Trace Brazuca: inovação e representatividade são DNA de canal negro
Com apenas quatro meses de existência novidade exalta a cultura afro-urbana por meio de documentários e shows
Jornalista
Publicado em 20 de novembro de 2020 às 12h25.
Última atualização em 23 de julho de 2024 às 08h54.
Hoje, o Trace Brazuca é a principal referência quando o assunto é um espaço inovador de apresentação e reverência da cultura afro-urbana no país. Com 24 horas de programação dedicada à música de todos os gêneros, documentários e shows da cultura urbana brasileira, o canal Trace Brazuca foi lançado oficialmente no Brasil no dia 25 de julho deste ano, na data conhecida como o Dia da Mulher Negra Latina-Caribenha, estando acessível ao grande público através das operadoras a cabo Claro TV e Vivo TV, além de ter conteúdos exibidos no canal aberto Rede TV, uma parceria que iniciou em 2019, com o programa Trace Trends integrando a grade de programação da emissora, uma espécie de revista eletrônica com pautas sobre música, comportamento, arte, diversidade, esportes e empreendedorismo negro.
A marca mundial Trace Global nasceu nos anos 1990, à princípio como uma revista impressa. A publicação Trace abordava a cultura urbana em dois centros globais, e por ter essa iniciativa de cobrir a cultura negra periférica, como o hip-hop, o veículo passou a ser bastante respeitado. Nos anos 2000, um francês martinicano chamado Oliver Laouchez, muito envolvido com empreendedorismo e mídia, enxergou uma oportunidade e adquiriu o canal musical MCM do grupo francês Lagardère, e unindo-o com a marca Trace, nasceu o canal musical Trace, voltado para a cultura afro-urbana.
Hoje, o canal Trace está presente em mais de 100 países com uma audiência de mais de 300 milhões de pessoas, sendo na África, uma marca super empoderada. Entretanto, ainda faltava um país entrar na rota da Trace Global, justamente o Brasil, o país com o maior número de pessoas negras, fora do continente africano, representando cerca 56,10% da população, segundo o IBGE. Foram 10 anos de tentativas de viabilizar a entrada do canal no país, mas no ano de 2019, a Trace finalmente chega ao país, pelas mãos do experiente José Papa, que já foi CEO de Cannes Lions e da WGSN Global e hoje é Chairman Global da Bett, em parceria com AD Junior, famoso comunicador e influenciador digital referência na produção de conteúdo sobre combate ao racismo e preconceito na mídia.
Em entrevista à CASUAL EXAME , José Papa, que sempre lidou com empresas globais há muito tempo, revela que a Trace apareceu em um momento extremamente oportuno em sua vida: “Eu queria desenvolver projetos de impacto, que fossem alinhado com aquilo que eu fiz a vida inteira, mas que tivessem uma característica de transformação, de inovação e de futuro, conectando diretamente com a pauta da diversidade”. E foi em um encontro com o próprio Oliver Laouchez, no início de 2019, que possibilitou a chegada da marca Trace ao Brasil: “Ele tentou, durante muitos anos, trazer o projeto pra cá, pela questão óbvia de o Brasil ser o segundo maior país negro do mundo, depois da Nigéria. Mais do que essa representação em termos de quantidade, é a representação do que é o país, da nossa raiz, daquilo que representa o Brasil de forma contundente e de forma profunda”.
O conceito do projeto da Trace Brazuca foi fechado em Abril de 2019: “Ainda não existia uma operação na Trace aqui”, relembra Papa, “Mas eu consegui, em agosto, aqueles slots que a gente tem hoje na Rede TV para lançar um programa”. Segundo Papa, o projeto só foi legitimado a partir do momento que ele conseguiu trazer um importante nome para somar no grupo da Trace Brasil: “O projeto só foi possível, quando trouxemos uma das cabeças mais importantes do país, o AD Junior”. Popularizado como o digital influencer, Adilson dos Santos Júnior, o AD Junior, é pesquisador formado em Cross Media Production and Publishing e Literatura Inglesa, tem experiência com marketing online na Alemanha, atuando ativamente com startups alemãs no mercado brasileiro e hoje assume o papel de Head de Marketing da marca Trace Brasil: “Nos últimos três anos eu trabalhei com um projeto para trazer um outro canal de TV de cultura negra para o Brasil”, revela o influencer, “Eu estava profundamente conectado com a ideia de trazer um canal negro, e foi dessa forma, por estar conectado com isso, que o José Papa me conheceu”. E foi dessa conversa que surgiu aquilo que a dupla chama de sincronicidade, nascendo assim o Trace Brazuca: “O momento era propício, a narrativa era necessária, e foi a primeira vez que a gente teve pessoas brancas - no caso o José Papa - discutindo qual a participação deles, não somente na estrutura racial que impedia o crescimento de pessoas negras e o fortalecimento de projetos negros, mas justamente dando protagonismo e representatividade para as pessoas negras”, completa AD Junior.
