Quadro "Aldeia Russa" do artista Marc Chagall. (Agência Brasil/Divulgação)
Agência Brasil
Publicado em 8 de fevereiro de 2023 às 11h06.
No térreo do Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), no centro de São Paulo, dois tecidos coloridos flutuam no ar. Com um sopro de ar, eles bailam pelo térreo do edifício e, algumas vezes, alcançam até os andares mais altos, como se voassem.
A obra contemporânea Air Fountain, de Daniel Wurtzel, foi ali instalada para dialogar com a nova exposição em cartaz no espaço: Marc Chagall, Sonho de Amor, que abre nesta quarta-feira (8) e fica em cartaz até 22 de maio.
Os tecidos da obra de Wurtzel parecem simbolizar o “perfume e a rosa” do poema Seul est Mien, escrito por Chagall (1887-1985). A poesia foi traduzida em português e colocada em uma das paredes da exposição. Ela também recebeu uma animação apresentada no subsolo do edifício.
“Essa sensação de leveza, essa visão abstrata do amor que está representada ali pelos dois tecidos que bailam é uma relação que a gente propôs ao artista Daniel Wurtzel para dialogar com a obra de Chagall. Então, a ideia era acolher o público nesse ambiente de encantamento e de enlevo e de fazê-lo sentir esse amor que desafia a força da gravidade e que a gente vai ter em um dos módulos da exposição”, disse Cynthia Taboada, organizadora da mostra.
Nascido em 7 de julho de 1887, no bairro judaico da cidade de Vitebsk, na antiga Rússia, Marc Chagall faleceu na França, aos 97 anos. Com uma vida quase centenária, o artista atravessou a Revolução Russa, enfrentou a primeira e a segunda guerra mundial, viu a criação e consolidação do Estado de Israel e foi reconhecido como um dos nomes mais importantes da arte moderna, sobretudo, pela criação de uma linguagem artística única.
“Chagall tem um estilo único. Ele tem uma poética própria que é apartada de todos os movimentos de vanguarda histórica. Ele dialogava com esses movimentos, mas ele criou um universo próprio, uma poética que você reconhece ao longo de uma produção de anos. Ele é o mestre da cor. Ele sabe manejar as cores como ninguém. Ele também foi o mestre da água-forte, da litografia e da gravura. Ele trouxe para a arte moderna o desenvolvimento da gravura”, disse Cynthia Taboada, em entrevista à Agência Brasil.
Segundo a curadora Lola Durán Úcar, a obra de Chagall esteve sempre muito vinculada à sua própria vida.
“Ao largo de sua vida, Chagall criou um mundo lírico, um mundo fantástico, um mundo poético. Vamos descobrindo isso em seus quadros, com personagens que voam, com animais com rosto de pessoas, pessoas com rostos de ratos”, disse ela. “Ele não era um artista surrealista, que mostra o mundo dos sonhos. Chagall está nos mostrando o mundo tal como ele aparece. Ele vê o mundo assim”, afirmou a curadora.
Com passagens pelo Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Brasília, a exposição do artista Marc Chagall chega a São Paulo trazendo novidades. Ela tem 191 obras do artista franco russo de origem judaica produzidas entre 1922 e 1981, sendo que 12 delas ainda não haviam sido expostas nas itinerâncias anteriores.
Entre elas está o livro Maternité, de autoria do escritor surrealista Marcel Arland (1899-1986), que foi ilustrado com cinco gravuras em metal de Marc Chagall. O livro faz parte do acervo do também escritor Mário de Andrade (1893-1945), primeiro colecionador das obras do artista no Brasil.
Também foram cedidas especialmente para esta mostra em São Paulo as obras Os noivos com trenó e galo vermelho (Les mariés au traîneau et au coq rouge) e Primavera (Le Printemps), provenientes dos acervos da Casa Museu Ema Klabin e do Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (MAC USP).
Entre os destaques da exposição também estão o raríssimo guache O avarento, que perdeu seu tesouro (L’avare qui a perdu son trésor), produção que deu início à série gráfica das Fábulas de La Fontaine (Fables, Jean de La Fontaine), encomendada por Ambroise Vollard no final dos anos 1920 e impressa somente em 1952. Também fazem parte da mostra as gravuras coloridas à mão da série Bíblia.
A mostra apresenta ainda alguns dos poemas escritos por Chagall, artista que se devotava ao amor.
“Fizemos uma “transcriação” dos poemas porque respeitamos os ritmos, os tempos, o trânsito entre os idiomas. Isso foi muito bem respeitado por um artista chamado Saulo di Tarso. Pegamos uma edição de 1968, que reúne os poemas de Chagall de 1909 até 1965, e todos eles foram “transcriados”, versados para a língua portuguesa de forma inédita. Essa é uma coisa que a gente traz como uma novidade da itinerância”, explicou Cynthia Taboada.
Cada um dos andares do CCBB é dedicado a um tema ou período na vida e obra de Chagall. O percurso é iniciado no quarto andar, dedicado às origens e tradições russas. Já o terceiro andar apresenta obras relacionadas ao mundo sagrado e às noções de espiritualidade, como a série Bíblia.
O segundo andar é dedicado ao lirismo e à poesia, apresentando obras do pintor que retratam Paris, a cidade onde ele viveu a maior parte de sua vida e em que morreu. Nesse andar também se encontra presente uma ode ao amor, onde estão pinturas de flores e de pessoas enamoradas desafiando a gravidade e flutuando pelas telas. Já no subsolo do edifício estão as ilustrações feitas por Chagall para as Fábulas de La Fontaine. “Esse percurso é muito didático para o público entender que a obra de um pintor está ligada à sua própria vida. Esse amor pela vida e pela arte transborda em suas próprias obras, nas cores, nos personagens que estão flutuando, nos violinos”, salientou Cynthia.
“Uma exposição dessa natureza traz o artista da arte moderna para uma memória contemporânea, para uma interpretação do nosso mundo de hoje. Se o artista toca você hoje é porque a obra dele está viva e tem algo a dizer a você. Acredito que o público vai encontrar isso na exposição”, acrescentou ela.
Na passagem por São Paulo, a mostra também vai oferecer ao público performances de dança, que vão acontecer ao lado da obra de abertura da exposição. Também haverá uma intervenção cênico-musical e estão previstos um ciclo de debates e palestras.
“É uma exposição que estamos oferecendo para a cidade de São Paulo e para o público que vem à cidade. É uma exposição rara, que traz um composto grande de obras e do legado de Chagall, e traz também muita poesia”, disse Claudio Mattos, gerente geral do CCBB-SP.
“Temos trazido aos projetos do CCBB atividades paralelas às mostras que amplificam essa experiência. Nessa exposição do Chagall vamos ter uma oficina de cartões postais, onde as pessoas poderão escrever cartas de amor e mandar pelos Correios. E vamos ter violinistas fazendo performances pelo prédio em alguns dias ao longo da exposição”, acrescentou.
A mostra é gratuita. Mais informações sobre o evento e sobre os ingressos podem ser obtidas no site do CCBB.