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Milionários estão pagando caro para beber água suja

Chamada de "água crua", a nova moda atrai desde fãs de teorias da conspiração até o pessoal ~good vibes~ do Vale do Silício. Mas pode dar muitíssimo errado

 (Getty Images/Getty Images)

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Júlia Lewgoy

Júlia Lewgoy

Publicado em 4 de janeiro de 2018 às 13h39.

Em um dos últimos dias do ano passado, o New York Times publicou uma matéria sobre uma nova “tendência” despontando no Vale do Silício: a água crua. O preço dela recentemente subiu para até US$ 60 (R$ 195) a orbe.

Orbe? É, a água é vendida em uma bonita a embalagem redonda de vidro que abriga 10 litros do produto – que vive esgotando nos mercados de São Francisco.

Mas ainda não explicamos o que é água crua. É uma água mineral com gosto levemente adocicado… Ah, e que é vendida não filtrada, não tratada e não esterilizada.

E aí vem a única pergunta possível: por que diabos as pessoas estão pagando quase R$ 20 o litro por água suja?

É tudo culpa de um movimento chamado “consciência da água”. As pessoas estão perdendo a confiança nas fontes tradicionais de água – seja o governo, seja as empresas que engarrafam água mineral. Até aí tudo bem: se preocupar com a contaminação do sistema de abastecimento de água é legítimo… O problema é que as “denúncias” feitas pelo povo da água crua são teoria da conspiração pura. E a coisa pode sair pela culatra – e feio.

O homem por trás da água crua

A água da orbe é comercializada por uma empresa chamada LiveWater (e seu produto é comercializado com o conveniente nome de “A Fonte da Verdade”).

Uma visita rápida ao site da LiveWater mostra páginas e páginas de informação pseudocientífica. Um exemplo é a afirmação de que o fato da água ser rica em sílica, “prima” do silício usado na indústria, pode ajudar o cérebro de quem bebe a melhor armazenar informações – só falta chamar seu cérebro de HD externo.

O mais importante, porém, fica na última linha: todas as páginas do site têm um asterisco esclarecendo que nenhuma das alegações feitas ali foi avaliada por um órgão de saúde e segurança.

O New York Times entrevistou o fundador da empresa. Nascido como Christopher Sanborn, ele atualmente usa o nome gurusístico de Mukande Singh.

Aqui vai um resumo das crenças que levaram Singh a criar a LiveWater:

1. Ele acredita que o governo quer envenenar a população com água

Entre os “instrumentos de controle” jogados no sistema de abastecimento, estariam anticoncepcionais e o flúor adicionado à água seria capaz de controlar mentes.

2. Aliás, ele defende que o flúor adicionado à água faz mal ao cérebro

E estaria certo… Caso a água dos canos contivesse 20 vezes mais flúor do que tem na realidade. Um estudo encontrou efeitos negativos no excesso de fluoreto, com concentração acima de 30 mg/litro. A recomendação da OMS, seguida no Brasil, é de 0,5 a 0,8 mg/ litro, com limite máximo de 1,5 mg/litro).

3. Ele acha que água “viva” precisa ficar verde em um mês

Singh defende que os tratamentos feitos para eliminar microrganismos deixam a água “morta”, e que água de verdade deveria estragar em um intervalo curto de termo. A LiveWater, inclusive, fica verde após um mês – ou, como Singh prefere dizer, “após um ciclo lunar”.

4. Ele acredita que as bactérias da sua água são “probióticos”

De fato, existem bactérias benéficas. que fazem bem ao seu corpo. E seria ótimo dizer que certa água de certa fonte só tem este tipo de bactéria bacana.

Mas água não tratada é pura e simples loteria: você não faz ideia do que pode ingerir, mesmo que seja água corrente e pareça cristalina. A 
E. coli do cocozinho do passarinho da linda fonte mineral pode escolher justamente o gole que você está prestes a engolir para se instalar. Isso sem falar no risco de giárdia, cólera e até hepatite A.Probióticos são mesmo importantes. Mas me faça um favor: filtre sua água e tome um Yakult.

Onde mora o perigo

O site Business Insider entrevistou um especialista em segurança alimentar sobre a moda da água crua. E a reação dele só pode ser descrita como “100% pistola”.

“[Todo mundo acha] tudo ótimo até que uma menininha californiana de 10 anos morra de cólera”, disse Bill Marler.

Para ele, essa tendência é consequência, exatamente, dos muitos anos de investimento em tratamento de água. Os californianos que estão abraçando a “causa” nunca tiveram que conviver com surtos causados por água não-tratada. Jamais conheceram alguém que teve cólera. Nunca se acostumaram a olhar para a água como algo potencialmente perigoso – a não ser, como vimos, pelos motivos errados.

*Este conteúdo foi publicado originalmente na Superinteressante. 

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