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Curso de automaquiagem resgata vaidade de mulheres cegas

O projeto Muito Além da Beleza é promovido pela Associação Brasileira de Assistência à Pessoa com Deficiência Visual e pelo salão de beleza Jacques Janine

Maquiagem: o curso já formou 45 mulheres (Tatomm/Thinkstock)
EC

Estadão Conteúdo

Publicado em 28 de setembro de 2017 às 17h38.

São Paulo - Até o mês passado, Adriana Barsotti, de 46 anos, arriscava se maquiar somente com lápis nos olhos e batom antes de sair de casa.

Por receio de borrar ou prejudicar a pele, não ousava explorar outros contornos do rosto. Na infância, a relação com a maquiagem era ainda mais limitada: logo que ficou cega, aos 7 anos, passava os produtos no rosto somente sob orientação da mãe.

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Autonomia mesmo, a pedagoga passou a ter nas últimas semanas, quando começou um curso de automaquiagem para mulheres com deficiência visual e ganhou segurança para conquistar terrenos desconhecidos da face.

"Agora estou esfumaçando o lápis, consigo passar uma sombra, sei quais tons devo misturar. Sempre quis ter essa autonomia", diz Adriana.

Ela é uma das 12 alunas da atual edição do projeto Muito Além da Beleza, que neste mês ensina automaquiagem para mulheres cegas e com baixa visão.

Promovido pela Associação Brasileira de Assistência à Pessoa com Deficiência Visual (Laramara) e pelo salão de beleza Jacques Janine, desde a criação o curso já formou 45 mulheres.

Nesta 4ª edição, as participantes aprendem a manusear os pincéis, além de delinear os olhos e aplicar cílios postiços. O maior receio das alunas é exatamente a região, para elas, mais sensível do rosto: os olhos.

"Dá medo de machucar quando passo sombra, lápis e rímel, por exemplo. Como não estou vendo, não sei a distância, então tenho medo que encoste e machuque os olhos", diz a massoterapeuta Geisa Souza Santos, de 38 anos, aluna da primeira turma. Mas para ela é questão de prática.

Hoje, quase dois anos após ter feito o curso de automaquiagem, Geisa gosta de dizer que mesmo sentada no banco do ônibus, sujeita a obstáculos como ruas esburacadas, passa batom tão bem quanto uma mulher com visão apoiada por um espelho. "Até brinco com o cobrador: vira o retrovisor para eu ver se me borrei. Ele começa a rir e diz 'Para de palhaçada, Geisa!', diz a massoterapeuta, às gargalhadas.

A desenvoltura com a maquiagem é recente: cega há 12 anos, somente há dois a massoterapeuta deixou de lado os óculos escuros que lhe escondiam os olhos.

Ela tinha baixa visão até os 26 anos, idade em que um glaucoma impediu completamente sua capacidade de enxergar.

A doença causou ainda pressão alta e alterou o aspecto do olho direito, que ficou mais elevado.

"Fiquei dez anos sem usar maquiagem com óculos escuros porque tinha vergonha dos meus olhos", conta.

"Depois do curso, aprendi várias técnicas e não dependo mais da minha filha, por exemplo, para me maquiar. Passei a me sentir independente e tão bonita quanto outras mulheres."

Geisa, que hoje se autointitula "a cega mais bonita de São Paulo", afirma também que "a melhor fase da vida" teve início desde a cegueira completa, aos 26.

"A sociedade é muito visual. Julga com o olhar, forma um juízo de valor somente de olhar para os outros. Eu não tenho o preconceito porque não estou vendo. Acabo gostando das pessoas, à primeira vista, pelo que ela é. Nós sentimos mais as pessoas do que quem enxerga", diz ela.

"Obstáculos"

"Se para as pessoas que enxergam a vida já é cheia de obstáculos, imagine os obstáculos para uma pessoa cega? E olha só nós aqui no curso, com deficiência, aprendendo a nos maquiar melhor e começando a vencer aos poucos esses nossos obstáculos", diz a pedagoga Adriana.

"É importante que todas as pessoas trabalhem essas questões de autoestima. Independentemente da deficiência visual ou não, todos precisam ter esse olhar cuidadoso de se querer bem, de querer vencer obstáculos."

Por não conseguir enxergar o próprio reflexo no espelho, o termômetro para a pedagoga é a própria sensibilidade e também o elogio do outro.

Ela ainda guarda elementos visuais na memória, já que enxergou até 7 anos. Depois disso, adquiriu cegueira total causada por uma atrofia do nervo ótico.

"Eu me imagino, eu me visualizo. Tenho memória visual, então embora eu não tenha como me olhar no espelho físico, um dos meus espelhos é o elogio que recebo. Isso mexe com a nossa autoestima, a nossa independência e a nossa autonomia. É como a roupa. A maquiagem mostra que uma pessoa se cuida e que tem prazer de viver", explica.

Expansão

O projeto Muito Além da Beleza irá para Santos ainda este ano, com apoio da prefeitura, e o objetivo da Laramara é que seja replicado em outras cidades brasileiras.

Após o sucesso do curso de automaquiagem, que já tem fila de espera para a 5ª turma, a Laramara agora prepara os cursos de penteado e esmalteria.

Professora desde a 1ª edição e idealizadora do curso, a maquiadora e consultora de imagem Chloé Gaya vibra por ter contribuído com o crescimento do projeto.

Segundo Chloé, diferentemente do que a maioria pensa à primeira vista, as mulheres que nunca enxergaram têm maior habilidade para se automaquiar porque sempre conviveram com a limitação.

Já as mulheres que adquiriram a cegueira em algum momento da vida ficam com mais receio porque ainda estão se habituando.

"O essencial é que, primeiro, a mulher identifique os traços do próprio rosto. É por isso que logo na primeira aula eu peço que elas façam um reconhecimento do rosto por meio do toque. Elas vão criando intimidade com cada cantinho da face. Isso é fundamental para ganhar confiança e segurança para se automaquiar", explica.

Para Chloé, o curso também é importante para que as marcas de maquiagem percebam o nicho das mulheres com deficiência visual e invistam nesse mercado.

Segundo ela, a maioria dos produtos oferece a linguagem em braille somente na caixa, mas não diretamente na embalagem.

"Espero que o curso cause uma reflexão das empresas sobre a inclusão dos seus produtos", diz a professora.

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