Tudo evoluiu, mas a comunicação não acompanhou (Enrique Marcarian/Reuters)
Bússola
Publicado em 3 de outubro de 2022 às 13h04.
Última atualização em 3 de outubro de 2022 às 13h18.
Por Ricardo Nicodemos*
Em 1968, um grande jornal da época apresentou o seguinte título para uma matéria: “Escassez alimentar no Brasil”, e o texto que seguiu nos dá uma boa ideia de qual era o cenário. “O Brasil terá de multiplicar por dez a atual produção de alimentos ou será forçado a parar o surto de industrialização por falta de divisas para pagar o crescente volume de importação de alimentos”, dizia o texto.
A situação mudou quando homens e mulheres — os nossos produtores rurais — arregaçaram as mangas, colocaram as mãos na enxada e no laço, e com a ajuda de pesquisadores e das indústrias, que investiram em inovação e em novas tecnologias, mudaram a realidade do país.
O resultado? Hoje somos autossuficientes, temos avançado muito em boas práticas e na sustentabilidade aplicadas no campo, aprendemos a produzir muito mais e em menos espaço, alimentamos nossa nação e somos uma potência nas exportações agropecuárias. Vendemos para cerca de 200 países e conquistamos posições de liderança em diversas culturas e rebanhos em todo o mundo. Definitivamente hoje, mais do que nunca, somos um país Agro.
Mas a comunicação não teve a mesma atenção e dedicação que a produção e, por isso, o agro ainda não construiu e não tem uma marca forte.
O setor até aprendeu a se comunicar, prova disso são as diversas emissoras de TV dedicadas integralmente a conteúdos voltados para a agropecuária ou as dezenas de revistas e portais segmentados extremamente importantes para o setor. Mas o agro fala para si mesmo, da “porteira para dentro”. É como se reuníssemos parentes em um domingo na casa da tia ou da vó e no almoço contássemos o que fizemos e o que conquistamos.
Sem contar a sua história para fora da porteira e sem se comunicar com a população urbana, o setor convive com mitos e constantemente vira refém dos ataques de detratores daqui e do exterior.
O produtor já sabe bem disso, tanto que na 8ª Pesquisa ABMRA Hábitos do Produtor Rural, 71% deles concordaram que o Agro precisa contar mais de sua história e sobre o seu futuro para ser mais valorizado pela população urbana.
A pesquisa da ABMRA também mostrou que apenas 42% dos produtores acreditam que a população que vive nos centros urbanos tem orgulho do agro brasileiro, ou seja, para o produtor o setor e o seu trabalho não são valorizados pela maioria das pessoas (58%).
O problema da comunicação do agro já se tornou sistêmico e de longa data é conhecido por todos que atuam na cadeia produtiva.
Em 2010, em seu discurso de abertura do Congresso Brasileiro do Agronegócio, o então presidente da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), Carlo Lovatelli, disse: “Repetimos insistentemente que a imagem do agronegócio brasileiro está mal na foto, tanto doméstica quanto internacionalmente, pois vive exposta a múltiplas interpretações, muitas delas sendo críticas negativas radicais e até mal-intencionadas, com situações que maculam gratuita e injustamente o setor. Não podemos assistir a esses ataques sem nos defendermos. Temos a consciência da importância da comunicação, mas o fato é que comunicamos mal.”
Quase uma década depois, em 2019, em uma outra edição do Congresso Brasileiro do Agronegócio, a então ministra da Agricultura, Tereza Cristina, convocou os representantes do agro para “ganhar a guerra da comunicação”. “Precisamos ganhar a guerra da comunicação e o agronegócio precisa se unir. É inadmissível que o agro tenha sido bombardeado pela mídia nacional falando que nosso alimento é inseguro, isso é uma inverdade”, declarou a Ministra.
Mais recentemente, em julho de 2022, em entrevista a um canal especializado no agro, o ministro da Agricultura, Marcos Montes declarou: “Internamente, lá atrás, o Brasil não conseguiu mostrar à população brasileira o valor do homem do campo e a importância que é a produção rural.”
Já passou da hora de fazermos algo concreto, assim como ocorreu lá atrás, em que líderes e produtores tomaram a decisão de mudar a situação de insegurança alimentar à qual o Brasil estava exposto.
Precisamos estimular a empatia da população pelos heróis sem capa que trabalham no campo — provendo o nosso alimento e matérias-primas para as indústrias — e incentivar a admiração pelo setor que hoje é a locomotiva da nossa economia.
