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Mentir no currículo deveria ser crime? Ou isso é exagero?

Cinco executivos de recursos humanos dão sua opinião sobre o projeto de lei que quer mandar para a cadeia quem tenta enganar as empresas nos processos de seleção

Mentir no currículo é crime (Ilustração: Nik Neves)

Mentir no currículo é crime (Ilustração: Nik Neves)

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Da Redação

Publicado em 28 de novembro de 2013 às 17h38.

São Paulo - O deputado Carlos Bezerra (PMDB-MT) pediu em fevereiro de 2011 o desarquivamento do projeto de lei que transforma em crime as mentiras nos currículos (PL 6561/2009). O argumento é que o atual código penal prevê pena apenas para as falsidades documentais, e nada cita sobre a falsidade de currículos. Para ele, inserir informações falsas nesse documento para causar danos a uma pessoa ou satisfazer um interesse pessoal (como ajudar alguém a obter um cargo, passar em concurso público ou conseguir uma bolsa de estudo) é factível de detenção de dois meses a dois anos.

O projeto está em análise na Câmara dos Deputados, mas nas empresas o processo seletivo já toma mais tempo da equipe de RH. Por causa das mentiras, os profissionais redobram a atenção nas entrevistas, pedem provas das informações descritas no currículo e ligam para conhecidos para averiguar possíveis falsidades.

O prejuízo é o tempo: segundo um dos executivos de RH convidados para este fórum, o processo de seleção dura de 20 a 30 dias por causa dessa sondagem necessária. Sendo assim, a lei ajudaria no processo? Veja o que pensam os executivos Fernando de Carvalho, diretor de RH da Statoil; Lúcia Alcover Breves de Menezes, diretora de gente da Construtora Andrade Gutierrez; Miguel Angel Bermejo, diretor de RH para a América Latina do Hyatt; Renata Vilas Boas Prudente, diretora de RH e administração da Claro; e Vladimir Barros, gerente executivo de RH da Ale Combustíveis.

Miguel Angel Bermejo, Diretor de RH para a América Latina do Hyatt:

Atrás de uma lei assim está o interesse de alguns advogados que querem ganhar mais trabalho para eles, que já ganham bastante com processos trabalhistas. Quem mente no currículo tem problema de integridade, mas não é pela lei que se corrige isso. Além disso, a lei é de duvidoso cumprimento e de pior fiscalização. Como o governo vai fiscalizar isso? Acho que é responsabilidade da empresa validar se a informação que está no currículo é certa ou errada. Você consegue enxergar coisas inconsistentes no documento, como datas que não batem. E, se a pessoa fala que tem inglês fluente, você aplica um teste para validar.

À vezes, a pessoa acha que tem um inglês fluente, e no teste você percebe que é básico. Nem sempre isso é uma mentira, pode ser um problema de percepção. O mesmo pode acontecer, por exemplo, quando uma pessoa omite no currículo uma empresa da qual foi demitida. Isso não é mentira; é omissão. Vamos processar a pessoa? Nós usamos o currículo apenas como forma de triagem, mais para saber se a pessoa já trabalhou no setor ou não. E damos ênfase à atitude dela — checamos isso com dinâmicas de grupo ou pedindo que nos conte como agiu numa determinada situação. Isso mostra tendências de comportamento.”


Vladimir Barros, Gerente executivo de RH da Ale Combustíveis:

Criminalizar a mentira do currículo não seria necessário. A gente tem um processo rigoroso de conferência de documentação, certificados e informações e exigimos provas de tudo o que é importante. A empresa que não faz isso é que falha. Se a pessoa apresenta um documento falso, como uma carteira profissional ou um diploma, aí sim é crime, já previsto na lei de falsificação de documentos. Já aconteceu de identificarmos no processo de seleção um dado de escolaridade que não batia.

A pessoa informava no currículo que tinha concluído o curso, mas, na hora de apresentar o certificado, revelou que nunca o tinha terminado. Uma pesquisa da Control Risks Group, que acompanhou 10 000 programas de seleção, mostra que 34% dos candidatos mentiram no histórico profissional e que 32% forjaram dados de escolaridade. O prejuízo, para nós, é o tempo perdido: a seleção dura em média de 20 a 30 dias porque envolve a conferência de informações. Ainda assim, eu acho a lei desnecessária, pois a maior punição para a pessoa, antes de enganar a empresa, é enganar a si mesma.”

