A política exterior brasileira parece estar tateando em busca de um novo ponto de equilíbrio (AFP/AFP)
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Publicado em 29 de março de 2023 às 09h00.
Por décadas, a aceitação do Brasil como membro permanente do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas vem sendo meta da nossa política externa. A demanda sempre provocou algumas dúvidas razoáveis. Uma delas: além de oportunidade de protagonismo pessoal, para que servirá mesmo uma cadeira fixa se o Brasil não dispuser do poder de veto?
Claro que uma opção seria a abolição do poder de veto, como algumas vezes se aventou. Mas a chance de isso acontecer é zero.
A ONU também é referida nos frequentes discursos em defesa de uma governança global, quando os temas ultrapassam as fronteiras nacionais. Seria o caso das mudanças climáticas e do combate à fome. Já há instituições e articulações planetárias a cuidar desses assuntos, mas sem poder decisório. Pois as decisões supranacionais, com exceção das adotadas pelo Conselho de Segurança, precisam ser referendadas nacionalmente. São recomendações.
No mais das vezes, diria William Shakespeare, costuma ser muito barulho por nada. Ou quase nada.
Se as iniciativas pela reformulação do Conselho e pela ampliação de uma governança global baseada na entidade sediada em Nova York não chegaram a caminhar quando as Nações Unidas exibiam alguma ascendência, mais dificuldades ainda enfrentarão na nova era marcada pela “desglobalização”. Esta merece uma análise à parte, mas, em função dela, a ONU vem perdendo substância aceleradamente, com o impulso ocidental a que os blocos e instituições dominadas pelas potências do Norte político tomem seu lugar.
Como o Brasil vai atualizar suas estratégias e discursos num cenário em que Brics tende a andar para um lado e G7 UE para o outro? Um cenário em que a palavra de ordem do Ocidente político é desplugar-se da candidata a superpotência que vem do Sul político, a China? Uma moldura em que a ONU continua depositária da ritualística estabelecida no Pós-Guerra, mas suas decisões, ou sua incapacidade de tomá-las, não têm o menor efeito prático além de oferecer combustível ao noticiário?
A política exterior brasileira parece estar tateando em busca de um novo ponto de equilíbrio, entre as pressões políticas crescentes, que tendem a se tornar insuportáveis, do atlantismo e a força gravitacional dos parceiros majoritariamente responsáveis por a economia brasileira continuar caminhando. O governo Luiz Inácio Lula da Silva parece meio espremido entre não afrontar Washington neste momento de alta tensão e impedir a obstrução dos vasos econômicos comunicantes com Pequim. Vai precisar de talento.
Um caminho possível é o da Índia e da Turquia, a neutralidade ativa. Mas os turcos têm o trunfo de serem o flanco oriental da Organização do Tratado do Atlântico Norte, e não melindrar a Índia é estratégico para o Ocidente. Este não pode se dar ao luxo de empurrar os indianos para perto da entente de fato entre russos, chineses e iranianos.
O Brasil se vê restringido por aquele provérbio feito inicialmente para os mexicanos, mas que a Doutrina Monroe faz sempre ver que é para o conjunto das Américas: “Tan lejos de Dios y tan cerca a los Estados Unidos”.
*Alon Feuerwerker é Analista Político da FSB Comunicação
Este é um conteúdo da Bússola, parceria entre a FSB Comunicação e a Exame. O texto não reflete necessariamente a opinião da Exame.
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