Café especial: identificar e perceber os aromas não é uma tarefa fácil (Carolina Gehlen/Exame)
Head of Design
Publicado em 9 de julho de 2024 às 08h40.
Melaço, borracha, cravo, fumaça, caldo de carne: estas são algumas das palavras que compõem uma roda sensorial; um grande gráfico de pizza com fatias divididas e subdivididas em categorias que nomeiam os aromas e os gostos encontrados nos cafés especiais.
Publicado originalmente em 1995, o Coffee Taster's Flavor Wheel tem sido o padrão da indústria por mais de duas décadas. Em 2016, foi atualizado em colaboração com o World Coffee Research (WCR). A base deste trabalho, o World Coffee Research Sensory Lexicon, é o resultado de dezenas de provadores sensoriais profissionais, cientistas, compradores de café e empresas de torrefação colaborando por meio do WCR e Specialty Coffee Association (SCA). Este é o maior e mais colaborativo estudo sobre sabores de café já realizado, inspirando um novo conjunto de vocabulário para profissionais da indústria.
E quantos aromas tem um café? Esta foi a pergunta que conduziu uma das oficinas que aconteceram na terceira edição do São Paulo Coffee Festival, em São Paulo.
Nos dias 21, 22 e 23 de junho o festival levou para o pavilhão da Bienal mais de 15 mil pessoas, um crescimento de 20% em relação aos anos anteriores.
Caio Alonso Fontes, sócio da Espresso&Co, organizadora do São Paulo Coffee Festival, conta que a feira é “muito sensorial, para trazermos para esse público, que já bebe muito café, uma proximidade ainda maior com o conceito de café especial, que é bastante amplo, passa por vários valores, como sustentabilidade, origem, qualidade. Isso foi uma tropicalização que a gente fez do produto e deu muito certo. Virou um superevento de experiência.”
Um exemplo disso foi essa oficina ministrada por Letícia Paiva: café e seus mais de mil aromas, no espaço “Sensory Experience”. Especialista em Cafés Especiais, Métodos de Preparo e Sensorial do Café, certificada pela Specialty Coffee Association, Letícia é bisneta, neta e filha de produtores de café e conduz as pessoas que querem descobrir novas experiências sensoriais por meio deste hábito tão comum, que é o de tomar café.
“Quando foi a última vez que você prestou verdadeira atenção aos aromas e sabores e soube identificar com precisão cada um deles? Os cafés especiais são capazes de proporcionar uma experiência sensorial única, sutil e, ao mesmo tempo, marcante”, afirma Letícia.
O Brasil tem visto um crescimento dos cafés especiais. De acordo com a Associação Brasileira de Cafés Especiais (BSCA), o mercado de cafés especiais registrou um crescimento anual médio de 15% na última década.
Globalmente, o crescimento também é expressivo. A Specialty Coffee Association (SCA) aponta que esse mercado tem projeção de crescimento anual de 7,6% até 2025, atingindo um valor estimado de US$ 83,6 bilhões. Esses números mostram um apetite crescente por qualidade superior e experiências únicas.
Saber identificar e perceber os aromas não é uma tarefa fácil. A experiência é infinita, afirma Letícia, “são mais de mil aromas possíveis, já que estamos falando de voláteis, aroma é equivalente a voláteis químicos, tudo que a gente sente do café em relação ao sabor vem dos voláteis, do aroma que é exalado a partir da torra e do preparo.”
Cada um percebe aromas de forma única, o que sentimos está muito relacionado ao repertório de cada pessoa. Um mesmo cheiro pode ser agradável para uma pessoa e desagradável para outra.
Segundo a dra. Sabrina Alves, docente na Universidade Federal Rural da Amazônia, o odor é a percepção de compostos químicos voláteis, oriundos dos alimentos, por células receptoras localizadas nas narinas – olfato nasal. Já o aroma é a percepção dos compostos químicos voláteis por células receptoras localizadas na nasofaringe – olfato retronasal.
O gosto de um alimento é a percepção de compostos químicos, oriundos dos alimentos, por células receptoras localizadas na língua, bochecha e palato. Existem cinco gostos básicos: doce, salgado, ácido, amargo e umami. Já o sabor de um alimento é a percepção conjunta de aroma e gosto.
A análise sensorial é uma disciplina científica utilizada para medir, analisar e interpretar as características dos alimentos quando percebidas pelos cinco sentidos: gosto, olfato, tato, audição e visão. O estudo desses dados é de suma importância para a qualidade dos alimentos, para o desenvolvimento de novos produtos e para as ações mercadológicas de indústrias de alimentos – estratégias de mercado, afirma Sabrina.
E como ajudar o cérebro a chegar no descritivo do que estamos sentindo? Letícia ensina um simples exercício que faz perceber as minúcias dos sabores: com um clip nasal, ou apenas tampando o nariz, experimente comer uma bala, siga respirando pela boca. No início é possível saber que estamos ingerindo algo doce, mas é impossível identificar o sabor da bala, que só é descoberto quando passamos a respirar novamente pelo nariz.
Uma explosão de sabor acontece quando juntamos o aroma e o gosto. O nariz é muito importante nesse processo, 75% a 95% da percepção do café depende do nariz. No teste de cupping, onde os profissionais do café degustam a bebida, uma prática comum é chupar o líquido, isso acontece para entrar ar; respirar ajuda na percepção do sabor.
Para identificar o sabor, Letícia diz que simplesmente beber uma xícara e falar que o café lembra abacaxi, por exemplo, é muito difícil. “Mas se eu cheiro esse café e ele me provoca uma certa salivação, uma memória, uma sensação; essas associações ajudam a chegar na descrição.”
O cheiro do café é fechado ou aberto? Lembra verão, outono ou inverno? Tem gosto de verde, de mata? É fresco? É amargo? É doce? São algumas das perguntas que nos levam a chegar nas sensações, lembranças e memórias que podem fazer você sentir mais de mil aromas em uma única xícara de café.