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Cigarros eletrônicos: proibir não significa controlar

Entenda o motivo do porque proibir a comercialização dos DEFs não dará certo

O mercado de dispositivos eletrônicos para fumar está em ascensão, especialmente entre os jovens (Joe Raedle/Getty Images)
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Bússola

Publicado em 21 de outubro de 2022 às 15h00.

Última atualização em 21 de outubro de 2022 às 15h24.

O mercado de dispositivos eletrônicos para fumar (DEFs) existe no Brasil e está em pleno crescimento. Segundo o Inquérito Telefônico de Fatores de Risco para Doenças Crônicas não Transmissíveis em Tempos de Pandemia (Covitel), pelo menos 20% dos jovens de 18 a 24 anos usam DEFs. Considerando toda a população, o índice de consumo é de 10,1% entre os homens e 4,8% entre as mulheres.

No entanto, como não há produção e comercialização lícita de DEFs no País, toda essa gigantesca demanda é 100% atendida pelo mercado ilícito transnacional, sem qualquer controle da Anvisa sobre componentes e inalantes do produto. Tanto que a Receita Federal anunciou um crescimento de 600% na apreensão desses itens, entre 2020 e 2021, com acentuada curva de crescimento.

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Diante do fato comprovado de que esse mercado ilícito existe, uma política pública de proibição ou regulamentação da produção e comércio desses produtos deixa de ser um debate exclusivamente associado ao campo da saúde. A iniciativa passa a ser, também, um debate sobre segurança pública, a força e capacidade fiscalizatória do Estado brasileiro para evitar que seja criada uma “reserva de mercado” aos fornecedores de DEFs ilegais.

O controle de produtos provenientes do mercado ilícito transnacional é um problema público internacional, exatamente pelos efeitos que as externalidades negativas causam, como o enriquecimento do crime organizado e a promoção da violência criminal, da vitimização e da corrupção nos locais onde se estabelece. Nos casos de itens de uso contínuo como cigarros, álcool, medicamentos e defensivos agrícolas, é preciso acrescentar os riscos à saúde, sem qualquer tipo de controle sobre a composição, manuseio e forma de consumo, além do baixo controle sobre o uso por parte de menores de 18 anos.

É preciso lembrar que o comércio de produtos controlados segue a mesma lógica e leis de mercado de produtos não controlados: a demanda contínua de produtos provoca necessariamente a organização de uma oferta, que em escala estrutura-se como um mercado com ativas cadeias de distribuição. A proibição ou não de venda apenas define o tipo de mercado que irá atender a demanda instalada: se lícito ou ilícito.

Por isso, hoje é consenso entre os fóruns econômicos que monitoram mercados ilícitos transnacionais, como a OECD Task Force Countring Illicit Trade6 e o Forum de Illicit Trade da Unctad, que o controle de mercados ilícitos depende profundamente da capacidade de enforcement governamental, em cooperação com os setores privados legais, por meio de regulamentação e produção de informação estratégica.

Essa estratégia no caso de produtos controlados, como o cigarro, a bebida alcoólica, remédios e defensivos agrícolas, tem se tornado regra na maioria dos países desenvolvidos. Há uma combinação de regras sanitárias, tributação ajustada e real capacidade de impor enforcement.

No caso dos DEFs, além das nações europeias, como Reino Unido, França, Áustria, Espanha, Suécia, Suíça, Alemanha e outros, pelo menos outros 60 países aplicam diferentes formas de regulação, com a adaptação da legislação de cigarros tradicionais ou com a criação de legislação ou normatização interna específica. Entre eles: Estados Unidos, Canadá, Colômbia, Israel, Japão e África do Sul.

No Brasil, o Estado não é uma referência de capacidade de controle de mercados ilícitos transnacionais. E, infelizmente, no caso dos DEFs, não seguimos a lógica e o consenso internacionais. O regime proibicionista, combinado com o baixo desempenho de enforcement, criou a reserva de mercado para os operadores ilícitos avançarem sobre 20% dos consumidores jovens entre 18 e 24 anos, uma população três vezes maior que os consumidores de drogas.

Os DEFs não podem ser tratados como um mercado novo, eles são um produto novo de um mercado legal antigo, aceito e rigorosamente regulado. Sendo assim, não faz sentido o Estado proibir um novo produto de um mercado legal, com demanda instalada. Não há chance de isso dar certo. Se há demanda é fundamental que seja formado um mercado lícito, através da regulamentação, como ocorre em inúmeros países ao redor do mundo.

*João Henrique Martins é cientista político especializado em economia ilícita

e políticas de controle do crime organizado

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