Um mês de Temer: o que aconteceu e o que vem por aí
Período de construção de apoio no Congresso foi marcado por deslizes; poderiam eles provocar uma paralisação do Legislativo e das reformas necessárias?
Raphael Martins
Publicado em 13 de junho de 2016 às 06h00.
Última atualização em 1 de agosto de 2017 às 13h25.
São Paulo — Completou um mês neste domingo (12) o governo interino de Michel Temer ( PMDB ), empossado após o afastamento pelo Senado da presidente Dilma Rousseff ( PT ) em seu processo de impeachment . De lá para cá, iniciou-se uma corrida contra o tempo para tentar firmar o novo presidente no cargo ao fim do julgamento de Dilma, caso que só ocorrerá se ele mostrar resultados. A presidente afastada corre por fora para retomar seu mandato, afinal basta reverter dois votos do grupo do “Sim” no Senado para que volte ao Planalto. É esperado que Dilma use qualquer trapalhada de Temer para articular votos. É possível, inclusive, que a petista se apoie em uma proposta de plebiscito para consultar a população sobre a possibilidade de convocar novas eleições caso volte à cadeira. Essa possibilidade pode agradar senadores que não a querem no poder, nem simpatizam com Temer – bem como uma parcela da opinião pública. Veja a seguir, ponto a ponto, os méritos e defeitos do governo interino, além de uma análise de especialistas consultados por EXAME.com do que pode acontecer nas semanas (ou meses) que restam a Temer no poder.
Em termos de popularidade, Temer ainda não responde bem, como era previsto antes mesmo de sua chegada ao Planalto: o governo interino é positivo para 11,3% da população, de acordo com índice divulgado na última quarta-feira (8) pela 131ª Pesquisa CNT/MDA. O valor é 0,1% menor do que a última avaliação de Dilma Rousseff (PT) na mesma sondagem, considerado empate técnico, já que a margem de erro da pesquisa é de 2,2 pontos. Explica-se o índice porque ainda é difícil perceber, em tão pouco tempo, qualquer mudança expressiva na economia ou em âmbitos sociais. Foram 54,8% os que disseram que o governo Temer está igual ao Dilma e que não se percebe nenhuma mudança no país. Conta como vantagem para o peemedebista o fato de que a presidente afastada ainda tem uma avaliação mais negativa do que ele. Segundo a pesquisa, 28% dos entrevistados consideram a gestão Temer como ruim e péssima contra 61,7% que compartilham de tal opinião sobre Dilma. O fiel da balança nesta edição da CNT/MDA é o grupo que não soube opinar sobre Temer, o que corresponde a 30,5% dos entrevistados. “Mesmo antes do impeachment, não havia um entusiasmo com Temer: era rejeição à presidente Dilma”, afirma Ricardo Ribeiro, analista político da MCM Consultores. “Ainda assim, não é um resultado terrível para Temer. Enquanto a economia não melhorar, o governante não vai ter popularidade alta”. Nos primeiros 30 dias, Temer concentrou esforços em formatar o governo e consolidar apoio no Congresso para aprovar uma agenda de reformas, justamente mirando uma melhora de índices econômicos. Tratou-se de uma continuidade da articulação para manter as alianças feitas para vencer a votação na Câmara no processo de impeachment de Dilma. Este processo se desenvolveu por vias tortuosas e marcado por deslizes, porém.
Ministros: esse foi o primeiro problema do presidente interino. Temer, que havia prometido um “ministério de notáveis”, foi obrigado a ceder à política de coalizão e lotear as pastas entre partidos aliados. Na equipe, entraram nomes políticos de peso, mas também de indivíduos investigados pela Operação Lava Jato . Romero Jucá (PMDB-RR), que foi um dos principais articuladores em favor de Temer no processo de impeachment, ganhou o Ministério do Planejamento, mesmo respondendo a inquérito por participação no esquema de corrupção da Petrobras. Uma reportagem do jornal Folha de S. Paulo revelou uma gravação feita pelo ex-presidente da Transpetro e emissário do PMDB no esquema, Sérgio Machado, em que o senador conspirava sobre maneiras de livrar o ex-executivo de responder a inquérito na Justiça do Paraná, sob comando do juiz federal Sergio Moro. A investigação entende que peemedebistas temiam que Machado se tornasse delator no processo e levasse informações sobre o caminho do dinheiro a Moro. Além de Jucá, que teve que deixar o cargo por conta do escândalo, foram gravados também o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e o ex-presidente da República José Sarney (PMDB-MA), ambos do núcleo duro do partido do presidente interino. Gerando mais desgaste, outro áudio vazado mostra o advogado Fabiano Silveira criticando a condução da operação. Silveira, no dia seguinte, perdeu o cargo de ministro da Fiscalização, Transparência e Controle, pasta que substitui a Controladoria-Geral da União — segundo ministro em menos de uma semana. Outros dois membros do governo estão na corda bamba: o advogado-geral da União, Fábio Osório Medina, e o ministro do Turismo, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN). Medina usou um avião da FAB para comparecer a um evento em Curitiba em homenagem ao juiz federal Sérgio Moro, mesmo sem a prerrogativa de utilizá-la — o advogado-geral da União não tem mais status de ministro. Alves, por sua vez, teve um inquérito aberto no STF para investigar sua suposta participação nos crimes investigados pela Operação Lava Jato. Apesar de ter dito que demitiria qualquer ministro com envolvimento com corrupção, Temer decidiu preservar o emprego da dupla. Medina foi perdoado e Alves só será removido com provas contundentes de participação em crimes. Na berlinda também está a ex-deputada federal Fátima Pelaes (PMDB-AP). Ela foi indicada por Temer para a secretaria de políticas para as mulheres, vinculada ao Ministério da Justiça, mas foi apontada pelo Ministério Público Federal como integrante de "articulação criminosa". Fátima é investigada por ter indicado uma ONG fantasma para receber R$ 4 milhões de suas emendas parlamentares para promover o turismo no Amapá. A deputada seria beneficiária de parte do dinheiro e o caso pegou mal.
