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Omarson Costa: o nosso open a gente inventa

Enquanto a economia caminha por um cenário aparentemente caótico e fértil, onde tudo parece ser open, a geopolítica atua na outra ponta

Do open banking ao open marriage, vivemos um clima de liberou geral, não fosse a geopolítica (metamorworks/Getty Images)

Do open banking ao open marriage, vivemos um clima de liberou geral, não fosse a geopolítica (metamorworks/Getty Images)

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Publicado em 2 de maio de 2022 às 18h30.

Por Omarson Costa*

Na língua inglesa, a palavra open pode ser usada em uma miríade de contextos a partir de seu significado mais básico que é abrir. E nesta terceira década do século 21 ela está cada vez mais presente em nosso cotidiano. Já se deu conta? Open Finance, Open banking, Open insurance.

Não se limita ao mundo financeiro. O tecnológico nos traz as Open API, Open Software. Chegou até aos costumes: casais falam hoje em open relationship ou mesmo open marriage sem que um dos dois estapeie o outro; os queers são uma espécie de open gender. Liberou geral então como na música do Cazuza homenageada no título? Mais ou menos...

Onde isso começou?

Senta que lá vem história. Na virada dos séculos 15 para 16, os europeus despertaram de seu sonho medieval (ou seria pesadelo?). Portugal e Espanha se lançaram ao mar para confirmar o que diziam os mapas quase secretos de então e que davam notícia de outras terras nunca d'antes navegadas. Era o prenúncio do que conhecemos hoje por globalização. A ordem era sair da aldeia, do feudo e ir para o mundo.

Uma empreitada heroica daquelas só poderia ser sustentada com um Estado Forte, centralizador. "O Estado sou eu", declarou Luís XIV, sintetizando o que era o Absolutismo. Até que os europeus se cansaram das excentricidades de seus "homens-Estado" e, aos poucos, deram poder aos seus Legislativos.

A Inglaterra da Revolução Gloriosa ou a França da Queda da Bastilha, em 1789, deixaram claro que estávamos entrando na era do Legislativo. Os EUA nascem como nação independente. O mundo ganhava Constituições, abrindo (aos poucos, é verdade) direitos a quem não era divino ou representante Dele na Terra nem ungidos por eles.

Entramos no século 20 com Estados fortes que se engalfinharam em duas guerras e mudaram o foco do Legislativo para o Executivo, comandados não mais por monarcas, mas por presidentes e premiês eleitos - até mesmo Mussolini e Hitler o foram.

Vivemos um século sangrento, tenso, numa luta feroz entre independência e domínio seja no campo das ideias, no político e no econômico. O Estado voltava a ser forte, seja para conceder Justiça social ou para contê-la. Apesar de tanto enfrentamento, vivemos os 100 anos mais espetaculares no avanço das ciências. Fomos ao espaço, descobrimos a teoria da relatividade e o DNA. Abrimos o conhecimento.

Um desses avanços, ainda que inspirado na paranóia militar, foi a Internet, que se espalhou pelo mundo tal como um rastilho de pólvora. Abrimos o acesso à informação na virada do século 20 pro 21 e isso deu poder a grupos e empreendedores para buscarem soluções que os grandes monopólios do século 20 não nos deixavam.

A própria ideia de internet é "open". Uma rede de computadores descentralizada – para efeito desse argumento, vamos passar batido pelo fato de que o nó americano da rede é uma espécie de backbone da internet global.

A rede virou um manifesto de que a globalização só tem lado bom. Você faz amigos na Dinamarca, no Japão e no Peru, namora com um crush da Austrália, ajuda a combater a pobreza na África com um clique, enxerga a Terra do espaço com o Google Earth.

Só que os velhos modelos consolidados eram rentáveis e reagiram. As gravadoras não queriam abrir mão de seus royalties para deixar qualquer adolescente baixar o último álbum do Greenday pelo Napster. Os estúdios de Hollywood foram atrás de quem passava noite em claro para descarregar o último sucesso do cinema. Os jornais e revistas acabaram com a farra de notícias de graça e ergueram suas muralhas em torno de seu melhor conteúdo.

