Bússola Poder: o tribunal eleitoral do capitão
Bolsonaro pode até não alcançar a vitória total, mas vai ganhando terreno e escalando aliados fortes para o enfrentamento político
Analista Político - Colunista Bússola
Publicado em 19 de julho de 2024 às 17h00.
O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) montou algo a mais do que uma simples estratégia eleitoral para as disputas municipais deste ano: converteu a campanha num tribunal popular sobre si mesmo para enfrentar a avalanche de acusações que responde na Justiça. Ao dar seu apoio a cada candidato nas cidades brasileiras, criou uma vanguarda alinhada com seus posicionamentos ideológicos. São soldados que ele converteu em advogados populares de sua causa espalhados por diversas capitais, cidades grandes e pequenas.
O exército do capitão Bolsonaro tem soldados rasos, como os candidatos a vereadores nos rincões do país, mas também generais estratégicos em cidades de grande visibilidade midiática, seja na imprensa nacional ou nas redes sociais. Serão porta-vozes obrigatórios de sua defesa, alguns com autêntica indignação, outros por conveniência política, diante da força de transferência de votos demonstrada nas últimas eleições.
Os voluntários do exército do capitão têm respostas na ponta da língua para os crimes que são imputados ao seu líder nos casos das joias, da fraude no certificado de vacina, na organização de milícias digitais, na tentativa de golpe e no uso da máquina pública em favor do filho Flávio Bolsonaro, acusado de embolsar os salários dos funcionários de seu gabinete quando era deputado estadual no Rio de Janeiro. Eles falarão e postarão as justificativas às acusações, tornando o processo de escolha dos candidatos em uma espécie de tribunal popular para o ex-presidente.
Do Norte ao Sul, Bolsonaro tem rodado o país organizando sua linha Maginot para a batalha que passa pela eleição deste ano, que deve avançar até 2026 – pelo menos. Se uns foram voluntários no credo conservador, outros foram levados por pressão política a aderir aos dogmas impostos pelo ex-presidente diante do temor de enfrentar seus correligionários nas urnas. O maior exemplo disso é o prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB).
Na maior capital do país, com o maior eleitorado, maior visibilidade e maior cobertura midiática, Bolsonaro foi brindado pelo presidente Lula com um chamado para o enfrentamento. Aceitou o desafio e conquistou um aliado de peso: um prefeito que está no poder, com um volume de obras imenso e crescente aprovação administrativa. Nunes avança nas pesquisas de intenção de voto com consistência a cada aferição nos últimos meses.
O prefeito tem perfil conservador, mas moderado. De fala tranquila, posicionamentos equilibrados e gestão eficiente, Nunes não é bolsonarista raiz. Tem pontos de convergência com parte do eleitorado do ex-presidente. É católico e professa a fé. É liberal na economia, mas com doses equilibradas de responsabilidade social. Mas tem mais capacidade de diálogo com um arco de aliança política mais amplo e não é agressivo como Bolsonaro.
Dificilmente, Nunes estaria fora do segundo turno. Foi convencido, entretanto, que poderia enfrentar um representante do bolsonarismo e isso acabaria por favorecer o candidato da esquerda, Guilherme Boulos (PSOL), que conta com o apoio do presidente Lula. A síndrome de Rodrigo Garcia (PSDB), derrotado por Tarcísio de Freitas (Republicanos), pesou a favor de uma aliança com o PL de Bolsonaro.
Assim, Nunes foi convertido em grande general da estratégia de Bolsonaro. Em toda entrevista, sabatina, debate ou enquete que participe, o prefeito é questionado sobre sua relação com o ex-presidente. No lugar de falar sobre obras realizadas, entregas, melhoria de serviços públicos essenciais para a população, Nunes é obrigado a justificar a aliança e exercitar a advocacia em favor de Bolsonaro.
Bolsonaro pode até não alcançar a vitória total, mas vai ganhando terreno e escalando aliados fortes para o enfrentamento político que impacta no cuidado jurídico que tem transparecido no tratamento de seus processos. Alguns de seus aliados podem até morrer pelo caminho, assim como ele mesmo pode ser vítima desse processo. Esse é sempre o risco numa grande guerra.
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