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Alceu Valença e a quaretena: lives, isolamento e preocupação com cultura

Neste domingo, 3, às 18h, ele faz uma "live" por meio de seu canal no YouTube em apoio a uma ação para distribuir recursos a profissionais da música

O cantor Alceu Valença. (Jack Vartoogian/Getty Images)

O cantor Alceu Valença. (Jack Vartoogian/Getty Images)

EC

Estadão Conteúdo

Publicado em 3 de maio de 2020 às 11h37.

Última atualização em 5 de maio de 2020 às 00h57.

Como diz na letra de Cabelo no Pente, Alceu Valença andou pisando pelas ruas do passado. Mas sem sair de casa. O cantor e compositor de 73 anos está resguardado em sua residência no Rio de Janeiro e passa a quarentena tocando violão, lembrando-se de músicas que estimulam recordações de lugares onde ele esteve. "Fico o tempo todo viajando nessas histórias", conta Alceu.

Neste domingo, 3, às 18h, ele faz uma "live" por meio de seu canal no YouTube em apoio a uma ação para distribuir recursos a profissionais da música que não estão trabalhando por causa da quarentena. Nesta entrevista, Alceu fala sobre o atual momento e explica por que sua obra atravessa gerações.

Como tem sido sua quarentena?

Desde o início da quarentena estou dentro de casa. Comecei a tocar violão. Quando morei em Paris, no fim dos anos 1970, não tinha o que fazer e ficava tocando violão. Agora, o dia todinho sem ter o que fazer, fico tocando coisas do meu repertório e algumas coisas de Luiz Gonzaga. Fico me lembrando de São Bento do Una, onde nasci. Aí me lembro de Olinda e começo a cantar coisas de Olinda. Depois me lembro de São Paulo, de músicas que fiz na cidade (canta trechos de Dia de Cão e Na Primeira Manhã). Aí canto música que fiz em Minas Gerais, Solidão, e uma música que eu fiz em Nova York, Tesoura do Desejo. Fico o tempo o todo viajando nessas histórias.

O que você está preparando para a "live"?

Paulo Rafael (guitarrista) participa tocando cinco músicas comigo. A "live" é livre e vou fazendo as coisas. Mas o tempo todo eu penso em roteiro, conexões que eu vejo. Quando eu estou cantando uma música que fala de cabelo, como Girassol, eu me lembro de Cabelo no Pente. Quando eu canto Pau De Arara, do Luiz Gonzaga, me lembro de São Bento do Una. Se eu me lembrar de lá, vou cantar martelo agalopado (recita trecho de Agalopado). Tudo na minha cabeça é o HD da memória, projetando um futuro melhor em que a humanidade destrua o coronavírus.

Como é sua relação com a internet e a tecnologia?

A internet é uma maravilha. No confinamento, se não tivesse WhatsApp, as pessoas ficariam loucas dentro de casa. Estou me comunicando com a família e amigos do mundo todo. Mas tenho alguns cuidados. Não faço parte de grupos e isso pra mim é muito bom porque gosto de ser livre pensador. Parece-me que a questão do grupo na internet faz com que o pensamento vire, quase sempre um pensamento de grupo. Também vejo filmes, mas prefiro a tela grande.

Esta é uma "live" em apoio ao projeto Juntos Pela Música, iniciativa do Spotify e da União Brasileira de Compositores (UBC) para distribuir recursos a artistas da música neste momento da pandemia. Qual é a situação dos cantores e compositores neste momento em que não há shows?

Está difícil para a turma da cultura e da música. Eu vejo a situação de quem trabalha como roadie e técnico de som. Está difícil para essa turma. O povo ainda não consegue entender o que é economia criativa. Vi uma reportagem dizendo que o São João da Bahia tinha acabado e que movimentava R$ 1 bilhão. As pessoas, às vezes, ficam estigmatizando esse tipo de evento.

Uma característica dos seus shows é que na plateia há pessoas que te acompanham desde o início da carreira até jovens de 20 anos. O que impulsionou este encontro de gerações?

