Mulher usa maquiagem nas cores da bandeira ucraniana protestando contra a invasão russa da Ucrânia. (Hannibal Hanschke/Getty Images)
Julia Storch
Publicado em 8 de março de 2022 às 13h34.
Última atualização em 9 de março de 2022 às 08h29.
Não existe liberdade, prosperidade ou segurança no mundo enquanto mulheres não forem de fato livres. Enquanto não existir equidade de gênero. Enquanto mulheres ainda sofrem violências. É isso que estamos vendo com o ataque da Rússia à Ucrânia. Precisamos começar a enxergar, entender e perceber o porquê uma guerra também tem a ver com a forma como nossa sociedade trata as mulheres. Isso não é papo de mulher com mulher. É papo de todos nós, de igual para igual. Afinal, você também não quer construir um país, um mundo, onde nossos filhos vivam com prosperidade, segurança e estabilidade? Somente a união entre homens e mulheres pode fazer isso acontecer. Só para ter uma ideia, países com menos equidade de gênero tem duas vezes mais chances de serem um Estado frágil; 3,5 vezes mais chances de serem autocráticos, menos efetivos e corruptos; 1,5 vez mais chance de serem violentos e instáveis (Valerie Hudson et al.).
Então peço hoje, no Dia Internacional da Mulher, que a gente pare de culpar o outro, de brigar com o outro, inferiorizar o outro, se achar melhor ou pior que o outro. Desde nossas relações dentro de casa às nossas relações no trabalho, com amigos e na sociedade. O que acontece hoje entre Rússia e Ucrânia mostra onde um mundo polarizado acaba nos levando. Homens, mulheres, crianças e famílias destruídas pela sede de poder de um homem. Precisamos parar e refletir. Como eu e você precisamos mudar?
A guerra ucraniana abriu uma ferida dentro de mim. Um dia antes da guerra fui à embaixada da Romênia em Portugal para buscar meu passaporte. Fiquei extremamente emocionada quando entrei naquela sala. Olhei em volta e foi como se sentisse minhas raízes romenas mais fortes do que antes. Eu não tinha ideia de que uma guerra começaria no dia seguinte na Ucrânia.
Lembro-me de meu avô me contando em um Ano-Novo que passamos em Paris sobre como ele mesmo era um refugiado da Romênia quando a União Soviética invadiu o país durante a guerra fria. Ele foi o primeiro a fugir com um amigo aos 19 anos. Sua mãe e seu pai tiveram de ficar mais tempo e partiram depois de perderem suas casas e negócios. Sua tia, Sabina, minha tia-avó, era uma das mulheres mais incríveis e fortes que eu conheci. Ela foi a única da família que acabou em campos de concentração durante a Segunda Guerra Mundial porque era casada com um soldado. Ela viveu até os 105 anos. Sabina era filha de Rosa Freud, irmã de Sigmund Freud. Nunca conheci uma mulher tão inteligente, alegre, humilde e gentil como Sabina. Todos os dias até vir a falecer, acordava, lia o jornal e nos recebia com um sorriso no rosto. Todas as conversas inteligentíssimas, com certa ousadia intelectual, uma visão de mundo para além dos tempos. Uma integridade que vejo em poucos. Uma coragem de emocionar.
