Universidades reagem à ira do MEC com aulas sobre “golpe de 2016”
Ao menos 10 universidades estudam ou devem oferecer cursos livres ou optativos nos moldes de disciplina polêmica da UnB
Talita Abrantes
Publicado em 1 de março de 2018 às 12h12.
Última atualização em 1 de março de 2018 às 15h53.
São Paulo – Depois da reação negativa do Ministério da Educação ( MEC ) a uma disciplina sobre o “golpe de 2016” na Universidade de Brasília (UnB), um grupo de universidades públicas anunciou que deve oferecer aulas com a mesma temática nas próximas semanas. Ao menos 10 instituições já confirmaram ou estudam lançar cursos livres ou optativos sobre esse tema.
Na Universidade Estadual de Campinas ( Unicamp ), por exemplo, as aulas serão livres (portanto, não serão incluídas no histórico escolar dos alunos) e ministradas no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da instituição a partir do dia 12 de março.
“O curso é em solidariedade ao nosso colega da UnB e em repúdio às declarações do ministro Mendonça Filho, que ameaçam o livre trabalho dos docentes e dos pesquisadores das universidades brasileiras”, diz Wagner Romão, professor da Unicamp e um dos organizadores da série de aulas.
O conjunto de aulas da Unicamp terá o mesmo título da disciplina da UnB que causou polêmica no MEC: “O golpe de 2016 e o futuro da democracia no Brasil”.
Na semana passada, o ministro afirmou que iria acionar alguns órgãos de controle para abrir uma investigação contra os responsáveis pela criação do curso sob a suspeita de improbidade administrativa.
“A disciplina, em seu conteúdo, apresenta indicativos claros de uso da estrutura acadêmica, custeada por todos os brasileiros, para benefício político e ideológico de determinado segmento partidário em pleno ano eleitoral, algo que pode desrespeitar o artigo 206 da Constituição Federal,”, afirmou a pasta em nota.
Os temas oferecidos pela disciplina da UnB abrangem desde o golpe militar de 1964, passando pelos anos Lula, os protestos de junho de 2013, o impeachment de Dilma Rousseff em 2016 e os desdobramentos do governo de Michel Temer – classificado na ementa do curso como ilegítimo.
Na segunda (27), o ex-reitor da UnB José Geraldo de Souza Júnior entrou com uma representação no Conselho de Ética da Presidência da República e na Procuradoria-Geral da República contra o ministro Mendonça Filho sob a acusação de que o ministro estaria violando a liberdade de cátedra e autonomia universitária ao se opor à disciplina ministrada na UnB.
“O tema do curso da UnB não é novo, é uma reflexão que a gente vem fazendo nos últimos nas universidades tendo em vista a situação da América Latina. Não tem nada de extraordinário. O que houve de extraordinário foi a retaliação por parte do Ministério da Educação”, afirma Meize Lucas, professora-associada do Departamento de História da Universidade Federal do Ceará.
Na instituição cearense, a disciplina será optativa e, portanto, aparecerá no histórico escolar dos alunos. As aulas começam no próximo dia 8 de março. Assim como na Unicamp, onde 30 docentes irão ministrar as aulas, o curso também será compartilhado com vários professores da universidade.
A Universidade Federal da Bahia (UFBA), a Federal do Amazonas (UFAM) e a Universidade Estadual da Paraíba (UEPB) também devem oferecer aulas nos mesmos moldes a partir do próximo mês.
Segundo o jornal O Estado de S. Paulo, outras cinco instituições também estudam criar cursos livres ou optativos sobre o mesmo tema: Universidade de São Paulo (USP), Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e Universidade Federal de São João del-Rey (UFSJ).
Questionado por EXAME, o MEC afirmou que o ministro Mendonça Filho “lamenta que o drama da educação brasileira com indicadores como o da Avaliação Nacional de Alfabetização que mostra que 54% das crianças brasileiras terminam o terceiro ano do fundamental sem estarem alfabetizadas adequadamente não mobilize esses setores das universidades federais preocupados exclusivamente com a doutrinação ideológica”.
Segundo a pasta, o ministro da Educação está cumprindo o papel constitucional de solicitar apuração do bom uso de recursos públicos, sob pena de, se não fizer, responder por omissão. O Ministério não revelou se repetirá o procedimento para as outras instituições.
Veja a nota na íntegra:
"A representação junto ao Comitê de Ética da Presidência da República contra o fato de o ministro da Educação, Mendonça Filho, solicitar a órgãos de controle uma apuração sobre possível uso da máquina pública na Universidade de Brasília para doutrinação política e ideológica mostra a inversão de valores típica do modo petista de operar. Essa denúncia deixa clara a tentativa do PT de criar uma cortina de fumaça para intimidar uma apuração democrática sobre a probidade do uso dos recursos públicos neste caso. O ministro da Educação está cumprindo o papel constitucional de solicitar apuração do bom uso de recursos públicos, sob pena de, se não fizer, responder por omissão.
A consulta aos órgãos de controle visa apurar possível prática de improbidade administrativa por parte dos responsáveis pela criação da disciplina “O golpe de 2016 e o futuro da democracia no Brasil”, no curso de Ciência Política da UnB, sem base científica e por fazer possível proselitismo político e ideológico do PT e do lulismo. A disciplina, em seu conteúdo, apresenta indicativos claros de uso da estrutura acadêmica, custeada por todos os brasileiros, para benefício político e ideológico de determinado segmento partidário em pleno ano eleitoral, algo que pode desrespeitar o artigo 206 da Constituição Federal, que estabelece, em seu inciso III, sobre o direito de aprender dos estudantes respeitando o pluralismo de ideias.
O ministro Mendonça Filho reafirma o respeito à autonomia universitária, à liberdade de cátedra e à UnB ou qualquer outra universidade brasileira. Assim como também reafirma a crença de que a universidade pública deve ser um ambiente plural, democrático e onde o recurso público seja usado com probidade. E lamenta que o drama da educação brasileira com indicadores como o da Avaliação Nacional de Alfabetização que mostra que 54% das crianças brasileiras terminam o terceiro ano do fundamental sem estarem alfabetizadas adequadamente não mobilize esses setores das universidades federais preocupados exclusivamente com a doutrinação ideológica."