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Como é a quarentena de casais confinados no paraíso

Novidade para muitos, distanciamento social e hiperconvivência são situações comuns de quem mora a bordo

Adriana e João, do Ipa Dive, na Volvo Ocean Race: quarentena no veleiro (Arquivo Pessoal/Divulgação)

Paty Moraes Nobre

Publicado em 6 de maio de 2020 às 07h00.

Última atualização em 6 de maio de 2020 às 07h00.

Distanciamento social, espaço reduzido, economia de suprimentos e intenso convívio com a família - novidade para muitos durante a quarentena imposta pela pandemia de Covid-19 -, já são situações comuns de quem mora a bordo.

Sem sair do barco pra nada

As semelhanças entre quem vive em uma moradia convencional, seja no campo ou na cidade, e o modo de vida daqueles que escolheram um barco como residência seriam ainda maiores, agora, se não fosse pelo cenário ao redor, claro!

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Cercados de água doce ou salgada, plantas, animais e inúmeras belezas naturais, alguns velejadores chegam a ter razão ao classificar que vivem a quarentena no paraíso. Nos perfis das redes sociais, muitos exibem selfies em dias ensolarados, mergulhos em águas transparentes, passeios pela praia e aquele entardecer de tirar o fôlego. Mas isso não quer dizer que eles estejam livres de perrengues; ao contrário.

“Embora nossa piscina seja infinita (e salgada), o espaço interno do nosso barco é bem pequeno se comparado a uma casa ou apartamento. E estamos juntos 24 horas por dia, sete dias por semana e, praticamente, 365 dias por ano desde 2011”, enfatiza Tatiana Zanardi, que trabalha com o marido, Alcides Falanghe, recebendo hóspedes no veleiro Ocean Eyes Experience, nas Ilhas Virgens Britânicas.

Tatiana e Alcides - Ilhas Virgens Britânicas (Arquivo Pessoal/Divulgação)

Tatiana e Alcides - ilhas virgens britânicas (Arquivo Pessoal/Divulgação)

Com a pandemia, o toque de recolher trouxe mais isolamento. “Passamos semanas sem descer em terra nem sair do barco pra nada. Por sorte, fiz um provisionamento gigante, que deve durar pelo menos três semanas”, explica Tatiana.

Segundo a velejadora, o consumo do casal está ainda mais consciente. “Sempre economizamos muito na vida a bordo, mas, agora, estamos consumindo somente o que precisamos e economizando para o futuro incerto. Economizo mais gás de cozinha e uso os ingredientes com mais cuidado, mas não estou sentindo falta de nada, na verdade. Nos sentimos bem vendo que é possível viver com menos do que imaginamos”, analisa Tatiana.

“Água da chuva pra tomar banho, cozinhar e beber”

Há quatro anos, Georgia Spiandorello e Diego Maio, do veleiro Unforgettable Sailing, deixaram uma vida boa em Florianópolis (Santa Catarina) e saíram em busca de aventura. “Tínhamos vontade de ir além, de ver o que existia em outros mares, de sair da rotina do trabalho, da casa, de só viver no final de semana ou curtir férias uma vez por ano… Não era esse estilo de vida que queríamos”, lembra Georgia.

Em um pequeno barco, o casal velejou por toda a costa do Brasil e, depois, Caribe e, finalmente, Ilhas Virgens Britânicas. “Um lugar que nos encantou muito, onde a cor da água é incrível, é muito fácil de navegar e há muita estrutura para veleiros”, conta. “Lá, trocamos de barco, mas, infelizmente, dois meses depois, o perdemos para o furacão Irma”, lamenta.

No terceiro barco, Georgia e Diego seguiram velejando pelo canal do Panamá até a Polinésia Francesa. Com planos de ancorar na Austrália ainda este ano, o casal foi surpreendido pela pandemia e obrigado a permanecer onde estava.

“O lugar é legal, mas a guarda costeira avisou que não podemos circular entre as ilhas nem navegar ainda. Coletamos água da chuva para tomar banho, cozinhar e beber”, comenta Georgia.

Georgia Spiandorello e Diego Maio (Arquivo Pessoal/Divulgação)

Para ela, os valores mudam muito a partir do momento em que se decide morar no barco. “Não tem água suficiente para lavar roupa, precisamos economizar energia solar e do gerador eólico no uso do computador e dos eletrodomésticos. E a internet é limitada. Mas estamos agradecidos por poder entrar no mar e ter uma vista linda com montanhas de um lado e, do outro, o mar infinito”, analisa ela.

