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Pará entra para a rota nacional das artes visuais

Se os artistas não vão a Rio–São Paulo, os curadores vão ao estado, que possui uma rede cultural intensa

Bandeira, pintura sobre chapas metálicas, de Emmanuel Nassar. O artista plástico do interior do Pará é um dos precursores da arte contemporânea no estado (Divulgação)
DR

Da Redação

Publicado em 22 de dezembro de 2011 às 09h48.

São Paulo - Emmanuel Nassar fincou os pés na terra para dela se sobressair. Natural de Capanema, cidadezinha do interior do Pará , o artista de 62 anos ganhou fama por trabalhar – em suas pinturas, instalações e objetos – os matizes cromáticos fortes, o improviso do cotidiano, a visualidade cabocla.

Um emaranhado de referências da cultura popular amazônica. Isso não o circunscreveu a um estilo tão somente regional, tampouco o deixou isolado em tendências artísticas demarcadas.

Entender-se com o seu território acabou sendo fundamental para que, mesmo distante geograficamente dos grandes centros, ele participasse de bienais, como as de São Paulo, em 1989 e 1998, e de Veneza, em 1993.

No início dos anos 1980, ele era “o” artista do Pará e não um dos 500 diluídos no complexo circuito das artes de São Paulo, por exemplo. “Tive uma formação muito forte em Belém e nunca achei determinante me deslocar.

Sem heroísmo, posso até ter me beneficiado com isso. Mas fiquei remoendo essa questão de identidade por uns dez anos”, revela. Emmanuel Nassar tornou-se um dos nomes mais emblemáticos da arte contemporânea nacional, e outros conterrâneos o seguiram.

Essa visibilidade foi impulsionada pela consolidação, nas últimas três décadas, de redes de articulação artística, que incluem desde a criação de salões e mostras até a elaboração de políticas públicas – ações que favoreceram o trânsito de curadores, críticos e artistas de outros eixos, que passaram a acompanhar de perto a produção local.

Paulo Herkenhoff, que foi curador-geral do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, atua sistematicamente em projetos voltados a mapear e difundir a arte paraense e também é curador do Salão Arte Pará, que neste ano completou 30 edições.


Ele reconhece que há na região uma concentração significativa de bons artistas e arrisca uma explicação: o surgimento em 1984 do FotoAtiva, um espaço de discussão da fotografia; assim como a criação, em 1999, do Instituto de Artes do Pará (IAP) e a inauguração, em 2002, do Museu Casa das Onze Janelas, todos em Belém, além das universidades como provocadores desse cenário.

“São instituições engajadas com a arte, mas sobretudo com a consciência de estarem inscritas em um território cultural denso, com potencial de construção de linguagens”, afirma Herkenhoff.

“Os artistas passaram a ter um ambiente onde são estimulados a pensar no universal para criar no local, tornando universalizado o processo artístico a partir da originalidade da cultura paraense-amazônica”, diz João de Jesus Paes Loureiro, idealizador e criador do IAP.

As obras da exposição Impressões de Lugar (2004), de Alexandre Sequeira, ilustram bem esse contexto. Em toalhas de mesa, lençóis, redes e outros objetos o artista estampou os donos das peças numa pesquisa de fotografia, gravura e instalação.

O trabalho participou da Bienal Internacional de Liège, na Bélgica, em 2006; da Bienal de Havana, em Cuba, em 2009; e do FestFotoPoa, em Porto Alegre, em 2010, além de outros eventos no Canadá e na França. As esculturas de Armando Sobral também refletem essa linha criativa, que busca o universal no regional.

Em seus mais recentes projetos, ele se alia aos mestres escultores e ceramistas da cultura popular para produzir grandes objetos tridimensionais. “Ficam evidentes as referências locais, sejam elas relacionadas à história da cidade, à paisagem ou às práticas tradicionais”, diz Sobral.


Na série Barroco, Traço Infinito (2009), ele compôs formas e volumes baseados em matrizes históricas e na visualidade de igrejas barrocas de Belém; em Jardins Sagrados (2010), continuou a pesquisa com uma das esculturas da série anterior para pensar a obra dentro do ambiente do museu, e em Labirinto Ver-o-Peso (2011), uniu as esculturas de urnas funerárias indígenas às xilogravuras de mantas de pirarucu, comuns no mercado belenense. As obras foram expostas na Galeria Fayga Ostrower, em Brasília, em julho passado.

Motivado por uma situação social local, outro artista plástico, Armando Queiroz, produziu a performance em vídeo Midas (2009), onde com uma das mãos começa a inserir insetos na própria boca.

O trabalho foi baseado na exploração mineral da Serra dos Carajás, mas não se limita à Amazônia exaurida de seus recursos naturais. A obra remete à cratera que sobrou no lugar e, sobretudo, às pessoas. Com ela, Armando Queiroz foi vencedor do Prêmio Marcantonio Vilaça 2009, da Funarte.

Múltiplas singularidades

Uma novíssima geração de artistas tem dado continuidade a essa boa fase. Marcone Moreira faz parte dela. O jovem de 29 anos apresenta sua cidade, Marabá, no interior do Pará, a quase 500 quilômetros da capital, por meio de pinturas, objetos e instalações nada convencionais.

“Pode-se falar a partir de um lugar sem ser regionalista e fala-se de várias maneiras porque a Amazônia é diversificada”, acredita a crítica de arte Marisa Mokarzel, diretora do Museu Casa das Onze Janelas.

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Focado mais em detalhes da caótica cidade e menos em estereótipos generalizantes, Moreira já participou de programas com o renomado curador Agnaldo Farias, em 2002; do Panorama da Arte Brasileira, do Museu de Arte Moderna de São Paulo, em 2003, além de ter exibido obras no Rio de Janeiro, em Recife e na Espanha.


Outra surpresa é o projeto Simbiosys, de Roberta Carvalho, 30 anos, iniciado em 2007, no qual rostos são projetados em copas de árvores. “A minha motivação é a natureza olhar para a gente. Agora, entro numa fase em que uso as populações da floresta. É uma forma de ocupar a paisagem com gente da Amazônia. Fazer a Amazônia olhar para o mundo”, explica.

Em 2012 ela apresentará suas árvores-homens na exposição BR2014 Terra Prometida, em Barcelona, sob curadoria do fotógrafo e produtor cultural Iatã Cannabrava, de São Paulo.

Ao dependurar galinhas pelo corpo e sair pelo centro da cidade, na ação performática Gallus Sapiens (2007), Victor de La Rocque questiona o valor da existência.

“Ele transforma em metáfora a rotina do homem comum, que leva a vida em estado de alienação”, observa Orlando Maneschy, que foi curador do Salão Arte Pará 2008, ano em que Victor conquistou o grande prêmio do certame.

“Os artistas estão focados em suas questões e não em modismos”, reconhece Paulo Herkenhoff. Como bem fez Emmanuel Nassar, a nova geração também não tira os pés, nem a alma, do solo paraense.

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