Este texto é para você, Geração Z, que nunca viu um fax funcionando, e também para você, cringe saudosista (Rafael Henrique/SOPA Images/LightRocket/Getty Images)
Bússola
Publicado em 6 de outubro de 2021 às 14h11.
Por Rodrigo Pinotti*
Segunda-feira, 4 de outubro de 2021. Meio-dia. Caiu tudo — WhatsApp, Facebook, Instagram foram os mais famosos, mas o Teams também deu pau (isso a Globo não mostra), a internet inteira oscilava e, catástrofe das catástrofes, até o Telegram estava meio instável. Se o Twitter também tivesse saído do ar, seria o caos generalizado e a queda das Instituições da República.
O Facebook foi lançado em 2004, o WhatsApp em 2009 e, nesse meio-tempo, tivemos o Orkut — esses dias um moleque de 20 anos perguntou “o que esse app fazia?”, então melhor deixar para lá. A questão principal é que, nestas últimas duas décadas, muita gente entrou no mercado e conhece apenas esta realidade, sem nem desconfiar que tudo era muito diferente antes da internet mudar o jeito que nos relacionamos com os outros.
Este texto é para você, Geração Z, que nunca viu um fax funcionando. É também para você, cringe saudosista, que tirou onda esta semana quando o mundo voltou a ser analógico e se sentiu em casa de novo. E fica de registro para facilitar o trabalho de algum arqueólogo digital que daqui a 200 anos talvez esteja escavando os primórdios da rede para recontar a história destas décadas atrasadas:
Na segunda-feira, meu telefone começou a se comportar de uma maneira estranha, apitando sem parar e mostrando mensagens que eu nunca tinha visto, “chamada recebida” e “atender”. Apertei o botão verde e uma pessoa começou a falar sem parar, enquanto eu não achava o botão de pausar. Lembrei então que antes, nos escritórios, cada mesa tinha um telefone (juro), e que antes disso essa tecnologia era algo tão fantástico que você precisava ser acionista da empresa estatal que vendia as linhas para poder ter um em casa. Usávamos o telefone até para pedir pizza, veja você. Sim, o telefone ainda existe e pode ser uma ferramenta fantástica — falar com as pessoas é muito mais rico e com mais elementos do que apenas escrever uma mensagem, e o uso do tom de voz e da fluência de uma conversa ajuda a evitar muitos mal-entendidos. Para questões sérias, prefiro sempre um telefonema a uma mensagem.
Hoje todo mundo reclama de gente que grava podcasts no WhatsApp, mas antes das redes sociais e dos apps de mensagens todas as conversas eram feitas em áudios. A diferença é que o áudio era ao vivo e instantaneamente apagado: não ficava gravado em lugar nenhum, a não ser que você usasse um gravador (essa é outra história). A interação social presencial talvez nunca mais seja a mesma após a internet e a pandemia, mas ela traz vantagens inegáveis, como o supracitado tom de voz e a linguagem corporal — não, não é a mesma coisa que fazer pelo Zoom. Fora que é possível rachar uma cerveja ou ter companhia para o almoço, se sobrar tempo.
Eu sou jornalista de formação e comecei minha carreira em redações, onde se dizia que lugar de repórter é na rua. Não sei como é hoje, mas sei que as pessoas precisam sair muito menos para resolver seja lá o que for. O deslocamento físico ainda é realidade para muitos trabalhadores (no comércio, nas indústrias etc), mas nos últimos tempos tornou- se uma opção quase nunca escolhida para o pessoal dos pisos corporativos. Há uma cena de De Volta para o Futuro III na qual Doc Brown conta para um cowboy do Velho Oeste que, no futuro, as pessoas corriam por diversão, e o cowboy solta uma gargalhada. Bem-vindo ao futuro.
Antes da internet, se tínhamos alguma dúvida sobre algo, nós perguntávamos para outras pessoas que supostamente sabiam mais do que a gente (ou que enganavam bem), ou procurávamos informações em objetos feitos de papel, com letras dentro, chamados livros. Corrijo-me: até existiam tutoriais, mas em formato de livros — ou manuais. Talvez valha a pena refazer a biblioteca para o caso de o mundo acabar — ou deixar algumas baterias extras carregadas para o Kindle.
É verdade, ninguém tirava fotos da comida. Juro. As pessoas conversavam durante o almoço — o que, pensando em termos pandêmicos, é realmente um pouco nojento. Se você estivesse sozinho, também podia-se ler uma coisa que se chamava revista.
Por isso havia algo chamado Caligrafia, que supostamente servia para aprendermos a desenhar as letras de forma bonita. A eficácia disso é duvidosa, visto que muitas pessoas (como eu e todos os médicos do mundo) nunca conseguimos deixar de produzir apenas um garrancho indecifrável. Se era o caso de mandar uma mensagem escrita antes do WhatsApp, pois, escrevíamos em um pedaço de papel. Se fosse pequeno, chamávamos de bilhete. Se fosse grande, chamávamos de carta. Não, o email também não existia.
Por conta de tudo o que vai acima, a vida passava mais devagar. Afinal, prestar atenção nas pessoas, ir fisicamente aos lugares, procurar coisas na biblioteca, tudo isso consome mais tempo. Claro, a produtividade no trabalho subiu com as ferramentas online, assim como a qualidade e a capacidade criativa de todos (OK, há controvérsias sobre este último ponto e o Ctrl+C / Ctrl+V está aí para me desmentir). Por outro lado, nossa capacidade contemplativa diminuiu, e isso talvez esteja realmente fazendo muita falta para todos.
O novo nem sempre é ruim. Pelo contrário, o novo é feito para ser ótimo. Mas o velho muitas vezes ainda é capaz de nos ensinar lições preciosas. No passado, muita coisa era mesmo mais difícil. Mas, asseguro, podia ser bem mais divertido do que é hoje.
*Rodrigo Pinotti é sócio-diretor da FSB Comunicação
Este é um conteúdo da Bússola, parceria entre a FSB Comunicação e a Exame. O texto não reflete necessariamente a opinião da Exame.
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