É preciso observar e colocar em pratica as lições que os produtores nos ensinaram, dentre as quais destaco duas. A primeira, é que, se não trabalharmos e plantarmos, nada brotará da terra. Portanto, as teorias sobre o marketing e a comunicação do agro são ótimas, mas se não as colocarmos em prática, não mudaremos nada.
A segunda grande lição é que se faz necessário termos o espirito de cooperativismo, de ajuda mútua, de todos trabalharem tendo em vista um único objetivo: tornar o agro admirado e uma grande paixão nacional, assim como são o Carnaval e o futebol.
É chegada a hora de colocarmos mãos à obra, de sair da esfera do achismo e de botarmos em prática tudo aquilo que até aqui foi discurso teórico sobre a comunicação do agro.
Nós, profissionais de marketing e comunicação, temos de pensar grande, assim como é grande o nosso agro. Temos de criar e fortalecer a marca “Agro do Brasil”.
Para posicionarmos corretamente o agronegócio nacional e construirmos uma marca forte, precisamos conhecer e entender o que pensa o brasileiro sobre o setor, quais são suas percepções e o que o atrai ou afasta.
A pesquisa “Percepções Sobre o Agro. O Que Pensa o Brasileiro”, uma iniciativa do Movimento Todos A Uma Só Voz, trouxe descobertas e aprendizados que poderão nortear uma nova fase e nos levar, enfim, ao caminho para nos comunicarmos com a população urbana. Para dar uma ideia da dimensão desta pesquisa, 4.215 pessoas em todo o Brasil responderam a um questionário composto de 37 blocos de perguntas que permitem uma infinidade de análises. A amostra representa todos os estratos da população brasileira, além de todos os Estados terem sido cobertos.
No total da amostra pesquisada, a maioria (65%) declarou ter uma atitude positiva em relação ao agro. No extremo oposto, 22% indicaram que boicotariam o setor, enquanto que 43% seriam neutros. Diversos pontos de alertas foram levantados pela pesquisa, dentre eles, um dos que deve preocupar, é que a faixa etária com maior incidência das pessoas com tendência a serem desfavoráveis ao setor e que apresentam propensão a boicotar o agro é de 15 a 29 anos. Ou seja, os jovens de hoje podem ser os detratores de amanhã. Por isso, é preciso agir e muito rápido.
Mas não se engane ou pense que será rápido, simples ou fácil. Precisamos mais uma vez aprender com o trabalho no campo e sermos persistentes.
Precisaremos ter a paciência dos produtores de maçã ou os de uva, por exemplo, que esperam até três anos para realizarem suas colheitas. Assim também será o nosso desafio: plantar, regar, monitorar, acompanhar e só depois colher os resultados.
Tenho dito que não há fórmulas ou receitas prontas para desenharmos uma boa estratégia de comunicação. O que foi bom para um produto, uma marca ou mesmo para um setor pode não ser adequado para o nosso caso.
A experiência liderando projetos e campanhas de construção ou reposicionamento de marcas me credenciam a orientar que, para termos êxito em um desafio como esse — de tornar o agro admirado pela população brasileira e consequentemente em uma paixão nacional — é importante nos apoiar em três elementos chaves: ‘consistência’, ‘sequência’ e ‘frequência’.
Precisaremos trabalhar com ‘consistência’ nas informações, que devem sempre ser verdadeiras e baseadas em ciência, fatos e na história. E histórias de conquistas e de vitórias é o que não nos falta para contar.
Segundo, é necessário que haja uma sequência de mensagens para que as informações sejam bem exploradas e assimiladas pelos interlocutores (pelos próprios produtores e por toda a população brasileira).
E, por último, mas não menos importante, é preciso que haja ‘frequência’, ou seja, faz-se necessário que a comunicação não se limite a poucas grandes ações, mas, sim, que seja frequente, contínua e perene.
Também precisamos unir toda a cadeia produtiva, envolvendo os Órgãos de pesquisa, a academia, as indústrias de insumos e de máquinas agrícolas, revendas, associações, produtores, indústrias transformadoras, os veículos de mídia, os influenciadores e comunicadores regionais, o varejo, até chegarmos ao consumidor urbano.
Precisamos fazer com que todos esses personagens atuem sob uma única narrativa e com a mesma mensagem. Será desta forma que conseguiremos construir e fortalecer a marca Agro do Brasil, sermos imbatíveis como nação e, finalmente, reconhecidos como o país do agro e o verdadeiro celeiro do mundo.
*Ricardo Nicodemos é presidente da Associação Brasileira de Marketing Rural e Agro (ABMRA) e idealizador e mentor do Movimento Todos A Uma Só Voz
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