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Como a energia nuclear pode impulsionar a descarbonização global: desafios e oportunidades

A expansão da energia nuclear pode ser estratégica para reduzir as emissões de carbono, mas enfrenta desafios significativos em termos de segurança, gestão de resíduos e não-proliferação. Confira a coluna de Mariana Nascimento Plum

A expansão da energia nuclear é uma alternativa estratégica para a descarbonização global (zhongguo/Getty Images)

A expansão da energia nuclear é uma alternativa estratégica para a descarbonização global (zhongguo/Getty Images)

Mariana Nascimento Plum
Mariana Nascimento Plum

Diretora executiva do Centro Soberania e Clima – Colunista Bússola

Publicado em 26 de junho de 2024 às 10h00.

Com a urgência de migrar para uma economia de baixo carbono, a energia nuclear vem se apresentando como uma solução capaz de complementar outras fontes renováveis: é limpa, não emitindo gases de efeito estufa durante sua operação; e constante, operando de forma contínua e produzindo energia de maneira estável e previsível. Nesse contexto, a energia nuclear está vivendo um renascimento à medida que mais países anunciam a construção de plantas nucleares como alternativa aos combustíveis fósseis.

Na COP28, 22 nações se comprometeram a triplicar a capacidade global de energia nuclear até 2050, com o objetivo de acelerar a descarbonização e reduzir significativamente as emissões de carbono, contribuindo para a mitigação das mudanças climáticas. 

Segundo a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), a capacidade de geração elétrica nuclear pode aumentar em 140% até 2050. Hoje, a energia nuclear é responsável por 10% da geração de energia global. Se esse cenário de crescimento se concretizar, esse percentual saltará para 24%. Contudo, a expansão desse setor traz desafios complexos, especialmente no que diz respeito à segurança, não-proliferação e gestão de resíduos nucleares.

Segurança

A expansão da energia nuclear traz questionamentos sobre segurança, prevenção de acidentes e adequação das normas. O aumento de reatores intensifica a preocupação com a manutenção de altos padrões de segurança que impeçam acidentes nucleares.

O mundo ainda não esqueceu os acidentes ocorridos nas usinas de Chernobyl (1986) e Fukushima Daichii (2011), que resultaram em contaminação ambiental, mortes e exposição à radiação com consequências de longo prazo para a saúde humana e o meio ambiente. Os dois acidentes provocaram crises na indústria nuclear global, afetando a percepção global e levando diversos países a repensar a opção pela energia nuclear por conta dos riscos associados

Durante a Guerra da Ucrânia, os ataques da Rússia contra a usina de Zaporizhzhia suscitaram debates sobre a construção de usinas nucleares em áreas de conflito e a necessidade de normas internacionais para garantir a segurança das instalações em zonas de guerra. As ações da Rússia levantaram questionamentos sobre a violação do Protocolo I da Convenção de Genebra, que proíbe ataques a usinas nucleares, configurando-os como crimes de guerra. 

Além disso, discute-se se esses ataques poderiam ser considerados como uso de armas nucleares, devido ao seu potencial de gerar incidentes radiológicos catastróficos e escalar o conflito para uma guerra nuclear.

Resíduos Nucleares

Embora a energia nuclear produza baixos níveis de emissão de carbono, gera resíduos tóxicos que permanecem radioativos por milhares de anos. Atualmente, muitos países ainda armazenam resíduos em instalações temporárias. Soluções permanentes são escassas e complexas.  

O crescimento da atividade nuclear, conforme o compromisso estabelecido na COP28, resultará no aumento dos resíduos, demandando a criação de novos locais de armazenamento seguros e permanentes.

A Finlândia tem sido pioneira ao desenvolver o primeiro depósito geológico profundo, previsto para entrar em funcionamento em 2025. Além de demandar altos investimentos para a sua construção, ainda há dúvidas sobre sua viabilidade a longo prazo.

