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Com 95% de demissões, Cirque du Soleil se prepara para a volta aos palcos

Num momento em que a pandemia ainda tem força e permanece a incerteza sobre a disposição das pessoas em voltar aos grandes teatros, a tentativa de retorno do ex-gigante é uma espécie de prova de fogo para a indústria do entretenimento ao vivo

Guillaume Paquin, Arthur Morel Van Hyfte e Marie Lebot demonstram sua rotina de alongamento em seu apartamento em Montreal. Depois de encerrar dezenas de shows e dispensar a maior parte de sua força de trabalho, o circo canadense enfrenta batalha para se recuperar.  (Nasuna Stuart-Ulin/The New York Times)

Guillaume Paquin, Arthur Morel Van Hyfte e Marie Lebot demonstram sua rotina de alongamento em seu apartamento em Montreal. Depois de encerrar dezenas de shows e dispensar a maior parte de sua força de trabalho, o circo canadense enfrenta batalha para se recuperar. (Nasuna Stuart-Ulin/The New York Times)

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Julia Storch

Publicado em 26 de maio de 2021 às 07h05.

Última atualização em 26 de maio de 2021 às 19h12.

O confinamento apresentou um desafio particular para o trapezista quebequense Guillaume Paquin. Praticar movimentos característicos, como se torcer no ar em uma corda de seis metros antes de girar para baixo, feito uma hélice de helicóptero, é um pouco complicado em sua sala de estar apertada.

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Agora, no entanto, o ex-artista do Cirque du Soleil pode em breve conseguir trocar seu apartamento em Montreal pela lona: o famoso circo está voltando aos palcos depois que pandemia o forçou a cancelar 44 espetáculos, de Melbourne, na Austrália, a Hangzhou, na China.

Com a vacinação se acelerando em todo o mundo, o Cirque anunciou no fim de abril que dois dos seus espetáculos mais antigos em Las Vegas, "O" e "Mystère", serão retomados neste verão do Hemisfério Norte. Já o espetáculo "Luzia", um dos favoritos do público, com acrobatas pulando de um lugar para o outro em um par de balanços enormes, vai estrear no Royal Albert Hall, em Londres, em janeiro. E há negociações em andamento para a retomada na China, no Japão, na Coreia do Sul e na Espanha.

Num momento em que a pandemia ainda tem força e permanece a incerteza sobre a disposição das pessoas em voltar aos grandes teatros, a tentativa de retorno do ex-gigante é uma espécie de prova de fogo para a indústria do entretenimento ao vivo. Será que o maltratado circo baseado em Montreal, que já lutava contra a exaustão criativa antes da pandemia, pode ressurgir?

"Já faz mais de um ano que estamos todos confinados em casa. O público está com fome de entretenimento ao vivo", disse Paquin, de 26 anos, que anteriormente estrelou como o extraterrestre humanoide Entu na montagem de "Toruk", espetáculo primoroso, inspirado no filme "Avatar", de James Cameron. Ele não está no elenco dos espetáculos que estão prestes a recomeçar em Las Vegas, mas está ansioso para voltar ao palco.

A reabertura do Cirque du Soleil se processa à medida que as artes performáticas em todo o mundo estão ressurgindo cautelosamente. Em uma prévia de como pode ser o futuro pós-vacina, os israelenses já vacinados com as duas doses podem obter um "Passe Verde" que permite o acesso a eventos culturais e esportivos ao ar livre e em espaços fechados. E, este mês, Roterdã, nos Países Baixos, vai sediar o Festival Eurovisão da Canção com um público limitado ao vivo.

Mas, antes que os espetáculos possam recomeçar, o Cirque deve reconstruir uma companhia que foi praticamente desmantelada no início da pandemia. Durante seu hiato de 400 dias, a receita do Cirque caiu para zero, e foram eliminados quase 4.700 empregos ou 95 por cento de sua força de trabalho, o que fez com que muitos dos melhores trapezistas e acrobatas do mundo ficassem confinados em casa, incapazes de treinar.

Paquin contou que a longa pausa havia minado sua confiança, já que não pôde praticar suas rotinas aéreas, e que, quando recentemente começou a treinar de novo, descobriu que havia perdido sua "memória muscular" e sentiu medo de ficar no alto. "Para mim, retroceder foi realmente doloroso", revelou.