Em um curto intervalo de tempo, o governo Temer mostrou uma característica “ioiô”, em virtude de pressões sociais e políticas. Ministros foram cogitados e descartados por declarações em entrevistas, outros foram desautorizados por Temer pelo que disseram. Houve também a representatividade nos ministérios. Não foi selecionado para o primeiro escalão do governo interino nenhuma mulher ou negro, gerando pressões populares pedindo protagonistas para pastas que atendessem minorias ou direitos iguais, por exemplo. Os protestos levaram a uma toada de indicações femininas para secretarias como Direitos Humanos, com a advogada Flávia Piovesan, e presidência do BNDES, com a economista Maria Silvia Bastos Marques. O principal caso de reversão, porém, foi a extinção e posterior reintegração do Ministério da Cultura . Artistas e servidores federais da cultura ocuparam, em protesto, as sedes do órgão em várias capitais, com a principal no Rio de Janeiro, no Palácio Gustavo Capanema. Músicos de renome, como Caetano Veloso e Erasmo Carlos, participaram de um ato cultural no prédio e uma campanha online protestava pela fusão do órgão com o Ministério da Educação. “As pessoas martelam e ele segue. Quando um governo forte promete cortar despesas, ele faz o corte e peita os opositores. Tanto o Congresso como a sociedade encontraram teto de vidro para martelar o governo”, diz Roseli Martins Coelho, cientista política e professora da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo. “Há uma situação em que ele não pode se indispor. Não é que haja um senador apaixonado pela cultura, mas um senador que apoia um governo impopular pode ter problemas nas urnas”, afirma a especialista.
Entre os especialistas, é difícil prever o futuro de Temer. O ambiente instável, resultado de um processo de impeachment que ainda não terminou, a pressão para compor um governo com menos tempo do que o usual e as chagas abertas pela Lava Jato explicam a série de erros e recuos do governo interino. A volatilidade do governo é a pressa por consolidar alianças tênues com os partidos para formar maioria no Congresso, inclusive para garantir a votação do impeachment. Em contrapartida, a inevitável missão de se aproximar do Legislativo associa o novo governo a Eduardo Cunha (PMDB), que mesmo afastado de suas funções, ainda influencia grande contingente do baixo clero do Congresso. “Essa negociação com Cunha limita a imagem do governo, já que a Lava Jato e o tema ‘corrupção’ estão muito determinantes na opinião pública”, diz Rafael Cortez, analista político da Tendências Consultoria. “Mas é algo inevitável, pois, para ganhar poder político e aplicar reformas, tem que dar resposta em termos de governabilidade. É inevitável dar sinal de que é capaz de reverter o quadro econômico”. Apesar de ter a marca de um réu da Operação Lava Jato em seu governo, Temer conseguiu aprovar os primeiros itens de uma agenda de reformas, como o déficit fiscal de R$ 170 bilhões e a desvinculação das receitas da União. Outras, porém, soaram contraditórias e aprovadas por pura pressão, como o acolhimento do reajuste do funcionalismo público, que geraria déficit de mais de R$ 50 bilhões ao erário. “Não há dúvida de que o caráter interino e o baixo capital político herdado estão limitando a amplitude do poder de agenda”, diz Cortez. “O principal trunfo de Temer é que um retorno de Dilma não representa uma alternativa segura para os parlamentares, nem para o ponto de vista econômico, já que até 2018 pode haver elevação da percepção de risco e afundar ainda mais o país em crise”. É por isso que nenhum dos analistas espera um retorno de Dilma, ainda que a votação no Senado prometa ser apertada. O fato do governo constantemente ceder a pressões tem um sinal positivo, que mostra sensibilidade às reclamações da sociedade, mas tem um sinal negativo de sinalizar fraqueza. A tendência é de que Temer mude levemente de postura caso o impeachment venha a se concretizar e tenha mais pulso para enfrentar a opinião pública, mas deve manter o alto índice de negociação no Congresso para concluir a agenda de reformas. Para Cortez e Ribeiro, Temer sofre riscos apenas se for diretamente alvejado pela Lava Jato. Roseli discorda e aposta que o presidente interino enfrentará situação parecida com a de Dilma no início de 2015. “Os escândalos próximos ao governo vêm fragilizando ainda mais o presidente interino, que já sofre desde a posse. Agora ele vai articular para salvar o mandato de Cunha?”, afirma a professora. “Seja qual for a sua posição, haverá cada vez mais pressão, ora do Congresso por cargos no segundo e terceiro escalão, ora da sociedade. Sem apoio, haverá uma paralisação completa do Congresso”. Caso Temer fracasse em aplicar as medidas que melhorem a economia e Dilma se comprometa a chamar novas eleições, o segundo semestre do governo peemedebista pode se tornar insustentável, segundo Roseli. É certo apenas que há assunto de sobra para próximos capítulos.