfil gestor e quer afastar a imagem de corrupção sempre atrelada ao comando do futebol brasileiro. Ele trabalhou como Gerente Geral de empresas multinacionais, como Coca-Cola e Pepsi e é dirigente esportivo desde 1979, quando foi Presidente da Liga Conquistense de Desportos Terrestres. Entrou na Federação Baiana de Futebol (FBF) em 1993 e só saiu de lá em 2019 para assumir a Vice-Presidência da CBF.
Agora, Ednaldo enfrenta o seu maior desafio como presidente da CBF, montar uma comissão do zero para buscar o hexacampeonato e tirar o Brasil da fila. No radar do dirigente também estão a nova liga do futebol brasileiro, luta contra o racismo e aproximação com o torcedor brasileiro.
Decepção na Copa do Mundo do Catar
A participação na Copa do Mundo do Catar foi cercada de expectativa. Pelo momento dos principais jogadores, Neymar teve excelente começo de temporada, assim como Vini Jr, e pelo tempo de trabalho de Tite, que ia disputar a sua segunda Copa do Mundo consecutiva, algo raro na Seleção. O Brasil chegou como favorito e decepcionou.
Para o baiano de 68 anos, a presidência da CBF deu todo o apoio ao técnico Tite e sua comissão técnica. "Todas as solicitações que foram feitas desde que eu assumi foram atendidas. Nenhuma ficou pendente. Fiz questão de estar próximo da equipe, como chefe da delegação, para que eles pudessem sentir que a CBF estava ao lado, dando todo o amparo e suporte necessário para conquistar a Copa do Mundo. Pude testemunhar que houve empenho e seriedade de todos".
Com duas Copas Américas, duas Eliminatórias e diversos amistosos, o treinador gaúcho deixou a equipe brasileira com 80,2%. Foram 81 jogos no comando da Seleção, com 60 vitórias, 15 empates e apenas seis derrotas, sendo apenas três em torneios oficiais. Considerando apenas jogos em Copas do Mundo, foram 10 partidas, seis vitórias, dois empates e duas derrotas.
Em 2018, o Brasil foi eliminado nas quartas de final após derrota para Bélgica, sensação daquela edição, com direito a bola na trave de Neymar, gol perdido por Renato Augusto e pênalti não marcado a favor da seleção.
No Catar, a eliminação dos comandados de Tite foi mais dramática. As seleções empataram nos 90 minutos e o Brasil conseguiu abrir o placar na prorrogação. Faltando apenas quatro minutos para o fim da partida, a seleção brasileira subiu as linhas de marcação e levou um contra-ataque fatal. Com o empate, a partida foi para os pênaltis e a Croácia levou a melhor.
Questionado como encarou a eliminação, o dirigente lamentou a forma que a vitória brasileira escapou. "O Brasil, infelizmente, foi eliminado em um jogo que estava sob controle. Mas o futebol é isso, e um momento de desatenção, um descuido ou o mérito do time adversário pode levar a interromper uma trajetória na competição. E foi o que infelizmente aconteceu conosco", opinou Ednaldo.
Além da frustração da eliminação, o torcedor brasileiro viu a Argentina eliminar a Croácia com facilidade e ser campeã em cima da poderosa França. Se a máxima do narrador Galvão Bueno também tiver o efeito contrário, podemos dizer que ser eliminado da Copa do Mundo é ruim, mas ser eliminado e ver a Argentina campeã do Mundo, é muito pior.
Quem será o novo técnico da Seleção?
Independente do fracasso na Copa do Mundo de 2022, Ednaldo sabia que teria que procurar um novo treinador para a Seleção. Tite anunciou em entrevista, antes do início da competição, que deixaria o cargo mesmo sendo campeão.
Com quase três meses do fatídico 9 de dezembro, data da eliminação para Croácia, o Brasil ainda não tem um técnico para o próximo ciclo. Para a primeira Data-Fifa do ano, o presidente decidiu colocar Ramon Menezes como interino. O comandante da Seleção sub-20 no título do Sul-Americano da categoria, inclusive, anunciou nesta sexta-feira, 3, os primeiros convocados do novo ciclo, com diversas novidades e sem Neymar, machucado.
A decisão de colocar um interino no cargo mostra que a tarefa de escolher um novo treinador não deve ser simples. Após a Copa do Mundo, Ednaldo disse que o novo treinador seria anunciado até fevereiro. Em fevereiro, questionado pela reportagem, ele mudou o tom e afirmou que a escolha pode levar mais tempo.
"Se for necessário esperar mais tempo para escolher alguém que se identifique com a nossa filosofia, que entenda o projeto do futebol da CBF, eu vou esperar. Não quero tomar decisões na pressão, seja ela interna ou externa. Minha decisão será a melhor para o futebol brasileiro, dentro da realidade que vou encontrar", garantiu.
Técnico estrangeiro na Seleção?
A demora também pode ser explicada pelos nomes que geram interesse no presidente da CBF e na possível queda de um tabu, a possibilidade um técnico estrangeiro comandar a seleção. "Não existe privilégio e nem a necessidade de que seja um treinador estrangeiro, assim como não existe qualquer impedimento para que não seja. O que vamos buscar é o melhor para a Seleção Brasileira", garantiu.
Entre brasileiros e grandes nomes internacionais, a lista de treinadores ventilados pela imprensa esportiva tem Carlo Ancelotti, Pep Guardiola, Zidane, Jorge Jesus, Luis Enrique, José Mourinho, Abel Ferreira, Dorival Junior e Fernando Diniz. Ancelotti, que treina o Real Madrid de Vini Jr, Militão e Rodrygo, parece ser o favorito.