A tecnologia do século 21 quer solucionar e tornar a vida das pessoas mais fácil, libertando-as dos velhos monopólios. Abra o Spotify e tenha uma loja de discos inteira a sua disposição. Acesse a Netflix para ver o filme que quiser quando bem entender, sem ficar na fila da pipoca. "Open movies". rsrs

Os celulares que começaram o século atual como tijolos de plástico desengonçados, ganharam a eficiência dos microchips e microprocessadores, viraram computadores de mão e desbancaram o poder das operadoras de telefonia. Abra o smartphone e baixe uma infinidade de aplicativos que, na pior das hipóteses, deixam você fazer alguma coisa na versão free. Hoje temos Open APIs, plataformas básicas em cima das quais vários aplicativos podem ser gerados.

Nem as empresas de tecnologia, que são hoje muito mais poderosas que a maioria dos países, saíram ilesas. Os aplicativos fazem muita coisa e entregam valor por uma fração do preço daquelas caixas de software pelas quais a gente pagava caro. Antes mesmo dos apps, havia grupos de programadores em diversos movimentos independentes que desenvolveram comunidades de open source, ou seja, código aberto de programas. Em vez do Office para digitar um texto como esse, o Open Office...

As plataformas

Táxis tinham fama de tratar mal os clientes, serem caros e pouco acessíveis em horários alternativos. Foi também a experiência de Garrett Camp e Travis Kalanick em Paris. Daí surgiu a ideia do Uber, o sistema que conecta motoristas parceiros aos potenciais passageiros e oferecem viagens a qualquer hora e mais baratas que os serviços municipais.

As plataformas passaram a conquistar a atenção, primeiro dos consumidores que se sentiam mal atendidos, e depois do mercado, sempre ansioso para irrigar seus bilhões sobre a próxima grande ideia.

Os hotéis confortáveis são caros demais? Por que não alugar um quarto na casa de uma pessoa na cidade? Hello, AirBNB! Você não quer ir ao restaurante, pode comer até pratos de endereços prestigiados no sofá da sala sob o olhar atento do seu cachorro. Plataformas como o iFood conectam restaurantes a clientes por meio de um exército de pessoas em motos e bicicletas andando pela cidade com isopores nas costas.

Até mesmo um conhecido oligopólio do século 20 está sendo atingido pela open wave, o setor bancário. Qual o cliente gosta de ter de sair de casa e ir a uma agência para pagar uma conta ou pedir um empréstimo ou tirar dinheiro?

Os aplicativos de banco resolveram os incômodos das agências, mas com uma série de limitações e por preços nem sempre amigáveis para quem poderia extinguir aos poucos o custo do ponto fixo. Para desconcentrar o setor bancário, veio o open banking, a possibilidade de você fazer suas operações no sistema que for mais confortável. O open finance sugere o compartilhamento de dados entre os bancos com os quais nos relacionamos com o restante do sistema, dando-nos acesso a mais opções de serviços.

A lista é interminável. Mas todas as iniciativas esbarram desde o início ou quando fazem sucesso na barreira do status quo. Geralmente, essas soluções se instalam em áreas nas quais a regulação pelo Estado é fraca ou omissa, abrindo espaço para a judicialização. As gravadoras azucrinaram até que o Napster deixou de existir.

Hollywood tentou barrar o quanto aguentou, mas hoje vários estúdios têm suas próprias plataformas de streaming. O artista tem de ir aonde o povo está, já dizia Milton Nascimento...

Se o século passado foi a era do poder Executivo, a atual virou a do Poder Judiciário, tamanho o volume de conflitos mal administrados por legisladores e gestores. É arbitragem pra cá, jurisprudências pra lá e decisões monocráticas e colegiadas para todos os gostos até que os legislativos tomem uma decisão. E nem sempre para por aí. O Uber, por exemplo, foi proibido em certas cidades e banido da Colômbia.

Para onde vamos?

