Como o metaverso está transformando a moda
Novas experiências virtuais imersivas estão transformando a relação dos consumidores com marcas
Julia Storch
Publicado em 30 de abril de 2022 às 08h30.
Nova York, Londres, Milão, Paris e, em 2022, o universo virtual. As mais prestigiadas grifes de roupa do mundo agora desfilam suas criações também no metaverso, o novo destino “it” da moda. Um dos marcos recentes dessa empreitada foi o Metaverse Fashion Week, da plataforma de realidade virtual Decentraland, um mundo virtual aberto que funciona no blockchain de Ethereum, que aconteceu no fim de março. A maior semana de moda totalmente digital até o momento reuniu consagradas grifes, como Tommy Hilfiger, Dolce & Gabbana e Elie Saab, e nativas digitais, como The Fabricant, Auroboros e DressX.
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Com mais de 60 marcas, artistas e designers participantes, o evento trouxe, ao longo de quatro dias, diversos desfiles, palestras, pós-festas, ativações imersivas e lojas pop-up, com as grifes exibindo looks digitais em avatares nas passarelas virtuais. Mais de 108.000 usuários únicos, também na sua versão avatar, estiveram presentes para conferir as coleções e fazer compras com suas criptomoedas.
“O mais interessante na MVFW é a grande adesão de marcas muito amplas e com uma participação expressiva no mercado tradicional a um varejo digital, numa nova dinâmica. Os consumidores puderam comprar peças exclusivas para os seus avatares, e também itens físicos, adquiridos dentro do metaverso e entregues presencialmente”, destaca Carol Garcia, professora do curso de design de moda da Belas Artes.
O evento veio na esteira de uma série de incursões da indústria da moda ao metaverso, especialmente nos últimos dois anos, e um maior interesse pelos non-fungible tokens (NFTs). Os tokens não fungíveis, na tradução em português, são uma espécie de certificado de autenticidade e propriedade de bens digitais, baseado em blockchain, permitindo que os artigos virtuais se tornem únicos. Nesse período, a Balenciaga, por exemplo, criou um jogo exclusivamente para apresentar sua coleção e, na sequência, fechou uma parceria com o Fortnite, game online que é fenômeno global, para vender roupas (ou skins) para os personagens dentro da plataforma. Outras marcas conceituadas, como Louis Vuitton, Gucci, Burberry e Prada, também foram por esse caminho vestindo digitalmente personagens de videogames.
Entre outras ações nessa direção, Gary James McQueen fez seu primeiro desfile virtual; Balmain lançou uma coleção de NFTs em parceria com a Barbie; Nike adquiriu a empresa de sneakers digitais RTFKT; Adidas se juntou a três grandes nomes do mercado de NFTs; e Dolce & Gabbana, com o marketplace de luxo UNXD, leiloou uma coleção de nove peças NFT (cinco delas também físicas) pelo equivalente a 6 milhões de dólares, sendo considerados os tokens de moda mais complexos criados e oferecidos até agora.
Esse cenário tem influenciado também as semanas de moda tradicionais, que estão adicionando elementos imersivos ou de realidade aumentada à experiência da passarela. Um exemplo é a estreia de uma linha de prêt-à-porter puramente digital da inovadora Auroboros na London Fashion Week deste ano. Outro caso, na Semana de Moda de Nova York, foi a apresentação da coleção de wearables digitais de Jonathan Simkhai na plataforma Second Life, um dia antes das versões físicas, em um desfile com 11 looks do designer reimaginados virtualmente para o metaverso. Além das roupas, entre os convidados VIP estavam modelos, influenciadores, celebridades e jornalistas especializados — todos com seus avatares personalizados vestindo peças de Simkhai.
A moda imersiva no Brasil
Há dois anos o mercado nacional já dava seus passos na moda digital com a primeira edição do Brazil Immersive Fashion Week (BRIFW). Com dezenas de marcas, designers independentes e palestrantes, a semana de moda foi um dos primeiros cases que abordaram o tema no mundo.
