Olimpíadas da antiguidade envolviam sexo, sangue e doping
Prostitutas, engolidores de fogo, videntes e outras atrações mantinham o público entretido durante os jogos que duraram de 776 a.C
Da Redação
Publicado em 8 de agosto de 2016 às 21h38.
O esporte não era a única atração das Olimpíadas da Antiguidade. Ele fazia parte de um festival religioso que, além de rituais, incluía muita arte, com exibições de pintores, escritores e escultures.
Mas não só. Prostitutas, engolidores de fogo, videntes e outras atrações mantinham o público entretido.
A vida louca dos Jogos era uma mistura de sexo, violência, sacrifícios animais e zero higiene. Um “Woodstock da Antiguidade”, na definição de Tony Perrottet, autor de The Naked Olympics: The True Story of the Ancient Games.
As Olimpíadas da Antiguidade duraram de 776 a.C. a 394, uma impressionante longevidade para um evento realizado a cada quatro anos (os Jogos modernos têm só 120 anos e a humanidade já furou o calendário três vezes, durante as guerras mundiais).
O que era um megafestival pagão acabou justamente por isso mesmo, proibido em um mundo que se cristianizava. Nesses mais de mil anos de história, Olímpia se revestia de tradição e santidade – mas de um jeito diferente do que imaginamos.
Para começar, a imagem de nobres esportistas, cavalheiros asseados e competidores honrados lutando para superar os próprios limites foi difundida só no século 19 e não é lá muito verdadeira.
Até mesmo a trégua olímpica, a fim de repelir e evitar conflitos bélicos, é relativa. Os gregos não queriam a paz universal, apenas uma paz pontual e temporária, que não atrapalhasse a logística dos Jogos nem a migração de atletas e espectadores.
Ou seja, quer pilhar uma vilazinha, saquear uma cidade ou massacrar uma tribo? Tudo bem, mas desde que seja longe de Olímpia – o que não era tão difícil, porque a cidade ficava no meio do nada para os padrões da época. E chegar lá era um perrengue só.
Pausa para uma suposição anacrônica. Se você tivesse garantido um ingresso para assistir à cerimônia de abertura e desembarcasse em Atenas, teria que ir andando os 340 km que separam as cidades.
Ao chegar lá, teria que se virar e dormir em qualquer buraco. Claro, isso se você não fosse rico, caso contrário poderia armar uma tenda para os seus servos trabalharem razoavelmente protegidos do calor de rachar.
No auge do verão, os dois rios de Olímpia secavam, ninguém conseguia tomar banho direito, quase não havia água potável e, por isso mesmo, muita gente acaba colapsando de calor (ainda mais porque no estádio não havia assentos).
Mesmo assim, um público de estimadas 40 mil pessoas comparecia ao evento e ficava em êxtase em um local sagrado, para ver de perto atletas que se tornariam famosos por gerações.
Lá está Platão vendo uma luta! Olhe, Sófocles torcendo em um jogo de bola! Os grandes pensadores e autores eram celebridades garantidas nessas arquibancadas sem camarote.
Tudo sem precisar pagar para entrar, já que os organizadores eram aristocratas que participavam pelo orgulho de fazer parte do maior acontecimento da Grécia antiga, e não, necessariamente, para fazer dinheiro.
Não que eles precisassem lidar com uma organização monumental. Basicamente, bastava pastorear ovelhas e vacas e tirá-las das pistas e dos templos.
A estrutura estava toda montada, não era preciso construir novas vilas olímpicas, estádios e outras espécies de elefantes brancos.
Um balde de água fria na corrupção? Nem tanto assim. No século 4 a.C., o lutador Eupolus foi flagrado subornando adversários. Episódios do tipo eram mais ou menos frequentes.
Isso sem contar a incrível façanha de Nero. Quando Roma conquistou a Grécia, o imperador decidiu competir na corrida de bigas e venceu – mesmo caindo do veículo!
A cada cerimônia de abertura, os jogos ganhavam o banho de honra divina que servia de repelente à corrupção e revigorante de tradição, relegando os casos sujos a segundo plano.
Tudo graças à imagem impactante dos atletas preenchendo o templo para, em frente à monumental estátua que Fídias concebeu em honra a Zeus (e que se tornaria uma das Sete Maravilhas da Antiguidade), fazer juras sobre pedaços sangrentos de carne de javali em prol do espírito esportivo e das regras do jogo. Isso era necessário.
Os juízes se preocupavam com atletas que usavam substâncias que aprimoravam a performance, como cogumelos secos, misturas de ervas exóticas, testículos e coração de animais e coquetéis à base de ópio.
Mais popular que o doping, só as pragas que se jogavam sobre oponentes. A magia negra tinha muito espaço no espírito olímpico.
