Exame Logo

O luxo dos ricos na pandemia

Sente falta de ir ao cinema? Por cerca de US$ 350, você pode alugar um auditório inteiro na Moviehouse & Eatery só para você

Dragana Milanovic, do MySpa2Go: serviços de luxo em casa durante pandemia (Natalie Keyssar/The New York Times)

Guilherme Dearo

Publicado em 9 de agosto de 2020 às 07h00.

No quarto de seu apartamento no East Village, em Nova York , Alison Mazur relaxava em uma cadeira e suspirava contente enquanto uma esteticista lhe pintava as unhas. Foi a primeira vez em quatro meses que fez as unhas com uma profissional desde que as restrições do coronavírus forçaram os salões em todos os EUA a fechar.

Mazur precisou interromper seu regime de beleza normal, que incluía manicures regulares, durante a pandemia. Mas, entre a ansiedade em relação ao vírus e o estresse de dirigir seu negócio de fotografia, ela finalmente percebeu que queria tirar um tempo para si mesma. "Eu dizia: Que droga! Vivo em Nova York – tem de haver uma empresa que está fazendo algo para propiciar esse tipo de cuidado durante este tempo", contou ela.

Veja também

Uma pesquisa no Google a levou ao MySpa2Go, que tem sede na cidade e fornece serviços de manicure, depilação, tratamentos faciais, maquiagem, extensão de cílios, corte de cabelo e massagem em casa, por um preço premium. Uma manicure-pedicure de luxo custa US$ 125, bem mais caro que o habitual em um salão de beleza de Nova York. "Considerando que não fazia isso há tanto tempo, foi um tratamento especial", disse Mazur.

Antes da pandemia, fazer a mão, comprar um ingresso de cinema, fazer uma aula na academia ou mesmo ir às compras eram passatempos relativamente acessíveis para a classe média alta. Mas o vírus transformou essas atividades em coisas ainda mais exclusivas – disponíveis para aqueles que são ricos o suficiente para apreciá-las em um ambiente privado.

Sente falta de ir ao cinema? Por cerca de US$ 350, você pode alugar um auditório inteiro na Moviehouse & Eatery, uma rede de teatros de luxo no Texas. Ansioso para voltar à sua rotina de exercícios? A Gymguyz, uma empresa de personal trainers com sede em Plainview, Nova York, oferece exercícios com distanciamento social na casa dos clientes por cerca de US$ 70 a US$ 100.

Em Nova York, Swimply permite que você alugue uma piscina privativa (New York Times/The New York Times)

Se você gosta de natação, a Swimply permite que você alugue uma piscina privada no quintal de alguém por US$ 45 a US$ 60 a hora, seja para nadar sozinho ou com um grupo.

Precisa de terapia de compras? A Bergdorf Goodman está oferecendo horários com distanciamento social na loja, além de entrega no mesmo dia para Manhattan e os Hamptons para os pedidos on-line.

Essas ofertas são uma extensão de uma tendência anterior ao vírus, uma corda de veludo invisível que se entrepõe entre os americanos mais ricos e todos os outros em aviões, navios de cruzeiro e até mesmo no sistema de saúde. Elas permitem que clientes ricos passem para a frente das filas e evitem multidões, incômodos e perda de tempo.

Mas, em um mundo de Covid-19, multidões e filas são mais do que apenas inconvenientes – são ameaças à saúde e, em alguns casos, à sobrevivência. Assim, a pandemia está dando aos clientes ricos um incentivo ainda mais forte para aproveitar os serviços de luxo que os separam fisicamente das massas.

"A ideia de que estamos todos nessa pandemia juntos está correta de certa forma. Mas ela vai sendo rapidamente minada quando fica claro que milhões se sentem presos e alguns poucos têm seu próprio iate particular ou jato de luxo como uma fuga", observou Eric Klinenberg, sociólogo da Universidade de Nova York.

A demanda pelos serviços do MySpa2Go quadruplicou depois do início da pandemia, e a empresa tem uma lista de espera de 10 a 15 pessoas todos os dias, de acordo com sua proprietária, Lori Traub: "As pessoas têm ligado e implorado por serviços, dizendo que pagariam qualquer quantia para ter nossos serviços. Elas estão literalmente dizendo: 'Cobre o dobro, o triplo. Pago qualquer coisa.'"

