O neurocientista Andrei Mayer: "Estudos científicos mostram que o raciocínio e a capacidade de tomada de decisão de um indivíduo que está dormindo mal há dez dias equivale a de alguém que passou a noite inteira sem dormir, que já é muito baixa" (BTG/Divulgação)
Redação Exame
Publicado em 15 de maio de 2023 às 15h28.
Última atualização em 15 de maio de 2023 às 16h57.
Como criar o hábito de dormir uma boa noite de sono? A resposta para essa dúvida é parte central do trabalho do pesquisador Andrei Mayer, pós-doutor em neurociência pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e Universidade da Califórnia em Davis.
Numa era de estímulos visuais por todo canto, a insônia e o sono de baixa qualidade viraram alguns dos maiores problemas de saúde pública da atualidade.
Tudo isso estimula o consumo de medicamentos hipnóticos para indução do sono — ou de fármacos cuja promessa é aumentar o foco de quem está cansado em função de noites mal-dormidas e precisa render no trabalho.
A venda do Zolpidem, o mais famoso deles, cresceu sete vezes entre 2012 e 2021, para mais de 20 milhões de caixas por ano.
Um dos fármacos indicados para o tratamento de transtorno de déficit de atenção, o anfetamínico Venvanse virou febre nas redes sociais com a promessa de aumentar o foco.
"Temos estudos recentes mostrando que 65% dos brasileiros têm algum problema de sono. Ou seja, mais da metade tendo problema pra fazer algo que era pra ser natural. O que era pra acontecer? Sentir sono, dormir e não ter que tomar nada", diz Mayer, para quem há um exagero no uso de medicamentos para regular sono e foco.
Um dos palestrantes do BTG Summit, evento realizado em abril para a rede de assessores de investimentos ligados ao BTG Pactual (do mesmo grupo de controle da EXAME), ele largou a vida acadêmica para virar uma das principais referências no Brasil em estudos sobre a importância do sono para a produtividade.
Ao publicar estudos científicos sobre temas ligados a sono, produtividade, foco e hábitos saudáveis, ele conquistou uma base de 108.000 seguidores no Instagram. O canal dele no YouTube tem mais de 119.000 inscritos.
Boa parte do público de Mayer nas redes sociais é formada por profissionais de carreiras acostumadas com a sobrecarga de trabalho e onde a busca por foco e agilidade costuma estar na ordem do dia — o mercado financeiro sendo um dos principais.
Nas palestras, Mayer costuma alertar para o fato de um sono irregular — digamos, 3 horas por noite — ser tão deletério quanto simplesmente ficar pregado a noite inteira.
"Estudos científicos mostram que o raciocínio e a capacidade de tomada de decisão de um indivíduo que está dormindo mal há dez dias equivale a de alguém que passou a noite inteira sem dormir, que já é muito baixa", diz ele.
"No longo prazo, dormir mal acarreta uma capacidade muito reduzida de tomar boas decisões."
Sendo assim, dormir bem continuamente é essencial para a vida de um indivíduo.
Mayer defende o senso comum nesses casos — entre 7h e 9h por noite são necessárias para a recuperação total do corpo.
A questão é: como conseguir uma noite boa de sono continuamente, e assim garantir foco e disposição no dia seguinte, sem depender de fármacos para dormir ou ter concentração?
Boa parte da resposta, para o especialista, está na luz natural da manhã.
"No fundo da retina temos células sensíveis à luz", diz ele.
A maioria dessas células, também conhecidas como fotorreceptoras, servem para ajudar os seres humanos a enxergarem o que está ao redor.
Uma parte pequena dessas células (algo como 5% delas) são do tipo ganglionares intrinsecamente fotossensíveis e servem para, basicamente, contar ao cérebro se há luminosidade ou não num ambiente.
Elas estão ligadas com outras áreas do cérebro responsáveis pela regulação de sono, humor, disposição para as atividades do dia, foco e atenção.
"Se há luz no ambiente, essas células são ativadas e elas comunicam ao nosso cérebro que está no hora se sermos ativos. E se não há luz, está chegando a hora de dormir", diz.
"Por isso, muita luz de dia, especialmente de manhã, é excelente para a saúde, bem-estar e desempenho. E, à noite, queremos o mínimo de luz possível (inclusive artificial) para não ativar as tais células", diz.
O especialista recomenda duas mudanças de hábitos simples para buscar um sono de melhor qualidade:
"A caminhada com exposição ao sol é maravilhosa. Se você tem o hábito dessa caminhada você vai começar a perceber uma tendência de ter sono mais ou menos no mesmo horário. É assim que seu cérebro sabe mais ou menos que horas o dia começou e que horas mais ou menos acabou e que horas tem que dormir. Isso meio que ajusta seu reloginho interno para a hora de dormir à noite."
"Na hora que o sol se põe o ideal é apagar o máximo possível de luzes. Mas aí vai ficar no escuro? Não, o que dá para fazer é ligar luminárias, ou luzes indiretas, sem uma lâmpada apontada diretamente para o campo de visão. Além disso, evite luzes fortes, especialmente brancas e azuis. Troque por luzes amarelas ou laranjinhas, mais fracas."