A estrutura da Trace Brazuca é composta por oito funcionários, “temos uma cara de startup”, brinca AD Junior, que também revela o desafio de levantar um projeto desse no meio de uma pandemia: “Contamos com pessoas dedicadas, trabalhando diante de um momento tão caótico”. É dentro desse número minúsculo que protagonizam no canal as áreas de programação, chefiada por Kenia Sade, marketing, produção, editoria chefe, essa última sendo administrada pelo Alberto Pereira Júnior, que também é co-apresentador do programa Trace Trends, ao lado do AD Junior, e por fim a consultoria de estratégia, sob o comando de Danilo Lima. “A Trace Brazuca não é um canal que está falando de representatividade, ela é a própria representatividade na sua essência. Nós temos o José Papa que é um homem branco de condições privilegiadas, mas que fez dentro da Trace um programa de trainee, muito antes de outras empresas, transformando e ensinando pessoas negras a trabalharem em uma área executiva de um canal internacional”, comenta AD Junior.
Com 24 horas de programação no ar, a Trace Brazuca apresenta um conteúdo diversificado e inovador através de programas como o Djouba, que traz uma playlist musical com os maiores hits africanos do momento: “O Djouba é a conexão que nós brasileiros ainda não tivemos com o continente africano. Ele apresenta a visão não estereotipada da África, nos conectando diretamente com as músicas que estão tocando por lá, mostrando o que é sucesso na Burkina Faso ou que está tocando na Tanzânia, por exemplo”, afirma AD Junior. Programas de entrevistas como Skip Skip, além do Gospel Vibes, com duas horas dedicadas ao universo gospel, também fazem parte da programação, que conta com o conteúdo vindo da própria Trace Global, como Trace +, exibe documentários produzidos pela própria Trace, como é o exemplo de "História do Papa Wemba" que retrata a trajetória do icônico, pioneiro e intergeracional artista, e "Afrobeats, da Nigéria para o mundo", um documentário musical que conta como esse gênero musical influenciou artistas do mundo todo, entre outros.
A programação da Trace Brazuca é planejada pela equipe interna, com conteúdos vindos da própria matriz: “Trace Global é parte integral e o subsídio vem de diversas formas, financeira e, principalmente de conteúdo, considerando que temos acesso ao portfólio total ao know how da programação”, afirma José Papa. Falando em subsídio financeiro, além da própria Trace Global, o canal Brasileiro com conta com patrocínio de três grandes marcas, Bradesco, Vivo e Casas Bahia: “Foram as primeiras marcas que mergulharam no nosso projeto, conectadas em um patrocínio de longo prazo conosco, e eu acredito que amplitude dessa nossa narrativa vai atingir um maior número de pessoas comprometidas com a construção dessas pontes”, conclui Papa.
Novos Projetos, TVE Bahia e Trace Acadêmica
Está nos planos da Trace Brasil, ampliar a grade de programação com mais programas feitos e produzidos pela própria emissora, considerando que o único neste formato é Trace Trends, entretanto o momento de pandemia da covid-19 atrasou os projetos: “A gente tem vontade de fazer um programa de auditório, entre muitos projetos, mas estamos em uma realidade de pandemia, porém inegável que conseguimos avançar muito considerando que o canal entrou ao ar no meio desse contexto todo”, afirma AD Junior. Entretanto, a grande novidade foi a parceria firmada com a TVE Bahia desde o dia 1ª de novembro, para exibição de conteúdos de ambos os canais: “A TVE Bahia é a TV mais negra da Bahia, e nós iniciamos uma uma parceria de conteúdo, no qual exibimos alguns programas do canal na Trace Brazuca, assim como eles têm acesso a conteúdos da nossa grade de programação”, completa AD Junior.
Entretanto, o grande e mais ambicioso projeto da Trace Brazuca está na oportunidade de transformar a plataforma em ensino EAD para pessoas mais vulneráveis, conforme revela José Papa: “O que me conectou a Trace Global foi a academia, devido a minha experiência profissional com o Bett, principal evento de educação e tecnologia do mundo, eu liderei a aquisição da Educar, que é a principal feira de educação da América Latina e assim conheci o projeto da Trace através do projeto de educação, eles tinham o sonho grande de usar essa marca de mídia, de música para servir de alavanca para uma plataforma de educação voltada ao jovem que não teve escolaridade e que, por sua vez, não teve a oportunidade certa”. A ideia de José Papa é criar uma plataforma digital, com a marca Trace, que conecte jovens brasileiros para cursos profissionalizantes: “A ideia é conectar essa geração de 18 a 30 anos, com cursos vocacionais muito ligados ao entretenimento, utilizando uma pedagogia profunda, mas com uma linguagem dinâmica e de fácil acesso”, alguns cursos já estão em desenvolvimento e contando com algumas parcerias, como curso de eletricista oferecido pela Schneider Electric e o curso de marketing digital ofertado pelo Google.
Para AD Junior, esta iniciativa é mais uma forma de trabalhar a representatividade e mostrar a força da Trace Brazuca: “A Trace é o sonho de milhões de pessoas negras que sempre quiseram ter um espaço na TV, mostrando a sua realidade de forma não caricata. Portanto a Trace não é primeiro canal negro no Brasil, ele é o primeiro canal voltado à população negra, periférica, então se engloba muitas pessoas dentro dessa narrativa. E oferecer essa oportunidade é mostrar a nossa força e também apresentar o entretenimento como forma de trabalho”.