Com a turnê no horizonte, o circo também enfrenta o desafio logístico de navegar por diferentes regras de saúde e segurança em todo o mundo. "Vai levar muito tempo para o Cirque retornar ao que era antes da pandemia – se é que vai conseguir", afirmou Mitch Garber, que se demitiu no ano passado do cargo de presidente da empresa.

Criado em Quebec na década de 1980 como uma trupe de artistas sobre pernas de pau, cuspindo fogo e em outras funções, o Cirque du Soleil reinventou o circo com acrobacias de cair o queixo, música ao vivo, figurinos extravagantes e espetáculos monumentais, embora pouco planejados. Em seu auge em 2019, quando o Cirque tinha sete espetáculos simultâneos em Las Vegas, atraía cerca de dez mil espectadores por noite.

As montagens de "Mystère" e "O" – com estreia prevista para 28 de junho e 1° de julho, respectivamente – vão funcionar com capacidade plena nos teatros com 1.806 e 1.616 lugares sem distanciamento social e com ingressos a preços pré-pandêmicos, anunciou Daniel Lamarre, diretor executivo do Cirque du Soleil. Os funcionários serão testados regularmente, e a vacinação, embora voluntária, será fortemente incentivada. O objetivo é reiniciar os três espetáculos restantes em Las Vegas até o fim do ano.

Sob as novas regras do Condado de Clark, onde fica Las Vegas, as apresentações poderão ser realizadas sem distanciamento social quando 60 por cento da população elegível do estado de Nevada tiver recebido pelo menos uma dose da vacina contra a Covid-19. O uso de máscara será obrigatório. Na quinta-feira, Nevada informou que aproximadamente 47 por cento da população recebeu pelo menos uma dose da vacina.

Gabriel Dubé-Dupuis, ex-diretor criativo do Cirque, advertiu que a empresa enfrentou lá uma dificuldade significativa, já que os fãs mais jovens, necessários para que o Cirque se mantivesse relevante, eram mais propensos a ser atraídos por casas noturnas e festas na piscina de hotéis.

A sede do Cirque Du Soleil, Montreal. (Nasuna Stuart-Ulin/The New York Times)

Mas Lamarre disse estar otimista de que o público, encorajado pela vacinação, retornará às apresentações com mais entusiasmo do que nunca. "Estamos contando com o fato de que as pessoas estão confinadas há muito tempo e desesperadas para se divertir", comentou, acrescentando: "Será que estou sendo muito sonhador?"

O Cirque também deve lidar com artistas circenses fora de forma, muitos dos quais foram forçados a procurar outras formas de ganhar a vida.

Paquin, o trapezista, apareceu pela última vez no Cirque em dezembro de 2019, interpretando um floco de neve com lantejoulas em "Twas the Night Before…" (Antes da véspera de Natal), espetáculo sentimental da época dos feriados de fim de ano, no Madison Square Garden, em Nova York. Desde que deixaram de atuar no Cirque, ele e um grupo de artistas baseados em Montreal formaram um coletivo circense próprio que vai se apresentar neste verão setentrional em espaços ao ar livre, como campos. Para se manter em forma durante o confinamento, o grupo fez parada de mãos, splits e alongamentos em casa. Mas Paquin afirmou que os artistas do Cirque levarão meses para estar novamente em forma para os espetáculos.

Para Uranbileg Angarag, contorcionista nascida na Mongólia, ensaiar seus movimentos favoritos em casa – incluindo colocar as pernas 180 graus à frente da cabeça enquanto se equilibra com uma bengala na boca – tem sido difícil: o teto de seu apartamento em Ulaanbaatar, capital do país, atrapalha. Ela tem reforçado sua renda dando aulas de ioga on-line.

Já um ex-artista do Cirque, Olivier Sylvestre, vem trabalhando como barista em um café em Montreal, enquanto Arthur Morel Van Hyfte, de 26 anos, trapezista francês, tem usado seu tempo livre para estudar intepretação. Morel Van Hyfte disse que os riscos à saúde em uma pandemia acrescentam ainda mais estresse a um trabalho com exigências sobre-humanas. "Espero que a pandemia ajude o Cirque du Soleil a recuperar sua poesia e sua alma", afirmou.

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