Na minha opinião, a quintessência da open fever são as moedas fiduciárias, como o dólar, o euro ou o nosso real. Depois da crise financeira de 2008, o desenvolvimento da tecnologia blockchain trouxe ao mundo uma moeda totalmente digital, sem reserva de valor real, o bitcoin. Menos de 20 anos depois, o bitcoin é apenas uma de centenas de criptomoedas que circulam sem passar por bancos nem por uma forte regulação de governos.

O sucesso das criptomoedas, a seguir assim, tira da mão do Estado uma de suas principais ferramentas, o controle do meio de pagamento, das reservas de moeda e, por consequência, a gestão da política econômica. Não à toa a China proibiu as criptomoedas e investe no Yuan Digital – para resolver a dor de quem não quer mais ir ao banco e tirar um valor em papel moeda para pagar um pastel na feira. Outros países, como Suécia, EUA e Brasil também estudam a medida, para não serem pegos de calças curtas.

A era Open tudo, ou Open X, é vendida com um espírito algo anarquista, porque ganha simpatia quebrando monopólios e/ou resolvendo dores reais dos consumidores e cidadãos. A tendência é as pessoas apoiarem os Uber e iFoods da vida.

Mas será que é tão anarquista assim, na real? Para quem perde mercado ou se relaciona com as plataformas na posição de elo mais fraco não é tão bacana. Recentemente, entregadores e motoristas de Uber, 99 e iFood organizaram um movimento de paralisação pedindo melhores condições de trabalho no Brasil.

Imagina-se que, depois de a onda das moedas descentralizadas e até a das DAOs (empresas descentralizadas) quebrarem na praia, teremos menor concentração de capital, certo? Not so fast!

O professor e escritor Scott Galloway sustenta que o que se chama de descentralização, na verdade, é uma "reconcentração" de poder: 9% das contas possuem 80% do valor de mercado de todos os NFTs na blockchain Ethereum; no caso do bitcoin, 2% das contas têm 95% de todo o valor acumulado enquanto apenas 0,1% dos mineradores da criptomoeda original respondem por metade de tudo o que é "extraído". Nem o Brasil é páreo para isso.

(Divulgação/Divulgação)

Open Tudo também tem outro problema: se algo dá errado quem é o bode expiatório? Se o bitcoin sai do ar e você perde acesso a sua carteira digital, você reclama com quem dentro de um sistema absolutamente descentralizado? Não vai ter um gerente pra xingar do outro lado da linha. No máximo um bot. Se tiver.

O que a economia abre, a geopolítica fecha

O que destoa nesse cenário aparentemente caótico e fértil da open economy (uso o termo em inglês só para não confundir com a abertura da economia no sentido comercial) é a geopolítica.

Temos basicamente 4 polos de poder político-econômico e militar no mundo atual. Rússia (militar e energético), China (econômico), Europa (econômico e científico) e EUA (ainda a maior potência). As duas maiores economias, China e EUA, cada vez mais se estranham e a pressão sofrida pelo Brasil sobre a presença da Huawei no leilão 5G é um exemplo disso.

Vladimir Putin com seu sonho da Rússia czarista fez uma jogada arriscada com a invasão da Ucrânia. Apostou no mesmo tipo de reação pró-forma com o qual o Ocidente reagiu quando da invasão da Crimeia em 2014. Só que dessa vez tomou pela proa sanções econômicas pesadas inclusive da Europa, dependente do gás russo para abastecimento energético.

A China não condenou nem apoiou explicitamente o Kremlin, mas entrou em conversas com a Rússia para desdolarizarem suas economias, num claro recado a Washington.

O cenário atual não parece que vá nos levar até a hecatombe nuclear tão temida na Guerra Fria. Mas as rusgas comerciais entre China e EUA vão aumentar e afetar relações comerciais no mundo todo, inclusive no Brasil, que sempre teve fama de exercer uma diplomacia de boa vizinhança sem bater de frente com nenhuma potência.

A geopolítica pode fazer a globalização entrar em ocaso no mundo, quebrando uma tendência geral de abertura que vem desde 1415 com a tomada de Ceuta (norte da África) pelos portugueses. Poderia a economia open tudo virar uma vítima dessa circunstância da história?

*Omarson Costa é diretor de negócios na Accenture e conselheiro de administração para empresas de vários setores

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