“Precisamos de muito menos para ser feliz. Um par de Havaianas cada um é basicamente o que usamos o ano inteiro”, acrescenta.

Georgia Spiandorello e Diego Maio (Arquivo Pessoal/Divulgação)

Bebê, casamento e hiperconvivência

Constanza Coll está grávida de sete meses a bordo do veleiro Amarillo, ancorado na Ilha Grande, em Angra dos Reis (Rio de Janeiro). Casada com Juan Manuel, ela já é mãe de Ulisses, de 3 anos, e sabe bem o que é rotina em um ambiente restrito.

Diariamente, a família acorda às 7h, toma café da manhã, faz atividades escolares com Ulisses, faz ioga, pesca, limpa os peixes, almoça e tira um cochilo. “À tarde, assistimos a um filme para passar as horas em que o sol está mais forte. Depois, descemos e vamos à praia, que está vazia, sem turistas. Então, cozinhamos e jantamos cedo. É muito importante manter as pequenas rotinas”, opina Juan.

A hiperconvivência no casamento, que é corriqueira para os velejadores, tem sido um problema na pós-quarentena de países que já afrouxaram o isolamento social. Segundo o jornal chinês em língua inglesa “The Global Times”, houve uma corrida inesperada aos cartórios por casais que decidiram se separar no último mês.

“Recomendo ter paciência, saber que o outro pode estar cansado e reconhecer quando o outro necessita de um descanso, buscar atividades, ter horários e tentar fazer um pouco para o outro todos os dias”, lista Constanza.

Georgia também dá conselhos sobre como manter a relação a dois saudável. “A gente acorda, toma café da manhã tranquilo, se diverte. Achamos um privilégio ter uma relação tão intensa, mas, claro, também fazemos atividades separados. Assim, a gente aprende a dar valor, a ver o quanto é bom estar junto, e não apenas só algumas horinhas no fim do dia”, orienta a capitã.

Constanza Coll, Juan Manuel e Ulisses (Arquivo Pessoal/Divulgação)

Constanza Coll, Juan Manuel e Ulisses (Arquivo Pessoal/Divulgação)

Peixinhos e golfinhos

Adriana Berti e João Pedro Costa, do veleiro Prosperus, planejavam chegar nos próximos meses às Ilhas Virgens Britânicas para encontrar os amigos do Unforgettable Sailing, mas foram pegos pela pandemia de Covid-19 ainda em águas brasileiras

“A diferença é que, agora, ao invés de saírmos diariamente para uma caminhada, temos que ficar na água ou fazer um exercício físico no barco. Mas somos absolutamente privilegiados por ter a natureza tão perto interagindo conosco diariamente e um horizonte distante para apreciar todos os dias. Não é incomum ter peixinhos nadando bem perto do barco e até golfinhos em meio à calmaria na movimentação de embarcações”, descreve Adriana, ancorada na Paraíba, região nordeste do país.

A história do casal, narrada em detalhes no canal Ipa Dive, no Youtube, é cheia de superação e força de vontade, desde o sufoco para juntar todo dinheiro para comprar o barco novo em apenas dois anos até as travessias mais complicadas no comando do Prosperus.

“A vida a bordo nos ensina a valorizar as pequenas conquistas e as coisas mais bobas de nossas vidas que são importantes, como ter acesso a água doce de qualidade para cozinhar ou uma ancoragem tranquila para uma boa noite de sono. Vibramos quando a previsão do tempo é de sol para o dia que nosso cesto de roupas sujas está cheio e agradecemos aos fortes ventos que nos refrescam trazendo um pouco de conforto para trabalharmos dentro do barco, que não tem ar condicionado. Agradecemos quando vamos às compras e não chove, pois carregar tudo na mão e molhado não é a experiência mais satisfatória do mundo”, diverte-se Adriana.

Adriana Berti e João Pedro Costa (Arquivo Pessoal/Divulgação)

A chance de valorizar o simples

Segundo a velejadora, a pandemia pode se revelar uma chance para o mundo ressignificar conquistas. “Aproveitamos este momento global tão delicado para também emanar as melhores energias para que tudo se resolva logo e todos possam voltar aos planos com um aprendizado importante que já temos há tempos: valorizar o simples e aquilo que passa despercebido, como o direito de ir e vir”, finaliza.

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