Mais popular que ambos, só a insanidade do lado de fora dos estádios. Os gregos já tinham o conceito de bar de esportes e, apesar de não serem lá muito beberrões, eles tiravam o atraso nessa época.
Além disso, tinha o sexo. Prostitutas de vários cantos do Mediterrâneo chegavam à cidade para levantar em cinco dias mais dinheiro do que no resto do ano.
As Olimpíadas eram uma farra concentrada de bebedeira pesada, pouco sono e orgias alcoolizadas promovidas por estudantes. Sob esse ponto de vista, elas chegaram ao Brasil bem antes dos Jogos do Rio.
Afinal, já estavam presentes nas competições universitárias nacionais, cuja tradição é muito mais forte em destruir neurônios do que em construir atletas de ponta.
Da mesma forma que em muitos momentos do século passado, as Olimpíadas daqueles tempos também viraram um caldeirão político – tão descontrolado quanto os torcedores bêbados caindo pelas tabelas.
Em 364 a.C., o “COI” tradicional, de raiz, a turma que sempre realizava os Jogos, partiu para a agressividade com o novo “COI”, que organizara a edição de então.
No meio de uma competição de luta, eles invadiram o santuário, com direito a arqueiros no alto dos templos. Para o público, foi espetáculo em dobro.
Todo mundo parou de ver os lutadores para acompanhar a briga campal dos aristocratas, torcendo e vaiando como se fosse um esporte para valer.
Em um tempo em que o pancrácio – luta em que ossos quebrados era comum e que só bania em caso de apertar os olhos – era um esporte olímpico, assistir a uma batalha na arquibancada podia ser bem interessante.
As Olimpíadas voltaram a ser uma realidade quadrienal em 1896. Em 1932, em Los Angeles, ganharam a cara de drama moderno que lhe dariam um absurdo espaço na TV e na internet nas décadas seguintes.
Segundo o autor especializado em história do esporte David Goldblatt no seu recente livro, The Games: A Global History of The Olympics, o espírito de Hollywood deu aos Jogos boa parte da cara que eles têm hoje: o pódio de três lugares, a pira olímpica e os hinos nacionais.
Quatro anos depois, nas Olimpíadas que seriam de Hitler, mas foram de Jesse Owens, os nazistas criaram outra tradição, a viagem da tocha olímpica.
Mesmo que aos trancos e barrancos, com condutores que escorregam, caem ou são atropelados ao longo do percurso, ela parte de onde tudo começou, Olímpia, e termina na cidade-sede. Nesta sexta-feira, 5 de agosto de 2016, no Rio de Janeiro.
O esporte não era a única atração das Olimpíadas da Antiguidade. Ele fazia parte de um festival religioso que, além de rituais, incluía muita arte, com exibições de pintores, escritores e escultures.
Mas não só. Prostitutas, engolidores de fogo, videntes e outras atrações mantinham o público entretido.
A vida louca dos Jogos era uma mistura de sexo, violência, sacrifícios animais e zero higiene. Um “Woodstock da Antiguidade”, na definição de Tony Perrottet, autor de The Naked Olympics: The True Story of the Ancient Games.
As Olimpíadas da Antiguidade duraram de 776 a.C. a 394, uma impressionante longevidade para um evento realizado a cada quatro anos (os Jogos modernos têm só 120 anos e a humanidade já furou o calendário três vezes, durante as guerras mundiais).
O que era um megafestival pagão acabou justamente por isso mesmo, proibido em um mundo que se cristianizava. Nesses mais de mil anos de história, Olímpia se revestia de tradição e santidade – mas de um jeito diferente do que imaginamos.
Para começar, a imagem de nobres esportistas, cavalheiros asseados e competidores honrados lutando para superar os próprios limites foi difundida só no século 19 e não é lá muito verdadeira.
Até mesmo a trégua olímpica, a fim de repelir e evitar conflitos bélicos, é relativa. Os gregos não queriam a paz universal, apenas uma paz pontual e temporária, que não atrapalhasse a logística dos Jogos nem a migração de atletas e espectadores.
Ou seja, quer pilhar uma vilazinha, saquear uma cidade ou massacrar uma tribo? Tudo bem, mas desde que seja longe de Olímpia – o que não era tão difícil, porque a cidade ficava no meio do nada para os padrões da época. E chegar lá era um perrengue só.
Pausa para uma suposição anacrônica. Se você tivesse garantido um ingresso para assistir à cerimônia de abertura e desembarcasse em Atenas, teria que ir andando os 340 km que separam as cidades.
Ao chegar lá, teria que se virar e dormir em qualquer buraco. Claro, isso se você não fosse rico, caso contrário poderia armar uma tenda para os seus servos trabalharem razoavelmente protegidos do calor de rachar.