 Não-Proliferação de Armas Nucleares

A expansão da energia nuclear exige um robusto sistema de verificação e monitoramento para garantir que seu uso pacífico não contribua para a proliferação de armas nucleares. O sistema de salvaguardas da AIEA e os controles de exportação multilaterais são fundamentais nesse cenário, uma vez que a introdução de novos tipos de reatores e combustíveis apresentará outros desafios.

Dessa forma, a utilização da energia nuclear deve ser conduzida de acordo com os mais altos padrões de segurança e com as normas internacionais de não-proliferação, impedindo que a busca por segurança energética cause insegurança militar. Isso não pode significar, contudo, uma limitação de acesso aos benefícios da tecnologia nuclear para aqueles países que já renunciaram às armas nucleares e que já cumprem com diferentes requisitos estabelecidos em seus acordos de salvaguardas com a AIEA. 

É importante frisar que a energia nuclear não é proibida. O Tratado de Não-Proliferação Nuclear (TNP), assinado em 1970, foi construído sobre três pilares: não-proliferação de armas nucleares, desarmamento nuclear e garantia do uso da tecnologia nuclear para fins pacíficos. O artigo IV do TNP enfatiza que o acesso à tecnologia nuclear para fins pacíficos é um direito inalienável de todos os Estados-Partes do Tratado.

O caso Brasileiro

O Brasil possui duas usinas nucleares, Angra 1 e Angra 2, que contribuem com 3% da matriz energética. A construção de Angra 3, iniciada em 1984, foi paralisada dois anos depois devido à crise financeira, retomada em 2010, interrompida novamente em 2015 e deve ser retomada em 2025, com previsão de conclusão em 2030. O projeto já consumiu R$7,8 bilhões e estima-se que serão gastos mais R$20 bilhões para sua finalização, em uma clara demonstração dos esforços financeiros e operacionais necessários para viabilizar a opção nuclear.

A gestão de resíduos nucleares também é uma questão crítica para o Brasil. Enquanto os resíduos de Angra 1 e 2 são armazenados nas instalações onde as usinas estão localizadas, há uma quantidade significativa de lixo radioativo depositado em diferentes cidades brasileiras e que precisa ser removido para sítios adequados. Contudo, não há decisão sobre quais serão os novos locais de armazenagem, já que o poder público das cidades cogitadas para esses depósitos manifestou contrariedade em receber o material.

O Brasil tem potencial para desempenhar um papel significativo na cadeia produtiva internacional de energia nuclear, especialmente no fornecimento de urânio e na pesquisa de novas tecnologias. O país possui a 7ª maior reserva de urânio, com possibilidade de ser a 3ª após maior prospecção. 

Além disso, o Brasil é um exemplo de Estado Não-Nuclearmente Armado com programa nuclear desenvolvido e de acordo com normas internacionais de não-proliferação e segurança de instalações, além de ter estabelecido em sua Constituição a proibição de desenvolvimento de armas nucleares.

Na semana de  17 de junho de 2024, o Diretor Geral da AIEA, Rafael Grossi, esteve no Brasil para diversos encontros com autoridades brasileiras. Na ocasião, destacou: "O Brasil é uma potência global e tem uma tradição nobilíssima, tecnológica e política na indústria nuclear (...) Um debate energético global sem o Brasil nuclear não faz sentido."

Conclusão

A expansão da energia nuclear é uma alternativa estratégica para a descarbonização global. O aproveitamento dos benefícios dessa fonte de energia, de maneira segura e sustentável, exige atenção cuidadosa aos desafios de segurança, gestão de resíduos e não-proliferação de armas nucleares, além de investimentos em inovação tecnológica, fortalecimento da colaboração internacional e garantia da transparência em todas as etapas do ciclo nuclear. Liderando o G-20 este ano, o Brasil deve aproveitar a oportunidade para promover uma agenda que assegure uma transição energética justa e equitativa, permitindo que o acesso à energia nuclear seja de fato um direito inalienável de todos os países.

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