Entre os designers que se apresentaram está o carioca Lucas Leão, que desde 2018 produz peças com intervenções digitais, como estampas e avatares, filmes em 3D e realidade aumentada. Em abril do ano passado, o estilista lançou uma coleção de peças digitais e com realidade aumentada no marketplace Shop2gether. Ao comprar os looks, como uma jaqueta puffer e um vestido, o cliente enviava uma foto para que os looks digitais fossem manipulados ao seu gosto na imagem.
Em outubro do ano passado, Leão realizou um desfile com realidade aumentada. Munidos de celulares com o aplicativo Snapchat, os convidados puderam visualizar a coleção simultaneamente nos formatos físico e digital. Através da tela, roupas, acessórios e a cenografia da passarela apareciam digitais com o uso de um filtro.
Pesquisador de tendências do universo digital, a cada ano Leão traz um novo conceito para suas apresentações. “Para este ano, quero que haja trocas entre o espectador e a peça física, com interação com sensores, por exemplo, para que as pessoas possam sentir frio ou calor”, comenta.
Saindo do nicho de luxo, a moda digital também chegou às fast fashions. No final de março, a Renner apresentou sua coleção de outono/inverno com novos recursos possíveis pela tecnologia. Em vez de uma passarela tradicional, as peças desfilavam sem corpos através dos óculos de realidade aumentada. Porém, as roupas foram comercializadas no formato físico.
Para Fernando Hage Soares, coordenador do curso de moda da Faap, a digitalização das semanas de moda, que antes eram eventos exclusivos para jornalistas e compradores, agora se tornou uma oportunidade de contato direto com os consumidores finais da marca.
Além da Renner, a marca de calcinhas absorventes Pantys entrou no mercado de NFTs ao lançar 33 tokens. As peças, que no mundo físico têm um uso específico, ganharam um valor simbólico no universo digital. A cada transação feita, com valor a partir de 0,015 ETH, a empresa se comprometeu a doar uma peça para mulheres em situação de vulnerabilidade social.
Novo cenário para os negócios
Esse movimento demonstra o lugar que o universo digital já ocupa em nossa cultura atual, inclusive na moda. “O aumento da ‘vida digital’ vem acontecendo em nossa sociedade desde que os smartphones se popularizaram. E, com a pandemia, fomos ainda mais impulsionados a criar uma presença digital”, observa Soares.
Se a tendência continuar, será que, no futuro, a moda será mais feita de pixels do que de tecido? Ninguém sabe ao certo. À medida que esse espaço emergente vai sendo explorado, as marcas estão descobrindo o que funciona ou não. O que o mercado fashion já sabe é que há muitas oportunidades na mesa para correr o risco de ficar para trás. Além de trazer diversas possibilidades para entregar experiências completamente diferentes ao consumidor, esse universo abre um novo horizonte de negócios.
A ideia de um mundo virtual em 3D que simula a vida real, com interações entre avatares, não é exatamente nova — em 2003, o Second Life já fazia isso. Mas não existia uma economia digital em que marcas pudessem ganhar dinheiro com o recurso. Hoje, isso é possível.
Porém, para o designer Lucas Leão, o metaverso vai muito além das roupas digitais que as marcas vêm lançando. “Atualmente as grifes vendem o metaverso como um mundo particular, que não é tão recente assim se você pensar que o Second Life e o The Sims já desempenhavam esse papel há 20 anos”, diz. “Precisamos olhar para essa interação do físico com o digital, em vez do digital exclusivamente.”
Criadora do BRIFW, Olivia Merquior concorda com Lucas Leão. “Faz sentido o mercado de luxo testar todas essas plataformas, que contam com altos investimentos e rendas. Mas não acredito que isso será o futuro da moda, e sim um dos exemplos possíveis para o futuro da indústria”, finaliza.