Márcio de Freitas: O salto Louboutin do poder
As ponderações humildes como sandálias havaianas de Arthur Lira não foram páreo para os saltos vermelhos que pisaram na passarela do Congresso na PEC da Transição
Bússola
Publicado em 25 de novembro de 2022 às 17h30.
Última atualização em 25 de novembro de 2022 às 18h12.
A sola dos saltos da caríssima grife francesa Louboutin e a estrela do Partido dos Trabalhadores têm em comum a cor vermelha. A coincidência talvez explique o salto alto que o partido calçou na negociação com o Congresso na PEC da Transição. A velha democracia centralizadora entrou na passarela logo após a vitória de Lula, determinando quando e como deveriam votar deputados e senadores para viabilizar promessas da campanha de Lula.
O presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), fez ponderações humildes como sandálias havaianas, mas foi ignorado. Correram os articuladores ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que comprou o projeto na planta. O governo eleito pediu R$ 200 bilhões para pagar o auxílio de R$ 600 em 2023. A Comissão Mista de Orçamento falava em R$ 80 bilhões. À conta se anexaram ainda farmácia popular, obras de infraestrutura etc. Coração de presidente eleito é como o de mãe… sempre cabe uma despesa a mais.
Mas não houve entrega da proposição legislativa, nem se abriram conversas sobre conteúdo ou valores, nem se mencionou de onde viria o ervanário – que é simplesmente uma opção fura teto antes da demolição do instrumento implantado na gestão Michel Temer. Projetos alternativos ocuparam o vazio no Senado. A coisa ficou insustentável.
Revelou-se então que o novo governo é ainda um movimento sem teto (o Palácio do Planalto ainda ocupado por Jair Bolsonaro) e sem base de sustentação parlamentar, ainda em processo de organização. Curiosamente, o país tem dois presidentes nestes dias, um terminando seu mandato abdicou de exercitar e nada fala em público, até por não engolir a derrota – que questionou no TSE. Lula não fala por ter feito uma recente cirurgia na garganta.
Por falta de orientação de lideranças presidenciais, a coisa não andou. Primeiro, porque o Congresso é bicameral. Aprova-se na Câmara primeiro, depois no Senado. Ou contrário. Vale tudo, desde que se alcancem os votos necessários, 308 deputados e 49 senadores. É bom lembrar: Lira teve a melhor relação com Bolsonaro e tomou conta do Orçamento da União através das emendas de Relator, o chamado orçamento secreto. Tem direito a disputar mais um mandato em fevereiro e não tem adversários reais.
E avança de forma independente do futuro governo para mais um mandato em fevereiro, carregando atrás de si o amplo Centrão.
A falta de diálogo e o velho hábito de achar que o Congresso aceitará os termos do novo governo inverteram o jogo. E agora colocam em dúvida a capacidade política da equipe de transição. Prova-se portanto que o grande desafio não é fazer belo discurso de vitória, como Lula o fez, mas unir os dois brasis que votaram no segundo turno. Eles estão aí em frente aos quartéis ou assistindo à Copa do Mundo. O pragmatismo de governo determina que se faça mais cálculo, mais conversas para que aquele belo discurso seja um fato, a começar na necessária relação política. E tudo tem que ser muito rápido.
Esse é um problema do salto alto, ele não permite grande mobilidade nem agilidade, por mais belo e caro que seja. Melhor seria calçar a velha sandália da humildade para começar a enfrentar os muitos desafios do próximo governo.
*Marcio de Freitas é analista político da FSB Comunicação
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