Fábio Acerbi, 37 anos, diretor de relações governamentais da Kraft: transparência nos diálogos com o governo (Omar Paixão / VOCÊ S/A)
Da Redação
Publicado em 19 de março de 2013 às 19h23.
São Paulo - Na cultura de negócios do Brasil, a expressão fazer lobby quase sempre é associada ao ato de agir de forma errada, nas brechas da lei, para defender interesses privados. Os profissionais que atuam no ramo geralmente omitem a ocupação, se apresentando como assessores ou consultores, pois sabem que a atividade não é vista com bons olhos.
Colabora para essa percepção o fato de o lobby não ser uma atividade regulamentada no Brasil. Ao contrário do que acontece, por exemplo, nos Estados Unidos, onde é reconhecida publicamente. Empresas americanas de capital aberto chegam a divulgar em seus balanços a quantia financeira gasta com os serviços do lobista.
Apesar de essa não ser a realidade no Brasil, há mais organizações, multinacionais em sua maioria, interessadas em tornar a atividade mais transparente e profissionalizada. Essas companhias têm recrutado profissionais para atuar na área de relações governamentais.
"Nos primeiros dois meses de 2012, a procura por esse tipo de profissional aumentou 30% em relação ao ano passado inteiro", diz a líder da área legal da consultoria Michael Page, especializada em recrutamento para média e alta gerência. A consultoria fez 30 contratações de janeiro a fevereiro.
Eles são jovens, sabem negociar e têm uma rede sólida de contatos em agências e órgãos técnicos do governo. As contratações se dão por causa da necessidade de companhias mais sensíveis à aprovação de leis específicas e submetidas a controle e regulamentação mais severos influenciarem os poderes Executivo e Legislativo em suas decisões.
O que difere a prática dos lobistas corporativos é a transparência e a lisura nas negociações, garantem os executivos. Diferente do passado, todas as conversas têm de ocorrer em ambiente de audiência pública. Jamais às portas fechadas.
Dentro do mundo corporativo, a área também vem ganhando projeção. O executivo de relações governamentais quase sempre se reporta ao presidente, por tratar de assuntos sensíveis e estratégicos aos negócios da empresa. Os maiores recrutadores são as indústrias farmacêuticas, de alimentos e bebidas, TI, agronegócio, telecomunicações, cigarro e automotiva.
Mesmo com a importância do cargo, há divergência sobre o perfil do profissional e as competências essenciais para a função. É inevitável ser bom comunicador, estrategista e carregar em sua trajetória passagem por algum órgão do governo, ou que tenha ao menos construído base de relacionamento nas três esferas do poder.
Advogados, economistas, administradores e relações-públicas são os mais bem cotatos para o posto. Para esse cargo, a experiência conta muito mais do que o currículo acadêmico.
Outro movimento que impulsiona a procura pelo relações-governamentais é a obrigatoriedade das companhias que fizeram IPOs (oferta inicial de ações, na sigla em inglês) de ter alguém apto a lidar com o governo — um dos stakeholders com quem elas têm de se comunicar e dar satisfações periódicas.
"É uma posição com forte demanda nos últimos três anos, tanto por empresas que abriram capital quanto pelas que têm que se relacionar com Anvisa, Anatel, Anac e outros órgãos reguladores", diz Maria Eugênia Bia Fortes, sócia da Spencer Stuart, especializada no recrutamento de altos executivos.
Caminho longo
A depender do tema em discussão, o caminho a ser percorrido pelo relações-governamentais para atingir seus objetivos pode ser longo. Fábio Acerbi, de 37 anos, diretor dessa área na Kraft Foods, lembra que alguns assuntos, como transgênicos, política de resíduos sólidos, publicidade de alimentos com alto teor de sódio e açúcar, além de gordura trans, costumam dividir opiniões.
"Às vezes, levamos mais de um ano percorrendo o Congresso Nacional, os ministérios, a Conar e a Anvisa para estabelecer discussões que atendam aos anseios da sociedade, sem comprometer nosso desempenho", diz o executivo.
A Kraft possui esse profissional em praticamente todos os países em que opera e a função é vista como altamente estratégica. Fábio é formado em direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e pós-graduado em processo civil. Em sua trajetória profissional, passou pelas áreas financeira e jurídica de várias empresas.
Hoje, coordena uma equipe de três pessoas, todas com perfil multidisciplinar e com formação diversa (direito, relações internacionais e relações públicas). Sua agenda diária transita entre a relação com os órgãos governamentais, a associação de classe e o presidente da subsidiária brasileira.
Para que não pairem suspeitas sobre os procedimentos que estabelece com o governo, Fábio diz ter instituído o que chama de "tolerância zero". "Todos os encontros são feitos em audiência pública e com transparência. Qualquer um pode participar." Isso porque as organizações lutam para limpar a imagem comprometida do lobista do passado.
Um bom par de sapatos
Uma das áreas sensíveis e de constante relacionamento com o governo é a da saúde. Se o que a empresa comercializa são suprimentos para a área médica e produtos farmacêuticos, essa relação tem de ser muito bem construída. São 150 congressistas que fazem parte da bancada da saúde na Câmara dos Deputados, além de Anvisa, Ministério da Saúde, secretarias e comitês específicos.
É por isso que para Antônio Carlos Salles, de 54 anos, diretor de relações governamentais da Covidien, o profissional desse setor tem de ter uma vocação natural para relacionar-se, andar muito e ser um estrategista nato para se dar bem na profissão. "Tem que ter mais do que um par de sapatos e gastar muita sola. E conversar em vários escalões do poder, senão não funciona", afirma.
O executivo é jornalista de formação, com duas pós-graduações pela Universidade de São Paulo, uma em comunicação comparada e outra em relações com o governo. Hoje, aos 53 anos, Antônio Carlos vive na ponte aérea São Paulo-Rio, faz viagens rotineiras a Brasília e outras tantas, incansáveis, para discutir questões como reembolso para procedimento de laparoscopia.
Desde 1o de janeiro está em vigor essa determinação da ANS, e o executivo esteve diretamente envolvido no debate. "Fizemos o esboço do projeto com outras seis organizações e foram mais de 20 viagens. Mas valeu a pena", lembra Antônio Carlos.