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“Delivery é um fiasco”, diz chef André Mifano, engolido por incorporadora

Obrigado a fechar o Lilu porque imóvel do restaurante dará lugar a prédio, chef fala sobre futuro negócio, estreia na CNN e o “novo normal” da gastronomia

Mifano na frente do Lilu, em Pinheiros: restaurante será encerrado dia 30/10 (Rubens Kato/Divulgação)
DS

Daniel Salles

Publicado em 8 de outubro de 2020 às 06h00.

Última atualização em 8 de outubro de 2020 às 22h53.

Em funcionamento desde 2016, o restaurante Lilu, que ocupa um arejado imóvel no bairro de Pinheiros, em São Paulo, serve suas últimas refeições no dia 30 de outubro. Explica-se: o estabelecimento do chef André Mifano, que ganhou fama nacional como jurado do programa The Taste Brasil, na GNT, deixará de existir porque o endereço será demolido para dar lugar a um empreendimento imobiliário. Hoje funcionário do canal CNN Brasil, no qual apresenta Lugares Desconhecidos, de Anthony Bourdain, ele pretende criar um novo restaurante em breve. Mas não um novo Lilu, marca que ficará na geladeira até segunda ordem. Confira a entrevista com o chef.

Versão do frango servido no Lilu: opções para compartilhar (Rubens Kato/Divulgação)

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Como recebeu a notícia de que o imóvel do Lilu dará lugar a um prédio?
O Lilu provavelmente foi o primeiro restaurante a fechar na quarentena em São Paulo. E acabamos ficando 17 dias fechados. Por sorte tínhamos uma negociação previa com o iFood e por isso deu para voltar operando só com o delivery [o estabelecimento não retomou o atendimento presencial]. No segundo mês, quando vi que tudo seria mais sério do que parecia, resolvi ligar para o proprietário do imóvel. Para tranquiliza-lo, informando que tínhamos intenção de renovar o contrato de aluguel, que vence agora em outubro. E a resposta foi: “a gente não vai renovar o contrato. Vamos vender a casa para uma incorporadora, que vai construir um prédio”. Fiquei em choque. Todo mundo no mercado estava ligando para negociar desconto de aluguel, o não pagamento, e eu dizendo que queria continuar. Não mandamos ninguém embora, estava tudo bem. Mas veio um “desencana, você não vai ter nada”. O contrato vence no dia 10 de outubro e falaram que podemos ficar até o dia 30. Não teve negociação. Não teve ressarcimento do investimento que fizemos na casa. Comecei então a pensar no que fazer da vida. Deu tempo de fazer contas e só. Estava extremamente preocupado em comunicar o fim do Lilu o mais rápido possível porque, quando começou a pandemia, vendemos vouchers em parceria com a Stella Atóis. Não posso deixar quem me ajudou na mão.

Chefe planeja abrir novo restaurante em março, mas não o Lilu (Rubens Kato/Divulgação)

Qual é a receita do seu novo restaurante?
Saímos dia 30 porque o imóvel será derrubado. Já derrubaram as casas do lado e é assustador. Acho que fazem de propósito. A incorporadora criou várias saídas para o terreno que está transformando, mas a que mais usa é a do nosso lado. Uma retroescavadeira, que fica batendo o tempo inteiro, está estacionada ao nosso lado. O restaurante treme o tempo todo. É algo maligno. Procuramos agora um imóvel nos Jardins e a meta é abrir um novo restaurante até março. Mas não será o Lilu e sim uma marca nova, com outra proposta. Nessa época de incertezas, uma coisa é certa: comida para compartilhar, a base do Lilu, não tem como. As pessoas não vão mais aceitar. Cozinha aberta? Não é o momento. Um lugar intimista, para que as pessoas fiquem mais próximas? Também não dá. Preciso pensar numa outra proposta. O que eu sei é que será um restaurante de matriz italiana. Quero poder cozinhar menus-degustação e ter uma área para voltar a fazer embutidos. Será um empreendimento pequeno, com 20, no máximo 30 lugares.

O “novo normal” na gastronomia será como?
Delivery é um fiasco. Ele não é o salvador dos restaurantes, nem durante nem depois da pandemia. Talvez possa ter sido antes dela. Quando se fala de casas que estão ganhando muito dinheiro com delivery, na verdade elas já ganhavam antes da quarentena. Já eram sucessos. O delivery não é a salvação. O patamar no qual o Lilu começou com as entregas só caiu e caiu. Essa é a verdade. Mas acredito que surgirão restaurantes mais “pandemia-friendly”, o termo que tenho usado. Terão mais espaço, para manter mesas mais afastadas, e menos capacidade. E isso vai aumentar o custo para o cliente final. Não tem como, a conta não fecha. Quem estava acostumado com lotação máxima de 70 pessoas e agora baixou para 25 precisa aumentar os preços. Mas acho que o público está inclinado a aceitar isso, ciente de que é a nova realidade. E aproveito para afirmar que é uma falácia dizer que os restaurantes teriam falido se tivessem fechado durante a quarentena. Só os que já estavam falidos antes. O Lilu, para todos os bolsos, conseguiu sobreviver e com as portas fechadas. O grande problema é que muitos restaurantes trabalhavam alavancados, sem pensar no futuro.

Tartar de wagyu com flocos de milho: hit do Lilu (Rubens Kato/Divulgação)

Por que trocou a GNT pela CNN?
Fiz a quinta temporada do The Taste Brasil, na GNT, e tinha sido avisado de que o canal não faria mais uma. Quando o último episódio foi ao ar meu contrato acabou. Considerei como o término de um ciclo. Foram onze anos na televisão. Muito bons, com muito aprendizado, a exposição é divertida. Mas não procurei um novo trabalho na área. Só que o pessoal da CNN entrou em contato e abriu-se um novo ciclo. Sou a primeira pessoa de gastronomia de um canal de hard news. Acho *** ser o primeiro de tudo. Em 2008, quando abri o Vito, nenhum outro restaurante do Brasil servia barriga de porco. E o Lilu foi o primeiro restaurante com pratos para compartilhar. Acho legal não ter nenhuma referência anterior, criar meu próprio caminho. E essa oportunidade na CNN me parece a mesma coisa. Obviamente, nesse momento o canal precisa colocar conteúdo no ar com urgência. E o programa Lugares Desconhecidos, do Anthony Bourdain, que irei apresentar, é uma grande escolha. Foi produzido pela CNN Internacional. Mas logo irei produzir meu próprio conteúdo e ajudar o canal a entender o que é fazer gastronomia.

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