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Loja de comida mais chique de Paris pode fechar as portas

A Fauchon não resiste à quarentena causada pelo coronavírus e coloca as cultuadas lojas da Place de la Madeleine em processo de recuperação judicial

Loja da Fauchon, em Paris: símbolo da cidade como a Torre Eiffel (Chesnot/Getty Images)

Loja da Fauchon, em Paris: símbolo da cidade como a Torre Eiffel (Chesnot/Getty Images)

Ivan Padilla

Ivan Padilla

Publicado em 28 de junho de 2020 às 15h57.

“Quando vai a Paris, o turista tem de conhecer a Torre Eiffel e tem de fazer uma visita à Fauchon na Madeleine”, diz o francês Mathurin Benoit, chef e sócio do restaurante Esther Rooftop, em São Paulo. “A loja é um marco da cidade.” Como boa parte do mundo pré-pandemia do coronavírus, no entanto, esse símbolo da art de vivre francesa corre sério risco de desaparecer.

Na semana passada, o grupo Fauchon anunciou a colocação em “dépôt du bilan” (um processo parecido com a nossa recuperação judicial) da subsidiária Fauchon SAS, incluindo a loja, a loja de chás e o restaurante da Place de la Madeleine. Considerada o grande templo da cultura gourmet, a Fauchon em declínio surge como símbolo do fim de uma era da gastronomia mundial.

“A Fauchon é uma casa que sempre se reinventou”, diz Benoit. “Mesmo assim, esse tipo de negócio tem custos muitos altos. Três meses fechados, pagando aluguel e com um estoque de itens caríssimos parado, no entanto, desestabilizam o negócio. Eles não serão os únicos. No Brasil, a gente calcula que 40% dos restaurantes e bares devam fechar. Lá talvez seja um pouco menos, porque tem uma ajuda do governo. Mas, com certeza, o público vai mudar. No Esther, eu já percebi que as pessoas estão muito mais interessadas em confort food do que no menu degustação, por exemplo”.

“É triste ver um dos templos da gastronomia francesa tendo que fechar as portas, o fato é que essa pandemia abalou o setor de uma maneira muito devastadora, esses grandes endereços de Paris, sem o turismo e com fluxo reduzido dos escritórios vão se tornar inviáveis financeiramente”, diz Raphael Despirite chef do Marcel, tradicional restaurante francês de São Paulo, e idealizador do projeto Fechado para Jantar. “Tenho medo que não seja o único grande nome a ter que fechar. É um desastre”.

O mundo já vinha mudando. "Essa é a consequência de tudo o que sofremos", disse o CEO do grupo Fauchon Samy Vischel ao jornal Le Monde. Segundo ele, a crise já vinha se instalando desde os ataques terroristas a Paris em 2015, que afastaram os turistas, seguidos dos movimentos dos coletes amarelos em 2018 e das manifestações contra a reforma previdenciária no fim de 2019 e início de 2020.

Em janeiro de 2020, o grupo já tinha colocado em liquidação a subsidiária Fauchon Receptions, uma cozinha industrial de 4.000 m2 instalada em Saint-Ouen, nos subúrbios de Paris, que prestava serviços de bufê e catering para festas e grandes eventos. Por fim, veio a pandemia do novo coronavírus, que levou ao fechamento das lojas, do restaurante e do hotel em meados de março passado.

A loja instalada no número 24 da La Madeleine voltou a funcionar no início de junho. Na mesma época, o Grand Café Fauchon, do outro lado da praça, abriu o seu terraço. E, no dia 15, o salão do restaurante também retornou a operar seguindo algumas restrições. Acontece, porém, que os aeroportos só reabriram na sexta 26 e as fronteiras com a Europa só devem reabrir no dia 1 de julho, ainda assim parcialmente. E muito do movimento da Fauchon, e de boa parte do mercado de luxo parisiense, depende dos turistas.

Sem os turistas, fica difícil fechar as contas. "Em junho, registramos uma queda de 80% no faturamento em relação ao ano passado. A clientela turística não está lá e os empresários que trabalham em torno da Madeleine ainda estão em casa ", disse Vischel ao Le Monde. As contas não são baixas. São 107 funcionários e 2,5 milhões de euros de aluguel só nos endereços da Place de la Madeleine. Segundo Vischel, as tentativas de renegociar esse aluguel foram frustradas. Ele declarou também que a empresa ainda aguarda a análise do empréstimo emergencial prometido pelo governo.

Não é a primeira vez que o grupo passa por dificuldades. A história financeira da Fauchon é cheia de altos e baixos. Mas isso nunca afetou a qualidade dos produtos e do serviço. Fundada em 1856, no mesmo endereço onde está até hoje, por Auguste Fauchon, a empresa já nasceu como uma casa especializada em comidas e bebidas finas. A excelência dos produtos, feitos na própria Fauchon ou selecionados entre fornecedores especiais, logo chamou a atenção do parisiense.

“A Fauchon tem uma tradição muito grande na França”, diz o chef Eric Jacquin, sócio do restaurante President, em São Paulo, e jurados programas MasterChef e Pesadelo na Cozinha. “É sinônimo de qualidade, de seleção de produtos extraordinários, de criatividade, de pâtisserie fina, de tudo que é fino. Às vezes, você procura uma coisa que não tem em outro lugar, então, você vai à Fauchon e encontra. Você quer comprar um presente original para uma pessoa ligada em gastronomia, vai à Fauchon. É uma vitrine da gastronomia francesa em Paris, que seleciona os melhores produtos. Não é só para turistas. Faz parte da cultura francesa. Os parisienses vão à Fauchon. Vão comprar comida para levar para casa”.

Jacquin não acredita que a casa vá fechar. “A Fauchon não vai fechar nunca. Talvez eles se recuperem ou vai ter algum grupo que vai comprar. Mas Fauchon não vai fechar, não. Eu aposto o que vocês quiserem”. A situação do grupo, de fato, não é completamente desesperadora. O Hotel Fauchon, inaugurado em 2018, na Place de la Madeleine, administrado pela Esprit de France, não entrou no pedido de recuperação judicial. Deve reabrir no início de julho.

O grupo, cuja controladora não está em liquidação, ainda conta com os royalties de 73 lojas franqueadas pelo mundo e com a venda de produtos por terceiros. Além disso, a empresa diz estar pensando em buscar outros endereços em Paris com áreas menores para as lojas. O que está em risco são os ícones da Place de la Madeleine.

O preocupante é que a queda de um ícone prenuncia um desastre de dimensões bem maiores. “A gente fala muito dos famosos”, diz Jacquin. “Os grandes restaurantes e grandes casas, com os grandes chefs, vão precisar se reinventar. Servir comida boa, chique, com um preço mais acessível. Nos grandes restaurantes 3 estrelas na França, não tem um francês. Não vai um francês porque não pode pagar. Mas o pior são os pequenos, os que não são conhecidos, os bistrôs. Se ninguém ajudar, se os bancos e o governo não investirem nessas pequenas empresas, 30 a 40% vão fechar.” E, assim como a Fauchon da Madeleine, os pequenos bistrôs são uma instituição local. Sempre haverá Paris. Mas nada garante que ela será a mesma no mundo pós-pandemia.

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