Renata Vilas Boas Prudente, Diretora de RH e administração da Claro;

É um crime, sim, pela falsidade e falta de ética. Mas não acho que seja caso de cadeia. Acho que a pena poderia ser uma prestação de serviço comunitário, como pintar uma creche, limpar um asilo, plantar um jardim, ou uma multa. A lei precisa ser educativa, porque as pessoas que mentem podem não ter noção de que estão agindo errado. Há um ano, nós tivemos um candidato que falsificou o documento de outra empresa. Ele tinha passado num processo seletivo na Claro e apresentou uma pretensão salarial de 6 000 reais a mais do que estava na sua carteira de trabalho.

Quando o questionamos, ele disse que tinha acabado de passar num processo para trabalhar no exterior e que ganharia os 6 000 reais a mais. Pedimos que ele comprovasse o fato, e ele nos mandou um e-mail com o logo da empresa, o nome da pessoa e a mensagem — tudo falso. Descobrimos porque entramos em contato com a executiva de RH da companhia no exterior, e ela nada sabia da história.

Quando comprovamos a mentira, o candidato estava há quatro horas na Claro, já participando do processo de seleção. Ele foi imediatamente desligado. E na hora perguntou: ‘Vocês estão me desligando só porque menti o meu salário?’. O envio do currículo é uma preparação para um contrato de trabalho. A gente acredita que a empresa e o candidato estão agindo de boa-fé e se preparando para um relacionamento de longo prazo. Se a pessoa mente, é falha de conduta. Falso testemunho é crime.”


Fernando de Carvalho, Diretor de RH da Statoil:

Quem vai propor uma ação criminal contra a pessoa? A empresa? Acho difícil. Existem duas mentiras possíveis num currículo, a objetiva e a subjetiva. A objetiva é quando o candidato mente sobre a experiência profissional ou sobre o estudo. Essa é fácil de averiguar e, se comprovada, a companhia tira a pessoa do processo. Nesse caso, o mercado se autorregula. Já a mentira subjetiva é difícil. É quando o funcionário diz que cuidava de um processo inteiro e na verdade era responsável só por uma parte.

Mas, na cabeça dele, ele era responsável por tudo. Nos dois casos, acho que a lei é desnecessária. Em seis anos de RH, eu presenciei dois casos de mentira no currículo, de formação acadêmica. E eram profissionais num nível de serenidade que a experiência profissional contava mais do que se tivessem feito MBA no Chile ou no México. Como o currículo ainda é muito usado nas áreas técnicas, como engenharia e geociência, nós aumentamos a frequência com que checamos as informações. Também contratamos empresas que verificam as referências e, em alguns casos, até os antecedentes criminais.”

Lúcia Alcover de Menezes, Diretora de gente da Construtora Andrade Gutierrez:

A mentira no currículo não deixa de ser falsidade ideológica. Mas se você tem um processo de seleção criterioso, com profissionais treinados, inclusive nas pontas, a mentira é detectada facilmente. E é possível checar as informações com antigos empregadores ou conhecidos. As pessoas já tendem a florear as palavras no currículo — ‘enfeitar o pavão’, como se diz por aí.

No começo da minha carreira, em outra empresa, fiz um trabalho de reestruturação de cargos e salários e pedi que cada funcionário descrevesse sua função. Um deles disse que administrava a correspondência da empresa — era o garoto do malote. Mas isso não é mentira. Agora, quando a pessoa escreve que fez isso ou aquilo, que sabe isso ou aquilo, e na verdade nunca o fez, isso demonstra um desvio de caráter. Se a pessoa já tem um desvio e é enviada para a prisão, ela pode sair pior. A cadeia, portanto, não é a solução. Acho que deveria existir uma punição, algo que fizesse a pessoa parar e pensar no que fez, como um trabalho voluntário.”n

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