O irresistível apelo do trivial bem feito
Enquanto alguns chefs quebram a cabeça para servir pratos elaborados, outros, como a Renata Vanzetto, formam filas de clientes com receitas do dia a dia
Guilherme Dearo
Publicado em 16 de julho de 2019 às 18h12.
Sorbet de camarão-rosa com tartare de camarão? Talharim de palmito pupunha com creme de queijo e castanha de pequi? Peito de pato com purê de beterraba orgânica, framboesa e rúcula? Nada disso. Enquanto muitos chefs festejados quebram a cabeça para surpreender a clientela com receitas singulares, por vezes extremamente elaboradas, outros apostam no caminho oposto. E é com receitas não muito originais, mas bem executadas, com uma diferença aqui, outra ali, que garantem filas na porta.
Inaugurado em fevereiro, o restaurante Muquifo, nos Jardins, em São Paulo, exemplifica essa tendência com perfeição. É o mais novo empreendimento da chef Renata Vanzetto, que resolveu concentrar suas pretensões autorais no Ema e no Marakuthai (ela também é dona do bar Me Gusta e da lanchonete Matilda e comanda um bufê e programas de TV). Estrogonofe de frango com arroz e batata palha (R$ 55); bife à parmigiana ao molho de tomate com burrata e arroz coberto de batata palha (R$ 70); e arroz com carne de panela, paio, escarola, cebola, molho de alho e casca de batata frita (R$ 60) são alguns dos hits do menu.
Para preparar a batata que acompanha o bife à milanesa empanado com panko (R$ 67) Renata usa creme de leite, manteiga e um ingrediente execrado pela maioria dos chefs, ao menos da boca para fora: caldo Knorr, denominado no cardápio como “caldo mágico industrializado”. A descrição é seguida de um parecer da cozinheira sobre o prato: “Ordinário e muito bom”.
Agora que deu fome, é preciso recomendar entradas como a couve flor assada, que é incrementada com sálvia, noz moscada e farelo de pão e ganha um banho de creme de parmesão à mesa (R$ 38), e o bolinho de espaguete à matriciana (R$ 16). A explicação da chef deixada no menu sobre esse último prato: “Uma gororoba legal, tipo nossa infância”.
A resposta do público à proposta do Muquifo? A melhor possível, já que a casa lota praticamente todo dia. O restaurante nasceu do desejo da cozinheira de preparar receitas que para ela têm sabor afetivo, degustadas principalmente na infância. “Cozinha de família”, diz o letreiro afixado na fachada do imóvel com cara de casa de avó. “Quis abrir um negócio de comida de verdade”, diz Renata, que de sobremesa serve, por exemplo, bolo de cenoura com brigadeiro quente (R$ 20).
A opção pelo trivial bem feito, que pode ser enquadrado da chamada cozinha afetiva ou comfort food, tem se mostrado um enorme acerto para muitos endereços descolados. Reaberto em março após uma reforma, o restaurante Tavares, na mesma rua, deve boa parte da fama a receitas como bife à milanesa (R$ 39) e estrogonofe com arroz de origem indiana e onion rings (R$ 40), servidos em dias específicos, só no almoço, e ao picadinho, que se diferencia dos concorrentes pelo quiabo e a farofa de ovo (R$ 55). Instalado no imóvel que pertenceu ao colunista Tavares de Miranda, o restaurante também abre para o café da manhã.
No Jardim Botânico do Rio de Janeiro, o Puro, que completou quatro anos em 2019, se aproximou ainda mais da tendência com seu último menu, composto por receitas como arroz de rabada com agrião, kimchi e ovo estalado (R$ 49). O restaurante do chef Pedro Siqueira se diz focado “em comida simples, de verdade, com apresentação arrojada e sabor abundante em identidade”. Mas a inventividade do cozinheiro segue presente, como provam o polvo crocante com salada de batata ao murro, barriga de porco defumada e vinagrete de pimenta biquinho (R$ 86), e o peixe do dia grelhado, servido com palmito pupunha assado, creme de espinafre, vinagrete de mel orgânico e pimenta dedo de moça (R$ 69).
Muquifo: Rua da Consolação, 2910, Jardins, São Paulo, (11) 9.8232-7677.
Tavares: Rua da Consolação, 3212, Jardins, São Paulo, São Paulo, (11) 3064-0970.
Puro: R. Visc. de Carandaí, 43, Jardim Botânico, Rio de Janeiro, (21) 3284-5377.