As aparências dão a entender que Jair Bolsonaro aceitou a ideia de o incumbente precisar concentrar-se mais na apresentação de resultados e menos em firulas. (Alan Santos/PR/Flickr)
Bússola
Publicado em 10 de outubro de 2021 às 14h53.
Por Alon Feuerwerker*
Os políticos e os partidos estão cada vez mais entretidos com o andar do processo eleitoral. As conclusões da Comissão Parlamentar de Inquérito no Senado da Covid-19 acrescentarão alguns bons graus à temperatura ambiente. Porém, no momento, não se enxerga potencial para os processos dela desencadeados ameaçarem mesmo amputar o mandato presidencial. Mas estamos no Brasil, então é prudente aguardar.
Enquanto isso, as forças políticas procuram agrupar-se da melhor maneira possível, de olho principalmente nos recursos (tempo de veiculação e dinheiro) dos partidos. É o movimento clássico a esta altura. Os programas e os objetivos de governo ficam para depois. “Primeiro tenho de ganhar a eleição, depois vejo o que vou fazer.” Isso não é criação ficcional, foi dito mesmo por um pré-candidato a presidente, que infelizmente pediu off.
Por alguma razão que cabe aos cientistas políticos dissecar, nas nossas eleições discute-se tudo menos o essencial: o que cada candidato pretende fazer de prático para enfrentar os agudos desafios nacionais. Um bom exemplo é a inflação. Jair Bolsonaro diz que ela é em boa medida importada e resultado também do “fique em casa”. Os adversários dizem que é culpa do presidente. Mas alguém sabe de alguma proposta, além de o Banco Central apertar os juros?
E as dificuldades para o crescimento? A oposição de esquerda diz que o caminho é revogar o teto de gastos, mas é razoável supor que se chegar ao governo vai ser pressionada a relativizar isso. Aliás, o teto de gastos em vigor é “à brasileira”. Ano sim, outro também, dá-se um jeito de contornar, deixando fora do teto alguma coisa. Assim, respeita-se formalmente o limite e gasta-se o que se precisa, ou se quer, gastar.
Entrementes, o governo tenta arrumar dinheiro para turbinar programas sociais no ano da eleição. E não pode ser um dinheiro ocasional, porque a despesa será permanente. O que, surpreendentemente (ou nem tanto), é recebido com bastante naturalidade. Não se faz omelete sem quebrar ovos. Para garantir mais quatro anos da atual agenda, aceitam-se movimentos táticos que, em outro contexto, e em governos com pautas menos simpáticas, seriam tachados de “populistas”.
As aparências dão a entender que Jair Bolsonaro aceitou a ideia de o incumbente precisar concentrar-se mais na apresentação de resultados e menos em firulas. Até quando? Na oposição, enfrenta-se uma situação paradoxal: ela tem no momento a simpatia da maioria dos eleitores, mas sua capacidade de mobilização anda em níveis muito baixos. Parece não haver na sociedade um sentimento disseminado por trocar já o governo.
Isso deveria acender uma luz amarela para os favoritos, porque mostra pelo menos uma de duas coisas, ou as duas: 1) talvez Jair Bolsonaro tenha margem para alguma recuperação, 2) talvez haja espaço para uma carta ainda não retirada do baralho. Mas há também a hipótese ótima para Luiz Inácio Lula da Silva: para ele, o ideal seria que o eleitor tenha desencanado porque já resolveu o que fazer na eleição, e ela afinal está perto.
Um problema para Lula: de todos, ele é o único que não quer um fato novo.
*Alon Feuerwerker é Analista Político da FSB Comunicação
Este é um conteúdo da Bússola, parceria entre a FSB Comunicação e a Exame. O texto não reflete necessariamente a opinião da Exame.
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