Minha música nunca teve uma relação com movimentos. Nunca fiz parte deles. Quando eu estudava Direito, eu era jornalista do Jornal do Brasil e da Editora Bloch. Não sabia se ia ser artista. Vim para o Rio em uma timidez incrível nesse sentido, não sabia se minha música era boa, se não era. Foi Geraldo Azevedo quem gostou da minha música e deu uma força para mim. Minha obra está no tempo três: presente, passado e futuro, tudo ao mesmo tempo. Os Beatles são uma coisa eterna. Mas se eu fosse pelo caminho dos Beatles, eu ia ser um subproduto dos Beatles. Se eu fosse atrás de movimentos, eu ia ficar dentro daquele movimento. Então, em vez de pertencer a movimento, eu me movimento e minha música vai se movimentando. La Belle de Jour, no YouTube, tem 91 milhões de acessos. Com a internet, o pai que gostou daquilo passa para o filho e aí o Espírito Santo benze.

Já faz quatro anos da retomada de O Grande Encontro, show com Geraldo e Elba Ramalho. Quando vocês se reencontraram, acharam que o projeto duraria tanto tempo?

Pra gente é um prazer estar junto. Geraldinho é meu compadre, mas ele não vem à minha casa e eu também não vou à casa dele. Ele é um cara estradeiro. Elba também só vive na estrada e eu também só vivo na estrada. No Grande Encontro é que a gente se encontra, um encontro de três pessoas que têm uma história próxima. Geraldinho foi meu parceiro no primeiro disco. As pessoas pedem o show com antecedência e nossos empresários se comunicam. O Grande Encontro acontece, mas também tem o meu show de São João, o de carnaval, o com a Orquestra Ouro Preto, o show acústico e o Amigo da Arte, que ainda não foi para São Paulo e Rio, em que o repertório é uma alusão a um poeta ou escritor que ficou na minha cabeça.

Você e Moraes Moreira brincavam com o fato de o público por vezes confundia um com o outro. Imagino que a morte dele deva ter sido um choque pra você.

Foi triste. Ele tinha conversado com um amigo meu de Recife, já no confinamento, e estava alegre. No mesmo dia esse amigo disse pra eu ligar pra Moraes e acabei não ligando. O Rio de Janeiro tinha encontro de poetas, músicos como Moraes, meus amigos. Não precisava marcar, você ia no bar Diagonal e as pessoas estavam lá, ou num bar da Gávea. Ninguém mais vai no Diagonal e os encontros ficaram difíceis. Ele também vinha do interior, tinha a relação com o cordel. Eu admirava muito os Novos Baianos, porque eles usavam a guitarra elétrica em uma música genuinamente brasileira.

Você tem acompanhado a cena contemporânea de Pernambuco? O que mais te agrada nela?

Tem o Juliano Holanda, Almério, a Isabela Moraes, uma menina de Caruaru. São pessoas que têm muito talento. É preciso que a gente acolha essas pessoas. Hoje qualquer um pode gravar. Isso é bom. Quando vim para o Rio de Janeiro, eu e Geraldo fizemos um teste para a gravadora Philips e não passamos, talvez eles não tenham se interessado pelas músicas. Nessa época a relação era muito mais fácil, a gravadora botava uma música no rádio, a pessoa ouvia e comprava o disco. Para quem está começando hoje é difícil aparecer, porque na internet o cardápio é muito grande.

Qual sua avaliação do Brasil neste momento?

Estamos passando por essa pandemia e eu faço tudo ao contrário do que o presidente manda. Quando ele fala pra ir para a rua, eu não, eu fico dentro de casa. É gripezinha? Não, a gripe é forte. Tem muita gente morrendo.

O que pretende fazer quando a quarentena chegar ao fim?

Fazer shows, viajar e passar um tempo em São Bento do Una, no meio do mato, ouvindo os passarinhos e sons da natureza.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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