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Precisamos ou não do reconhecimento de estrangeiros?

É fascinante observar como a literatura pode transcender fronteiras e unir diferentes gerações de leitores em torno de obras clássicas

Livraria: livros brasileiros em destaque mundial. (Leandro Fonseca/Exame)
Taiza Krueder

CEO do Grupo Clara Resorts

Publicado em 18 de junho de 2024 às 07h18.

Recentemente, viralizou nos EUA e no Brasil o vídeo em que Courtney Henning Novak, uma influenciadora literária norte-americana, tece elogios ao livro "Memórias Póstumas de Brás Cubas", de Machado de Assis. A influencer tem como desafio ler uma obra emblemática de cada país existente no mundo, e nele descobriu o gênio literário brasileiro do século XIX.

Isso fez com que as vendas do livro subissem em ambos os países, retomando uma discussão sobre reconhecimento tardio de um escritor brasileiro que poderia ter sido ainda maior em âmbito mundial, dizem alguns, se não estivesse o Brasil em uma zona dita "periférica" do planeta e se os livros não fossem escritos em português.

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O sucesso do vídeo foi tal que, instigada por comentários de brasileiros em sua rede social, Novak acabou de ler também outra obra clássica machadiana, o polêmico “Dom Casmurro”. À pergunta "Capitu traiu ou não Bentinho?", feita por gerações de leitores diante da dúvida eternizada pelo escritor, ela deu sua impressão inicial: “Não, Capitu não o traiu”. Mas o ponto alto desse segundo vídeo em que a influenciadora se deslumbra com “Dom Casmurro”, para mim, é quando ela coloca Machado no mesmo plano de Shakespeare.

É fascinante observar como a literatura pode transcender fronteiras e unir diferentes gerações de leitores em torno de obras clássicas. O que mais me chama atenção neste episódio, contudo, é que uniu em debates nas redes sociais diferentes gerações em torno de uma obra literária, o que convenhamos é um fato muito raro em uma nação tida como avessa à leitura.

Muito desse debate foi motivado por uma "jabuticaba", na compreensão da palavra não como a fruta em si, mas algo que – dizem, mas eu não boto minha mão no fogo – somente existe no Brasil: a "obrigatoriedade" de lermos quando adolescentes ou jovenzinhos, na escola, obras-mestras da literatura brasileira. Isso faz com que desde Baby Boomers (nascidos entre 1946 e 1964) até a novíssima Geração Alfa (nascida após 2010) tenham lido ou estejam lendo não somente Machado de Assis, mas Lima Barreto, Jorge Amado, Guimarães Rosa, Graciliano Ramos e Clarice Lispector.

Se você estiver se perguntando: “o que os clássicos têm a ensinar a nós, seres contemporâneos do mundo digital?”, respondo:

1) Eles são atemporais e continuam relevantes, nos ensinando sobre a história, cultura e valores humanos universais, oferecendo insights sobre a natureza humana, dilemas morais, questões sociais e políticas que permanecem relevantes, como defende o italiano Ítalo Calvino em seu livro “Por que Ler os Clássicos”. Neste sentido, os clássicos nos lembram que, apesar dos avanços tecnológicos, as preocupações fundamentais da humanidade não mudaram. Além disso, nos ensinam a apreciar a linguagem, a profundidade dos personagens e a complexidade das tramas, e são referências para outras obras literárias, filmes e arte contemporânea. Por isso, lê-los nos ajuda a desenvolver uma visão crítica e reflexiva do mundo.

2) Mas como nem só do passado vive o ser humano, é importante conciliar a leitura dos clássicos com obras contemporâneas de autores brasileiros. Alguns escritores emergentes merecem destaque, como Itamar Vieira Junior ("Torto Arado” e "Salvar o Fogo"), Geovani Martins (“O Sol na Cabeça”) e Juliana Leite (“Entre as mãos”). Minha dica: leia se possível, ao mesmo tempo, dois ou três livros, sendo pelo menos um deles um clássico e um outro contemporâneo.

A reação dos brasileiros ao vídeo de Novak reflete o desejo de ver uma maior diversidade de autores brasileiros sendo reconhecidos internacionalmente. Mas há também conterrâneos que condenaram justamente essa necessidade de "aprovação" externa a escritores nacionais, naquilo que o jornalista e dramaturgo Nelson Rodrigues cunhou como "complexo de vira-latas", que descreve o sentimento de inferioridade que os brasileiros teriam em relação ao resto do mundo. Não vejo desta forma.

A literatura brasileira, clássica ou contemporânea – e também a estrangeira – oferece uma riqueza de perspectivas e reflexões que enriquecem nossa compreensão do mundo, independentemente da geração, do contexto digital ou do reconhecimento externo. Mas que toda ajuda é bem-vinda, é! Que não somente Machado de Assis ganhe o merecido destaque no mundo, mas também outros autores. Que tenhamos, finalmente, quem sabe e em breve, um Nobel de Literatura brasileiro. Eu quero viver para isso – e você?

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