Traub contou que a empresa não havia aumentado os preços significativamente durante a pandemia. O MySpa2Go exige que todos os funcionários usem equipamento de proteção individual, incluindo máscara e luvas, durante a execução dos serviços e usem ferramentas descartáveis sempre que possível.

Dragana Milanovic, do MySpa2Go, serviço em casa de spa ((Natalie Keyssar/The New York Times)

A Blade, uma empresa privada de helicópteros e jatos, viu um aumento de clientes, como um que vai de Nova York para os Hamptons por US$ 795. A Elite Adventure Tours, com sede em Los Angeles, está recebendo mais pedidos de aluguel de iates para excursões de verão, ao custo de US$ 15 mil por dia.

O Nemacolin Woodlands Resort, situado em 809 hectares nas Montanhas Allegheny, na Pensilvânia, está oferecendo uma experiência de retiro com distanciamento social. Por até US$ 900 por noite, os hóspedes contam com um mordomo que planeja atividades privadas de lazer, incluindo assistir a filmes sozinho na sala de cinema do resort ou desfrutar o uso privado de suas quadras de tênis, museus ou lojas.

As empresas de alto nível também estão vendendo uma das mercadorias mais procuradas na era pandêmica: o cuidado infantil.

Em Beverly Hills, na Califórnia, a agência Westside Nannies recebeu um número imenso de pedidos de pessoas com experiência como conselheiros de acampamento de verão para cuidar dos pequenos, para planejar melhor as atividades de acampamento para uma criança só, disse Katie Provinziano, diretora administrativa da agência: "Os pais estão realmente sentindo que querem que seus filhos tenham alguma sensação de normalidade e um pouco dessa experiência tradicional de verão dentro dos limites da pandemia."

Victoria O'Flahavan, de West Hollywood, na Califórnia, contratou uma babá por intermédio da agência para cuidar de seu filho de três anos enquanto ela cuida de sua filha recém-nascida. A babá, que cobra US$ 28 por hora, organiza atividades de verão, como plantar tomates no jardim e montar uma barraca de limonada. "É bom que ele tenha expectativas, porque faz muito tempo que não tem interação com outras crianças, algo que me deixa triste", comentou O'Flahavan.

A Westside Nannies informou que também viu um aumento de 300 por cento nos pedidos de pais que querem contratar "educadores particulares" em tempo integral, que normalmente cobram cerca de US$ 50 por hora.

Os pais também estão encontrando maneiras de seus filhos continuarem com suas ambições atléticas. Em Hopkins, Minnesota, a 43 Hoops Basketball Academy oferece treinamento particular entre US$ 75 e US$ 90 por hora. A Koa Sports, em Bethesda, Maryland, propicia experiências de acampamento de verão com distanciamento social para pequenos grupos de crianças, desde que uma família participante ofereça seu quintal. A Elite Method, em Englewood, Nova Jersey, fornece treinamento esportivo "estilo concierge" e treinamento para crianças no próprio quintal por US$ 250 para uma sessão de 90 minutos.

"As pessoas que têm posses, as pessoas que podem pagar US$ 50 por hora para que alguém venha ensinar seus filhos, ou contratar um conselheiro de acampamento para criar acampamento de verão para as crianças, são realmente o alto escalão da sociedade", disse Provinziano.

Ela teme que isso exacerbe ainda mais a divisão entre ricos e pobres. Crianças que não têm escolha a não ser voltar para a escola, ou continuar com as aulas pelo Zoom, correm o risco de adoecer, ficar para trás ou as duas coisas. Alguns professores, com medo de voltar às salas de aula antes do fim da pandemia, podem optar por se tornar educadores particulares de famílias ricas, drenando o sistema escolar de profissionais qualificados tão necessários, explicou Provinziano.

As crianças que encontraram o amor pelo basquete ou pelo futebol em equipes escolares ou durante os jogos de bairro terão de deixar essa paixão pelo jogo de molho até que a pandemia recue. Quando os olheiros universitários retomarem seu recrutamento, os adolescentes que foram capazes de ter um treinamento privado durante a pandemia podem levar vantagem. "Há muitas opções se você tiver dinheiro para pagar por elas, mas a maioria das pessoas não tem isso", concluiu Provinziano.

Acompanhe tudo sobre:BilionáriosCoronavírusLuxoMilionáriosNova York

Mais lidas

exame no whatsapp

Receba as noticias da Exame no seu WhatsApp

Inscreva-se

Mais de Casual

Mais na Exame