HQs brasileiras ganham visibilidade e prêmios no exterior
Premiada na Europa, obra assinada por professora e quadrinista conta a biografia de Carolina Maria de Jesus, uma das principais escritoras do Brasil
Agência Brasil
Publicado em 17 de fevereiro de 2019 às 11h47.
Última atualização em 17 de fevereiro de 2019 às 11h52.
Enquanto super-heróis estrangeiros seguem como as principais histórias em quadrinhos consumidas no Brasil, a trajetória de personalidades como Zumbi dos Palmares e Anita Garibaldi vêm rendendo prêmios e notoriedade a quadrinistas brasileiros no exterior. No mais recente capítulo dessa saga, Carolina , de João Pinheiro e Sirlene Barbosa, foi premiado no mês passado durante o Festival de Quadrinhos de Angoulême, o principal evento dedicado às HQs na Europa.
"O prêmio foi uma grande surpresa para nós, porque não houve uma inscrição. Nossa obra foi traduzida, lançada na França, foi lida e indicada ao prêmio", diz Sirlene, que é professora da rede pública municipal de São Paulo e se juntou ao marido, o quadrinista João Pinheiro, para contar a biografia de Carolina Maria de Jesus, uma das principais escritoras do Brasil.
A motivação da professora era levar aos seus alunos e a tantos outros estudantes brasileiros a referência da escritora negra que fez em Quarto de Despejo uma denúncia social sobre as condições de vida nas favelas brasileiras. "Queria mostrar para esses estudantes, muitos negros e da periferia, que eles são descendentes de gente que foi sequestrada e escravizada em nosso país, gente que escreveu como Carolina, Lima Barreto e Machado de Assis. Gente que inventou, descobriu e teve importância como os brancos".
Após três anos de pesquisa e desenhos, o livro foi publicado no Brasil pela editora Veneta em 2016 e despertou o interesse da editora francesa Çà et Là. Em francês, Carolina foi selecionado pelo júri ecumênico do Festival de Angoulême e premiado em 24 de janeiro deste ano. O corpo de jurados da premiação reúne especialistas da área, artistas e representantes católicos e protestantes.
O Brasil já havia marcado presença em Angoulême três anos antes, quando Marcello Quintanilha foi premiado por Tungstênio como a melhor HQ Policial. A história do livro foi adaptada para o cinema, e Quintanilha é considerado hoje um dos principais quadrinistas brasileiros em atividade no exterior.
"Oscar dos Quadrinhos"
A internacionalização de Tungstênio e outras obras nacionais recebe apoio da Fundação Biblioteca Nacional (FBN) desde 2012. Com um edital específico para editoras estrangeiras interessadas em publicar histórias em quadrinhos de brasileiros, a FBN já ajudou a chegada dos livros a 14 editoras de nove países. O apoio é fundamental, na visão do quadrinista Marcelo D'Salete, e precisa ser ampliado: "Seria muito importante que projetos como esse tivessem ainda maior apoio e abarcassem ainda mais autores".
D'Salete recebeu o principal prêmio da indústria americana de quadrinhos em julho do ano passado, o Eisner, apelidado de o "Oscar dos Quadrinhos". Cumbe, que conta a história de africanos escravizados no Brasil, foi eleita a melhor publicação estrangeira nos Estados Unidos. A HQ também já circula em mercados da Europa em português, alemão, francês e italiano.
Mais recente, Angola Janga é outra obra de D'Salete que foi aclamada pela crítica e também já está na França e em Portugal, e deve chegar em breve aos Estados Unidos, à Áustria e à Polônia. Misturando realidade e ficção, Angola Janga conta a história de Zumbi, líder do Quilombo dos Palmares, e venceu o prêmio Jabuti na categoria quadrinhos, em 2018. Além de Cumbe e Angola Janga, D'Salete também aborda temas atuais e urbanos em outras de suas HQs.
"São dois caminhos que eu gosto muito de trabalhar: temas mais contemporâneos e mais históricos. Tento fazer uma linha narrativa que conecta essas pontas aparentes e apresenta uma perspectiva outra para pensar nas nossas relações e nos nossos conflitos e tentar entender um pouco mais dessa sociedade como um todo".