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Janaína Rueda sobre A Casa Do Porco: “Vamos ficar três anos sem lucro”

A afirmação da chef também envolve os demais negócios gastronômicos dela e do marido, Jefferson Rueda, entre os quais o Bar da Dona Onça

Chef foi premiada como Ícone da América Latina em 2020 pelo The World's 50 Best Restaurants (Divulgação/Divulgação)

Chef foi premiada como Ícone da América Latina em 2020 pelo The World's 50 Best Restaurants (Divulgação/Divulgação)

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Daniel Salles

Publicado em 25 de novembro de 2020 às 06h00.

Última atualização em 27 de novembro de 2020 às 18h11.

São quatros negócios de fazer inveja – a Casa do Porco, o Bar da Dona Onça, a lanchonete Hot Pork e a Sorveteria do Centro – e há um quinto no forno, a Mercearia da Cidade, misto de padaria e armazém, prevista para o ano que vem. Todos ficam no centro paulistano e são comandados por um dos casais mais carismáticos da gastronomia, formado pelos chefs Janaína e Jefferson Rueda (não à toa a dupla reside no bairro com os filhos).

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Vencedora do prêmio "Ícone 2020", concedido em outubro pelo ranking The Latin America’s 50 Best Restaurants, Janaína conversou com a nossa reportagem em Belo Horizonte, há poucos dias, durante os preparativos da próxima edição do festival Fartura Brasil, que ocorre nos dias 11, 12 e 13 de dezembro.

Pela primeira vez, o evento envolve todas as regiões do país. Trinta chefs, em entre os quais Janaína, Rodrigo Oliveira, Morena Leite e Thiago Castanho, formaram duplas para criar menus (com ingredientes típicos do Brasil) que poderão ser degustados nos restaurantes de cada participante e também na sua casa, por meio do delivery, nas datas citadas.

Um tempero extra do novo Fartura são as mais de 50 horas de conteúdo online (incluem do passo a passo de receitas até dicas de empreendedorismo), gravadas na capital de Minas Gerais. Leia a entrevista com a “Dona Onça” sobre o impacto da pandemia no pequeno império dos Rueda.

A badalada Casa do Porco: agora com mesas também no asfalto (Divulgação/Divulgação)

De que forma os negócios de vocês reagiram à pandemia? 
Em março, um pouco antes do dia 17, conversamos com algumas pessoas fora do Brasil e percebemos que não seria apenas um mês de fechamento: seria por um bom tempo. E concluímos que se tratava de uma doença bastante grave, e que iria fazer um estrago muito grande se a gente não se cuidasse. O Jefferson então decidiu fechar todas as nossas operações e colocamos todos os funcionários em férias. Foi quando começou aquela batalha pela MP 936, à qual acabamos aderindo, que mobilizou vários chefs e representantes do setor [trata-se da medida provisória que permite a suspensão de salários e contratos por tempo determinado]. Ficamos quase quatro meses fechados, mas depois disso realmente foi preciso voltar ao trabalho. Antes da pandemia tínhamos dinheiro em caixa e nenhuma dívida, mas com ela passamos a ter, e uma muito grande.

 

De quanto é a dívida?
Somando todos os nossos negócios, é dívida pra caramba. Com o valor daria para abrir mais duas Casas do Porco. Vamos ficar três anos sem lucro, vivendo com salários pequenos, como pró-labore. Tudo bem. Seguimos pela paixão. E em casa cortamos tudo que é supérfluo. Tudo para continuar a trabalhar em prol da cozinha brasileira.

O Bar da Dona Onça, anexo ao Copan (Divulgação/Divulgação)

Como tem sido a retomada? 
Voltamos primeiramente com o delivery, que não existia. E foi um sucesso, tanto que virou um novo negócio, com direito a uma cozinha própria, para permitir a volta dos clientes à Casa do Porco. Com o projeto Ocupa a Rua, que envolve mais 32 restaurantes do centro, a Casa do Porco pôde colocar mesas em parte do asfalto e ganhar um fôlego maior. Hoje o faturamento dela corresponde a 60% do registrado antes da pandemia e a expectativa é que suba para 70% em dezembro. Estamos voltando. Não dá mais lucro, mas agora não é mais preciso colocar mais dinheiro. Outra novidade são as reservas, que não fazíamos.

Janaína Rueda: com o marido, Jefferson, comanda quatro negócios gastronômicos (Divulgação/Divulgação)

Mesmo com os percalços financeiros, vocês concentraram esforços para alimentar populações desassistidas. Como foi a experiência?
Sou nascida e criada no centro de São Paulo. E participo de movimentos populares desde que nasci. Inclusive já fui acariciada por um deles no passado. Precisei desses movimentos e não poderia deixar de me juntar a eles, e não só a ONGs ligadas ao setor gastronômico. Bom, logo que começou a pandemia ficou claro, de maneira gritante, que os mais vulneráveis seriam aqueles que habitam as ruas do centro de São Paulo. Dava para ouvir os gritos, sabe? Obviamente essas pessoas estavam acostumadas a pedir coisas nas ruas, mas com a quarentena ficou tudo vazio, tudo fechou. É devastador ouvir gente gritando por fome, desespero, da janela da sua casa. Meus filhos me acordavam de madrugada: “mamãe, mamãe, tem gente gritando lá embaixo”. Por isso logo no início da pandemia eu decidi transformar o Bar da Dona Onça, que já estava fechado, em um centro de arrecadação de alimentos. E o Jefferson resolveu doar vinte porcos, que deram origem a 3 mil marmitas, todas doadas, porque também somos criadores desses animais. O nosso sócio que é responsável pelos bichos também precisava ganhar, não podia ficar parado. Unimos uma coisa à outra. A fome com a vontade de comer e a humanidade. Sinceramente, só acredito que teremos um mundo melhor se começarmos a trabalhar coletivamente.

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