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Carlos Alcaraz é ético ao celebrar até mesmo os erros dos adversários?

O jogador espanhol costuma comemorar os pontos vibrando com os punhos cerrados para os oponentes. E não é só ele

O tenista espanhol Carlos Alcaraz: nova geração (Julian Finney/Getty Images)
Ivan Padilla

Editor de Casual e Especiais

Publicado em 26 de fevereiro de 2023 às 06h30.

Última atualização em 3 de março de 2023 às 06h39.

O tênis tem algumas regras que, apesar de não escritas, são bastante claras. É preciso ter confiança no adversário. Se ele aponta que a bola saiu, é de bom tom aceitar. Pedir para o juiz interceder, só em casos extremos. Em caso de dúvida, volta-se o ponto.

Quem vai sacar quando há troca de bolas, a cada seis games em jogos profissionais, deve avisar o oponente. Se a bola bate na fita e mesmo assim entra na quadra oposta, atrapalhando a jogada do outro, é preciso pedir desculpa.

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E, principalmente, não se pode provocar o adversário. Os jogadores vibram muito, claro, principalmente em momentos de decisão. Mas recomenda-se que seja para si, ou então olhando para familiares na arquibancada, para o técnico. Nunca para o outro tenista, como se fosse uma provocação.

Final no Rio Open

Carlos Alcaraz, a sensação do tênis do momento, não segue essa cartilha. Ele vibra muito nas partidas, gritando em espanhol. O problema é que faz isso encarando o adversário, muitas vezes apontando os punhos cerrados. Isso em diversos momentos do jogo, mesmo no começo ou situações sob controle.

Alcaraz disputou no domingo passado, 26 de fevereiro, a final do Rio Open, no Rio de Janeiro, torneio da série Masters 500, contra o inglês Cameron Norrie, a quem venceu na semana passada no torneio de Buenos Aires. O espanhol foi campeão do Rio Open no ano passado. Neste ano o inglês levou a melhor.

Em todos os jogos do campeonato do Rio deste ano Alcaraz fez o mesmo: celebrou seus pontos de frente para o oponente. Em alguns momentos, como nas oitavas de final do torneio, em um jogo em que ganhou de virada no terceiro set contra o italiano Fabio Fognini, chega a comemorar até erros não forçados. Foi assim também nas quartas contra o sérvio Dusan Lajovic e na semifinal contra o chileno Nicolás Jarry.

Em outros momentos, Alcaraz comemora com a torcida, gritando “vamos”, levantando as mãos e sacudindo a raquete, pedindo aplausos. Como se estivesse em um jogo de futebol.

Não são atitudes consideradas bonitas em um esporte tradicional como o tênis.

Não que Alcaraz seja mal educado. Contra Fognini, ele chegou a correr para o outro lado da quadra para ajudá-lo a se levantar, depois de um escorregão mal sucedido no saibro do adversário. No ano passado, no mesmo Rio Open, ele chamou os pegadores de bola para se proteger da chuva debaixo de um toldo.

O próximo grande campeão?

O espanhol foi o tenista mais jovem a assumir a liderança do ranking da ATP, aos 19 anos e quatro meses, no ano passado. Isso depois de vencer o US Open, seu primeiro Grand Slam. Agora está em segundo lugar, atrás do sérvio Novak Djokovic.

Alcaraz está sendo apontado como o provável próximo grande campeão do tênis, líder de uma turma que chega para ocupar o lugar de Djokovic, o também espanhol Rafael Nadal e o agora já aposentado suíço Roger Federer.

Essa foi a geração mais vencedora de todos os tempos. Juntos, os três tenistas conquistaram a impressionante quantidade de 63 títulos de Grand Slam (Djokovic com 22, Nadal com 21 e Federer com 20).

Alcaraz já bateu Djokovic e Nadal no mesmo torneio, no Masters de Madri do ano passado. Por isso as atenções estão todas em seus movimentos. Mas não se trsta apenas dele. Essa parece uma geração diferente, menos atenta aos antigos códigos de respeito do tênis.

Uma geração mais rebelde?

Na outra semifinal do Rio Open, o inglês Cameron Norrie também vibrou muito e comemorou encarando o espanhol Bernabé Zapata. Assim como tantos outros jogadores nesse torneio, e em todos os demais. Esse não parece ser um constrangimento para os jovens tenistas que começam a galgar posições no ranking mundial.

O dinamarquês Holger Rune foi campeão do Masters 1000 de Paris, vencendo cinco tenistas entre os dez primeiros do mundo. Rune reclama demais da arbitragem, já provocou Casper Ruud ao apertar sua mão com muita força após uma partida, gritou em público com sua mãe.

O australiano Nick Kyrgios é quem tem pior fama no circuito. É fácil achar vídeos na internet em que ele joga garrafas de água na cadeira do juiz, quebra raquetes no chão, discute com torcedores, até mesmo com expectadores famosos, como o ator Ben Stiller.

No caso das comemorações efusivas olho no olho durante as partidas, salvo casos isolados, ninguém parece levar para o lado pessoal. Ao fim das partidas, vencedores e perdedores cumprimentam-se normalmente na rede, sem demonstração aparente de rancor, sem reclamações nas entrevistas. Tudo certo.

Lendl, Wilander, Edberg: exemplos de educação

Sou de uma geração que viu Ivan Lendl, Mats Wilander e Stefan Edberg dominando as quadras. Todos muito frios, com sólido jogo de fundo de quadra, sempre muito educados. Depois veio Boris Becker, um pouco mais temperamental, mais afeito ao jogo de rede, mas igualmente polido com os adversários.

Antes deles estavam Bjorn Borg, apelidado de Ice Borg pelo controle emocional, contra Jimmy Connors e o mercurial John McEnroe, que discutia com juízes, jogava longe as raquetes, brigava com os torcedores.

McEnroe era exceção à regra nos anos 1970 e 1980. Os campeões seguintes, como Pete Sampras e Andre Agassi nos anos 1990 e Guga Kuerten e Evgeni Kafelnikov nos anos 2000, seguiam o manual dos bons costumes, pelo menos em relação aos oponentes. O que aconteceu nesses últimos anos?

Federer: de bad boy a exemplo de elegância

O tênis é um esporte individual, em que o jogo psicológico é tão importante quanto a parte técnica. Como tantas modalidades hoje, tem exigido cada vez mais dos seus competidores, fisicamente e consequentemente mentalmente. Pode-se dizer que a pressão é maior, o que talvez exija novas formas de extravasar a tensão.

A exposição das redes sociais aumenta a expectativas do público em cima dos jogadores? Certamente. Isso explica a flexibilização das tais regras não escritas, da polidez com o adversário, do respeito ao público? Pode ser, mas não deveria.

Uma curiosidade é que mesmo Roger Federer era considerado um rebelde no início da carreira. O suíço despontou ao vencer o campeonato de juniores de Wimbledon em 1998. Era então um menino mimado, que brigava constantemente com os árbitros e jogava raquetes no chão. Com frequência recebia punições.

A família teria sido essencial na mudança de seu comportamento nos anos seguintes. Consta que certa vez seu pai o deixou sozinho em um torneio, apenas com trocados para ele pegar um ônibus, como punição por seu descontrole.

Quem acompanhou Federer em sua fase profissional não tem dúvida: trata-se de um dos tenistas mais elegantes que já pisou numa quadra. Há esperança para o jovem Alcaraz.

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