No auge do verão, os dois rios de Olímpia secavam, ninguém conseguia tomar banho direito, quase não havia água potável e, por isso mesmo, muita gente acaba colapsando de calor (ainda mais porque no estádio não havia assentos).
Mesmo assim, um público de estimadas 40 mil pessoas comparecia ao evento e ficava em êxtase em um local sagrado, para ver de perto atletas que se tornariam famosos por gerações.
Lá está Platão vendo uma luta! Olhe, Sófocles torcendo em um jogo de bola! Os grandes pensadores e autores eram celebridades garantidas nessas arquibancadas sem camarote.
Tudo sem precisar pagar para entrar, já que os organizadores eram aristocratas que participavam pelo orgulho de fazer parte do maior acontecimento da Grécia antiga, e não, necessariamente, para fazer dinheiro.
Não que eles precisassem lidar com uma organização monumental. Basicamente, bastava pastorear ovelhas e vacas e tirá-las das pistas e dos templos.
A estrutura estava toda montada, não era preciso construir novas vilas olímpicas, estádios e outras espécies de elefantes brancos.
Um balde de água fria na corrupção? Nem tanto assim. No século 4 a.C., o lutador Eupolus foi flagrado subornando adversários. Episódios do tipo eram mais ou menos frequentes.
Isso sem contar a incrível façanha de Nero. Quando Roma conquistou a Grécia, o imperador decidiu competir na corrida de bigas e venceu – mesmo caindo do veículo!
A cada cerimônia de abertura, os jogos ganhavam o banho de honra divina que servia de repelente à corrupção e revigorante de tradição, relegando os casos sujos a segundo plano.
Tudo graças à imagem impactante dos atletas preenchendo o templo para, em frente à monumental estátua que Fídias concebeu em honra a Zeus (e que se tornaria uma das Sete Maravilhas da Antiguidade), fazer juras sobre pedaços sangrentos de carne de javali em prol do espírito esportivo e das regras do jogo. Isso era necessário.
Os juízes se preocupavam com atletas que usavam substâncias que aprimoravam a performance, como cogumelos secos, misturas de ervas exóticas, testículos e coração de animais e coquetéis à base de ópio.
Mais popular que o doping, só as pragas que se jogavam sobre oponentes. A magia negra tinha muito espaço no espírito olímpico.
Mais popular que ambos, só a insanidade do lado de fora dos estádios. Os gregos já tinham o conceito de bar de esportes e, apesar de não serem lá muito beberrões, eles tiravam o atraso nessa época.
Além disso, tinha o sexo. Prostitutas de vários cantos do Mediterrâneo chegavam à cidade para levantar em cinco dias mais dinheiro do que no resto do ano.
As Olimpíadas eram uma farra concentrada de bebedeira pesada, pouco sono e orgias alcoolizadas promovidas por estudantes. Sob esse ponto de vista, elas chegaram ao Brasil bem antes dos Jogos do Rio.
Afinal, já estavam presentes nas competições universitárias nacionais, cuja tradição é muito mais forte em destruir neurônios do que em construir atletas de ponta.
Da mesma forma que em muitos momentos do século passado, as Olimpíadas daqueles tempos também viraram um caldeirão político – tão descontrolado quanto os torcedores bêbados caindo pelas tabelas.
Em 364 a.C., o “COI” tradicional, de raiz, a turma que sempre realizava os Jogos, partiu para a agressividade com o novo “COI”, que organizara a edição de então.
No meio de uma competição de luta, eles invadiram o santuário, com direito a arqueiros no alto dos templos. Para o público, foi espetáculo em dobro.
Todo mundo parou de ver os lutadores para acompanhar a briga campal dos aristocratas, torcendo e vaiando como se fosse um esporte para valer.
Em um tempo em que o pancrácio – luta em que ossos quebrados era comum e que só bania em caso de apertar os olhos – era um esporte olímpico, assistir a uma batalha na arquibancada podia ser bem interessante.
As Olimpíadas voltaram a ser uma realidade quadrienal em 1896. Em 1932, em Los Angeles, ganharam a cara de drama moderno que lhe dariam um absurdo espaço na TV e na internet nas décadas seguintes.
Segundo o autor especializado em história do esporte David Goldblatt no seu recente livro, The Games: A Global History of The Olympics, o espírito de Hollywood deu aos Jogos boa parte da cara que eles têm hoje: o pódio de três lugares, a pira olímpica e os hinos nacionais.
Quatro anos depois, nas Olimpíadas que seriam de Hitler, mas foram de Jesse Owens, os nazistas criaram outra tradição, a viagem da tocha olímpica.
Mesmo que aos trancos e barrancos, com condutores que escorregam, caem ou são atropelados ao longo do percurso, ela parte de onde tudo começou, Olímpia, e termina na cidade-sede. Nesta sexta-feira, 5 de agosto de 2016, no Rio de Janeiro.