Ondas de calor impactam negativamente a produção de alimentos no mundo
Evento climático extremo causa alta no preço dos alimentos, dificulta a atividade agropecuária e pode ter consequências perenes na oferta de produtos
EXAME Solutions
Publicado em 19 de outubro de 2023 às 08h00.
Última atualização em 23 de outubro de 2023 às 18h57.
As altas temperaturas que assolaram o Brasil no último mês de setembro, provocadas pelo fenômeno El Niño, assustaram a população, que precisou encontrar maneiras de se refrescar no final do inverno e início da primavera. Para se ter uma ideia, na cidade de São Paulo, a temperatura máxima observada foi de 36,5 °C, sendo que o normal não chega a 25 °C nessa época do ano. E em Mato Grosso, o calor chegou a 48ºC em diversos pontos do estado.
Além dos riscos à saúde, do desconforto físico e da alta no consumo de energia – com maior uso de eletrodomésticos como ar-condicionado e ventilador, o que elevou o consumo em mais de 4% em apenas duas semanas –, o calor (e outros eventos climáticos) extremo afeta diretamente a produção de alimentos ao redor do mundo.
Inflação do calor
De acordo com informações da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), atualmente, o preço dos alimentos já está 10% acima da média móvel dos últimos cinco anos e esse fenômeno, batizado de “inflação do calor”, já é sentido no mundo todo.
As mudanças climáticas são capazes de afetar safras inteiras e, a médio prazo, estão mudando a geografia da produção de alimentos. Terras antes consideradas inóspitas podem passar a se tornar aptas para o cultivo de diversos ingredientes. Mas o contrário também é verdadeiro: regiões já conhecidas pelo cultivo agrícola podem ver mudar esse cenário, afetando toda uma cadeia produtiva, a geração de trabalhos, a oferta de determinados alimentos e a realidade social do local.
O aumento da temperatura global, que, de acordo com previsões da Organização Meteorológica Mundial, pode chegar a quase 2ºC entre 2023 e 2027, pode prejudicar a produção de alimentos de diversas formas.
Algumas pragas podem ficar mais resistentes, aumentando também o uso de fertilizantes e agrotóxicos e elevando o custo de produção e repasse; alguns ingredientes simplesmente não conseguem se adaptar à nova temperatura – como o café, que precisa de temperaturas amenas para o cultivo –; e o trabalho no campo pode se tornar mais desgastante e até insalubre, por conta da exposição excessiva ao sol.
Impactos na pecuária
O estresse térmico também pode afetar as atividades de pecuária. Em todo estado de São Paulo, por exemplo, a produção e a venda de ovos foram impactadas, como mostram os dados do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea) do campus da Universidade de São Paulo (USP) em Piracicaba (SP). O calor levou à morte de 400 galinhas por dia, além de reduzir a vida útil dos ovos.
As temperaturas intensas também requerem cuidados maiores com o gado que, se não contar com um ambiente adequado e sombreamento, pode sofrer de desidratação, perda de apetite e, em casos mais graves, até a morte – em 2022, o estado do Kansas, no Estados Unidos, perdeu cerca de 10 mil cabeças de gado por conta do calor extremo.
O transporte dos animais também deve ser repensado para horários de menor incidência de calor e sempre com ventilação. Também a água é um elemento-chave para lidar com esse fenômeno. Mas as mudanças climáticas extremas – que podem ser causadas por processos naturais, mas também pela ação humana, como queima de combustíveis fósseis, desmatamento, poluição das águas e do solo – são sempre prejudiciais.
O Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) já alertou que o fenômeno no Brasil ainda não acabou e que novas ondas de calor devem atingir o país nos próximos meses. Ainda que menos agressivas do que as sentidas recentemente, elas podem afetar a agricultura e a pecuária, ocasionando maiores preços, mais desperdícios e uma confusão no sistema de produção de alimentos.