Questionado sobre se algum nome está mais próxima de um acerto, Ednaldo preferiu dizer apenas que vai "buscar o que for melhor para realizar essa missão". Ele garante também que a decisão será única e exclusivamente dele, mas que grandes nomes, como Ronaldo Fenômeno, podem ajudar no processo de contato, principalmente com os treinadores europeus.
Com a alta expectativa pelos nomes ventilados, o torcedor brasileiro pode se decepcionar. Ao relembrar o histórico das últimas mudanças de comando desde 2002, a Seleção teve dois treinadores campeões do mundo retornando, caso de Parreira em 2006 e Felipão em 2014, as duas passagens de Dunga, um treinador sem grandes conquistas na carreira, entre 2006 e 2010 e depois de 2014 a 2016 e o relâmpago Mano Menezes, demitido no meio do ciclo da Copa de 2014.
Nesse período, em cinco participações na Copa do Mundo, o Brasil não passou das quartas em cinco oportunidades e chegou na semifinal apenas uma vez, em 2014, quando sofreu a pior derrota da Seleção em mundiais, o 7 a 1 para Alemanha, no Mineirão lotado.
Perfil do novo treinador da Seleção Brasileira
Sem revelar um nome, Ednaldo revelou que ele procura, após um ciclo de quase sete anos com Tite à frente da equipe brasileira, um técnico que atue além das quatro linhas.
"O que eu quero é um profissional que possa integrar todas as divisões de futebol da CBF. Isso para que todas as categorias possam trabalhar de forma integrada, para que haja uma continuidade e uma troca de informações e conhecimentos entre essas divisões de futebol da CBF. Mas, obviamente, em campo, o Brasil vai tentar encontrar, dentro do que o mercado possibilita, alguém que entenda a necessidade de modernização, de padrão de jogo, de visão do futebol como um todo", explicou.
Veja também
Papel da CBF na nova liga do futebol brasileiro
Uma das marcas de Ednaldo logo que assumiu o comando da CBF foi dar sinal verde para a criação de uma nova liga do futebol brasileiro. Hoje, dois grupos, a LFF e a Libra, pretendem criar uma liga para organizar e explorar comercialmente o Brasileirão Série A e B. Com divergências sobre os termos da liga única com 40 clubes, os blocos negociam entre si e com grandes investidores.
Ednaldo garante que assim que o processo e arestas forem aparadas, a CBF estará pronta para discutir "o futuro do futebol brasileiro". O principal fator de discordância é sobre o modelo de divisão de receitas para os clubes. A ideia é que com os grupos chegando ao denominador comum, a diretoria da CBF delegue a organização do campeonato a estrutura empresarial da Libra e LFF, assim como ocorre em ligas europeias.
A Libra foi inicialmente formada por Flamengo, Corinthians, Palmeiras, Santos e São Paulo, além do Bragantino. Outras equipes aderiram ao grupo e atualmente são 18 membros: Bahia, Botafogo, Corinthians, Cruzeiro, Flamengo, Grêmio, Guarani, Ituano, Mirassol, Novorizontino, Palmeiras, Ponte Preta, Bragantino, Sampaio Corrêa, Santos, São Paulo, Vasco e Vitória. O Mubadala Capital, um fundo de investimentos dos Emirados Árabes, é o investidor da Libra.
Hoje a LFF tem 26 membros: ABC, Athletico, Atlético-MG, América-MG, Atlético-GO, Avaí, Brusque, Chapecoense, Coritiba, Ceará, Criciúma, CRB, CSA, Cuiabá, Figueirense, Fluminense, Fortaleza, Goiás, Internacional, Juventude, Londrina, Náutico, Operário-PR, Sport, Vila Nova e Tombense. O Serengeti Asset Managament, fundo americano que controla um total de ativos em torno de US$ 1.2 bilhão, é o investidor da LFF.
Legado na CBF
Além da conquista de títulos com a Seleção, o presidente garante que o principal legado que quer deixar é a mudança de imagem da Confederação Brasileira de Futebol. "A CBF foi muito maltratada nos últimos tempos e estes desafios são tão importantes quanto a conquista de títulos. E, paralelamente a tudo isso, queremos ser reconhecidos como uma entidade que empreendeu avanços nos modelos das competições, nas premiações das competições, na modernidade do futebol brasileiro. Parte dessas questões conseguimos colocar em prática. Mas isso ainda é pouco. Vamos avançar muito mais", afirmou.
Ele garante que o combate à corrupção, à discriminação, ao racismo e o foco na transparência são os pilares da sua gestão. Ednaldo acredita uma gestão sem escândalos pode reaproximar o torcedor da Seleção Brasileira. Uma das medidas adotadas que reforçam o seu discurso foi a instituição de punições esportivas por racismo em competições nacionais.
"A seleção esteve muito distante ao longo dos últimos tempos do torcedor, que é a razão de sua existência, e também muito fechada para a imprensa. A missão que eu tenho, agora com a escolha da nova comissão técnica e do novo técnico, é de que, aproximando a seleção do povo, fiquemos muito mais fortes. Eu quero uma seleção de futebol que preze pela transparência, aberta à imprensa e mais próxima do torcedor", finalizou.
Compartilhe este artigo
Tópicos relacionados
Créditos
André Martins
Repórter de Brasil e Economia
Formado na Universidade Anhembi Morumbi, com passagem pelo mercado financeiro, está na Exame desde 2020. Apresentador do Exame Agora.