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Bússola Poder: a fé anárquica do ateu

Esta semana, Márcio de Freitas analisa a eleição presidencial da Argentina, que terá votação final na próxima semana

“Aos brasileiros, cabe observar com atenção o que se passa na nação ao lado, polarizada e numa encruzilhada” (Diego Lima/AFP)

“Aos brasileiros, cabe observar com atenção o que se passa na nação ao lado, polarizada e numa encruzilhada” (Diego Lima/AFP)

Márcio de Freitas
Márcio de Freitas

Analista Político - Colunista Bússola

Publicado em 17 de novembro de 2023 às 17h34.

Um anarco-capitalista é um ateu que frequenta missa todo dia, e comunga. Anarco-capitalista é a autodefinição de Javier Milei sobre sua linha político-econômica. A anarquia política é fator de instabilidade permanente, tudo que os atores econômicos não desejam em suas planilhas de planejamento anual. Milei disputa o segundo turno com o peronista Sergio Massa na eleição presidencial argentina, com votação final no próximo final de semana.

Massa é o responsável pela política econômica do presidente Alberto Fernandez, que, diante da alta rejeição popular, desistiu de disputar a eleição e deixou a tarefa de defender seu governo ao ministro da Fazenda. A inflação da Argentina passa de 140% ao ano, sem dar sinais de se dobrar a qualquer medida de controle governamental. É uma situação de instabilidade de preços que afeta a planilha de planejamento dos empresários locais. Os preços elevados são anárquicos com a organização econômica atual.

Os números das pesquisas de intenção de voto também não permitem muita certeza sobre o resultado para o próximo presidente dos hermanos. Os dois disputam os votos dentro da margem de erro – e as pesquisas argentinas demonstraram ter grande intervalo de desconfiança (não confiança, que é padrão normal), pois são usuais em errar os prognósticos. Milei estava à frente em todas as aferições no primeiro turno, mas Massa surpreendeu quando as urnas foram abertas e inverteu o quadro. A anarquia proposta pelo candidato de oposição foi a grande vencedora nas pesquisas, e assim segue o tango argentino, entre uma milonga e uma taça de vinho. 

A Argentina é um país que já frequentou o primeiro mundo no século XIX e começo do XX, pelas riquezas, cultura, nível educacional e literatura. Hoje, tem prédios e ruas que lembram esse passado incrustado nas fachadas das belas casas e palacetes de seus bairros mais ricos como Palermo e Recoleta. De passado brilhante, hoje dança um tango desafinado rezando ao Santo Padre, Francisco, para ter um refresco nos anos vindouros.

O drama da escolha das incertezas beira um jogo de amarelinha cortazariano, com doses de mistério de um labiríntico poema borgiano. Seja pelo drama atual de ficar com um governo que não tem controle da economia, nem projeta segurança de alcançar esse intento no futuro; seja por um drama maior futuro, pois não se sabe o que pode significar a dolarização de um país sem dólar e o fim de um banco central para uma economia já bastante desorganizada. A falta de referência completa será melhor que a falta de referência crível? Milei aposta que sim, contra todos que apostam o contrário. Se ele vencer, pode ganhar também o Nobel de Economia. Mas se estiver errado, o povo argentino ainda poderá continuar seu longo drama, decadente e trágico. É a anarquia da anarquia.

Aos brasileiros, cabe observar com atenção o que se passa na nação ao lado, polarizada e numa encruzilhada. O futuro nada promissor da eleição na Argentina demonstra que os países podem, sim, escolher os piores caminhos. Os argentinos têm feito isso em sequência. Com rara eficiência cavam sempre mais fundo o buraco. Nem a fé em Francisco, muito criticado por Milei, nem a idolatria em Messi têm ajudado a acabar com o purgatório dos portenhos, antessala anárquica do inferno político

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