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Qual o impacto da saúde digital e o que o setor precisa para avançar

Temos um caminho razoável a percorrer para alcançar todo o potencial para uma assistência farmacêutica segura, ágil e informatizada

Apesar de todos esses benefícios, o que nos impede de ter essas tecnologias implementadas de forma sistêmica? (Germano Lüders/Exame)

Apesar de todos esses benefícios, o que nos impede de ter essas tecnologias implementadas de forma sistêmica? (Germano Lüders/Exame)

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Julia Storch

Publicado em 12 de fevereiro de 2022 às 18h00.

Ter acesso a tratamentos com medicamentos e doses adequadas, no momento e pelo período correto parece simples, não? Entretanto, quando analisada de perto, a atividade de Assistência Farmacêutica responsável por esse acesso, diariamente desempenhada pelos serviços de saúde, enfrenta desafios complexos, especialmente quanto ao uso racional de medicamentos.

O uso racional de medicamentos é um conceito guarda-chuva reconhecido pela Organização Mundial da Saúde e pressupõe diversas estratégias voltadas para que a prescrição, dispensação e o uso de medicamentos ocorram de forma adequada e segura ao paciente, com menor custo e com amplo acesso pela sociedade. Esse tema é um desafio atual dos sistemas de saúde de todo o mundo, incluindo o brasileiro, visando a otimização da gestão de tratamentos dos pacientes nos serviços públicos e privados.

Embora se saiba que o engajamento do paciente  seja essencial para evitar descompensações clínicas e até internações, de acordo com estudos citados no documento “Contribuições para promoção do Uso Racional de Medicamentos”, publicado pelo Ministério da Saúde em 2021, estima-se que 50% das pessoas que recebem uma prescrição de medicamentos não aderem aos tratamentos de forma adequada.

Esse dado se soma às conclusões de estudos de anos anteriores. Em 2019 o Conselho Federal de Farmácia, em pesquisa com apoio da Datafolha, constatou que 57% dos entrevistados que recebem uma receita, não usam o medicamento conforme orientado; e em 2014, a Pesquisa Nacional Sobre Acesso, Utilização e Promoção Do Uso Racional De Medicamentos evidenciou que 46,1% dos brasileiros apresentam algum tipo de conduta errada ao utilizar remédios.

Diante desse problema, o tema é abordado em discussões pelo Ministério da Saúde, agências reguladoras e conselhos profissionais, e vem sendo debatido por esses atores no Comitê Nacional para a Promoção do Uso Racional de Medicamentos (CNURM). Nessas deliberações ficam claros alguns problemas estruturantes, como a fragmentação entre os elos que unem o paciente na sua jornada de tratamento (médico, farmacêutico e equipe de acompanhamento), a baixa sistematização de dados e a falta de comunicação entre atores do sistema de saúde.

Diante desse cenário, a Saúde Digital, com incorporação de tecnologias de informação e comunicação (TICs), procura ser parte da solução desse gargalo, por meio da integração de sistemas e da comunicação rápida, eficiente e segura entre profissionais prescritores, pacientes e dispensadores.

Plataformas de prescrição eletrônica de medicamentos e os aplicativos que permitem que profissionais de saúde realizem o acompanhamento remoto e a adesão ao tratamento pelos pacientes são exemplos claros que operam em favor do uso racional de medicamentos. Assim como os serviços de telessaúde, essas tecnologias se destacaram durante a crise sanitária causada pelo coronavírus, quando o acesso remoto às orientações de saúde se tornou essencial.

Viabilizadas com a permissão da assinatura digital pela Lei 14.063/2020, as plataformas de prescrição eletrônica passaram a possibilitar a integração de ponta a ponta entre os atos de prescrição e dispensação — trazendo segurança sobre o conteúdo e uso da receita. Além de trazer de forma compreensível e legível orientações sobre o tratamento, eles podem ajudar prescritores por meio de ferramentas de suporte à decisão clínica, assim como no controle do histórico de tratamento dos pacientes e adesão (com consentimento expresso e inequívoco do paciente).

Além disso, a tecnologia, se devidamente regulamentada, poderia ser um modo de otimizar a vigilância sanitária no controle de duplas dispensações e fraudes no caso de receitas falsificadas.

Pensando nos serviços públicos, a prescrição eletrônica já foi reconhecida pelo Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde (Conasems) como ferramenta importante de ser considerada pelos gestores na mais recente publicação do “Instrumento de referência dos serviços farmacêuticos na Atenção Básica”. Ao ter o controle da prescrição e dispensação, as tecnologias poderiam auxiliar o gestor público na logística, inclusive por meio da identificação de gargalos de acesso na originação da receita e sua dispensação.

Apesar de todos esses benefícios, o que nos impede de ter essas tecnologias implementadas de forma sistêmica? Do ponto de vista normativo é preciso um direcionamento mais claro. Para além da regulamentação dos serviços de atendimento remoto em serviços de telessaúde, atualmente em destaque nas discussões principalmente no âmbito legislativo, é preciso estabelecer regras claras acerca da prescrição, dispensação e assistência farmacêutica remota, independentemente do tipo de medicamento.

Embora as prescrições eletrônicas tenham sido possibilitadas durante a pandemia, ainda carecem do acompanhamento normativo da Anvisa. As prescrições de medicamentos de controle especial, por exemplo, ainda dependem de talonário físico, embora seja indiscutível que a prescrição eletrônica, juntamente com um sistema de controle de dispensação inteligente, traria mais segurança e controle da dispensação destes medicamentos.

Avanços são esperados com os resultados da Consultas Públicas 1.018/2021 — que visa debater a regulamentação dos requisitos para emissão, prescrição, aviamento e dispensação das receitas de controle especial, antimicrobianos em meio eletrônico - e 1046, que propõe a revisão da Portaria 344/1998, que também prevê requisitos para receita de controles especiais.

Com relação a outros aplicativos remotos que possuem natureza clínica e terapêutica, de acompanhamento de tratamento do paciente, espera-se que alguma clareza seja atingida com a regulamentação de Software as a Medical Device que foi submetida a Consulta Pública neste ano (1035/2021). Ainda assim, em todas as situações, até que haja uma normatização, algumas incertezas dão espaço para questionamento sobre quais órgãos devem fazê-lo.

Por fim, não podem ser esquecidas as dificuldades de infraestrutura. O Ministério da Saúde, gestores estaduais e municipais deverão avançar do ponto de vista de conectividade e interoperabilidade para possibilitar integração dessas soluções na Rede Nacional de Dados em Saúde, como o próprio CNURM constatou; assim como o acesso à assinatura eletrônica com certificado digital.

Já do ponto de vista do setor suplementar, o acesso e compartilhamento de informações que possibilitem a visibilidade sobre a adesão do tratamento precisa também ser abordado e discutido com olhares que preservem a segurança mediante a Lei Geral de Proteção de Dados.

Esse é só o começo da história da saúde digital no Brasil. Temos um caminho razoável a percorrer para alcançar todo o potencial para uma assistência farmacêutica segura, ágil e informatizada. Os avanços dependem de esforços coordenados sistematicamente entre todos os atores da cadeia. Somente com a visão conjunta dos reguladores, empresas, assim como da sociedade civil, notadamente pacientes e profissionais de saúde, será possível estabelecer regulações e utilizar a saúde digital em favor do uso racional de medicamentos.

*Julia Cestari Santos é head de Public Policy da Nexodata, healthtech de receitas médicas digitais e Tatiana Kascher é head de Compliance da Nexodata, healthtech de receitas médicas digitais

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