O que hoje pergunto a você é como Sabina pode ser vista como inferior a seu par? Só porque é mulher? Isso faz algum sentido para vocês? Ouso destacar aqui que para muitos homens e mulheres isso ainda faz. Para além da violência de gênero, mulheres ainda competem entre si nos dias de hoje. Se em outros tempos competiam para conseguir um marido, porque desse dependiam sua sobrevivência e a honra da família, hoje competem no ambiente de trabalho, pelo status, pela beleza, pelo mito da mulher perfeita. E a mulher que ousa se libertar de sua gaiola de ouro, sofre julgamento por ter escolhido criar sua própria história. Não só pelos homens, mas pelas mulheres também. Mulheres divorciadas aos 30, 40, 50 anos se tornam as grandes rivais de mulheres casadas. As que escolhem não casar ou não ter filhos se tornam o assunto das amigas. Aquelas que não conseguem engravidar sentem um vazio, uma dor, uma culpa, uma vergonha, como se perdessem seu valor. Além de vivermos em um mundo onde o sistema judiciário é corrupto, a “fraternidade” entre homens só torna a corrupção, a traição, a persuasão ainda mais aceitável pela sociedade. Porque quem tem algo a esconder, vai ajudar o amigo que também tem. E nós mulheres, ao invés de nos unirmos na tão almejada sororidade, ainda nos vemos como rivais. É conveniente ser dessa forma. Porque quando as mulheres se unem, meus amigos, temos força da terra. Somos imbatíveis. Mas não queremos dominar o mundo, nem entrar em guerra contra os homens. Queremos união. Queremos respeito. Queremos viver em um mundo saudável para os nossos filhos.
Guerra, pandemia, violência. Até mesmo um episódio repudiante de misoginia e violência sexual contra mulheres em tempos de vulnerabilidade no meio da guerra ucraniana. Precisamos urgentemente de mais mulheres na política e em posições de tomada de decisão para que episódios como esse parem de acontecer. Infelizmente mulheres são constantemente usadas como ferramentas de manipulação durante guerras, com táticas de violência sexual contra as mesmas. Precisamos mesmo é de mulheres nas mesas de paz e do avanço da temática “Mulheres, Paz e Segurança” que é pouquíssimo conhecida no Brasil ou mesmo no mundo e crucial para os tempos que vivemos. Para conhecer mais sobre o assunto, leia o artigo que escrevi no ano passado junto com a Ph.D. em segurança pública e professora da Harvard University, Dr. Joan Johnson-Freese, aqui na EXAME sobre esse tema.
Para entendermos nossa situação, o Brasil está na 89ª posição em um ranking de 156 países quando falamos em oportunidades e participação econômica no mundo, atrás do Paraguai, Nigéria, China e Uganda (Fórum Econômico Mundial 2021). Isso significa que a maior parte de 51,6% da população brasileira não contribui como poderia para a economia do nosso país. E ainda nos perguntamos por que nossa economia vai mal. Quando falamos de política, o Brasil está na posição 108 dos 156 países, atrás do Cazaquistão e do Egito (Fórum Econômico Mundial 2021). Quando falamos de paz, segurança e prosperidade, precisamos de mulheres nas mesas de negociações, legislando e compartilhando experiências únicas sobre o que vivemos no mundo. Sem nós, mulheres, nesses espaços de poder, o caos é a realidade. Como disse no início desta coluna, esse texto não destaca um problema "de mulher". Esse é um problema meu, dos nossos líderes, das nossas famílias, dos nossos filhos. E hoje, quem tem poder e possibilidades de atuar pela mudança, não só deve, mas seria desumano não agir.
Só há paz, estabilidade e prosperidade no mundo quando todas as mulheres são livres. O Free Free hoje lança o programa Filhas da Mãe Terra em apoio a TODAS as mulheres refugiadas do mundo e seus filhos. O programa agora está focado em apoiar refugiadas Ucranianos, mas se você é uma refugiada fugindo de qualquer outro lugar do mundo, entre em contato em info@freefreeworld.org. O primeiro passo do programa inclui uma pesquisa desenvolvida com a conselheira do conselho do Instituto Free Free e Ph.D. em segurança pública, professora da Harvard, Dra. Joan Johnson-Freese porque antes de trazer soluções precisamos entender a maior necessidade das mulheres nesse momento. Dados são um dos maiores problemas ainda hoje nos avanços da temática Mulheres, Segurança e Paz. Colabore com a essa pesquisa divulgando com pessoas que possam precisar.
Em ucraniano: https://forms.gle/sMtSWx8Jm5YqBwh77
Ou em inglês: https://forms.gle/tj2NRe6sC5LwVzcP7