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Tribunal Militar autoriza PM de SP a mudar cena de crime

Resolução do Tribunal Militar de São Paulo afirma que policiais devem apreender objetos que tenham relação com a apuração dos crimes contra civis

Polícia Militar de São Paulo (Marcelo Camargo/ABr/Agência Brasil)

Polícia Militar de São Paulo (Marcelo Camargo/ABr/Agência Brasil)

Luiza Calegari

Luiza Calegari

Publicado em 25 de agosto de 2017 às 15h40.

Última atualização em 28 de agosto de 2017 às 08h29.

São Paulo - Uma resolução do Tribunal Militar do Estado de São Paulo determina que policiais militares têm dever de apreender todos os objetos que tenham relação com a apuração de crimes de militares contra a vida de civis. O objetivo, segundo o próprio documento, é esclarecer a questão, para que a celeridade nos processos seja garantida.

No entanto, uma regulamentação como essa conflita diretamente com a Constituição Federal, de acordo com o professor de Direito Penal da Universidade Mackenzie, Humberto Fabretti.

A resolução cita a alínea "b" do artigo 12 do Código de Processo Penal Militar, que determina que a autoridade militar deve "apreender os instrumentos e todos os objetos que tenham relação com o fato".

No entanto, a alínea "a", não citada na nova resolução, especifica que, ao saber do crime, o militar deve "dirigir-se ao local, providenciando para que não se alterem o estado e a situação das coisas, enquanto necessário".

O artigo 144 da Constituição Federal, determina especificamente que a Polícia Civil tem papel de investigar as infrações penais, exceto as militares; e que a Polícia Militar tem função de policiamento ostensivo. Segundo o professor de Direito Penal do Mackenzie Humerto Fabretti, infrações militares não envolvem a morte de civis.

“Se um policial militar mata outro; se ele abandona o posto designado; se pede propina em serviço, isso são infrações sob jurisdição da Justiça Militar. Quando envolve morte de civil, a competência é totalmente da Polícia Civil, da Justiça comum”, explicou.

"A Justiça Militar pode fazer sua própria apuração para determinar como o policial vai ser punido dentro da corporação, no âmbito administrativo, mas sem interferir com a investigação da Polícia Civil", disse Fabretti.

Além disso, o professor destaca que a Polícia Militar não tem treinamento para manipular os instrumentos de uma cena de crime.

"O que o policial militar vai fazer com a arma, as cápsulas? Vai levar para a Justiça Militar, e ela vai fazer o que com as provas? Eles não têm treinamento, estrutura, para fazer a análise da investigação. O que pode acontecer daqui para a frente é um PM recolher as provas do crime, o delegado da Polícia Civil chegar para esperar a perícia, e os dois começarem a trocar tiro para decidir quem vai ser o responsável", afirmou.

O Sindicato dos Delegados da Polícia Civil de São Paulo informou ter protocolado uma representação contra o presidente do TJM, Silvio Hiroshi Oyama, na Corregedoria Geral do Tribunal de Justiça de São Paulo e no Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

A nota afirma ainda que “a Polícia Civil não se omitirá em cumprir sua missão, portanto, não deixará de instaurar inquérito policial todas as vezes que receber notícia de crime doloso contra a vida praticado por militar contra civil”.

No Senado, está parado há um ano um projeto de lei que prevê a mudança nessa regra, impedindo o julgamento de militares pela Justiça comum.

O ministro da Defesa, Raul Jungmann, teria pedido o apoio do presidente do Senado, Eunício Oliveira, para fazer a pauta avançar mais rápido.

Outro lado

O Tribunal de Justiça Militar divulgou uma nota afirmando que a resolução apenas confirma uma regra da própria Corte, que vigorou até hoje sem ser questionada.

O Tribunal cita o Código de Processo Penal Militar para afirmar que a "lei de 1996 apenas deslocou o julgamento desse tipo de delito para a justiça comum, mas confirmou a atribuição da polícia judiciária militar para sua investigação".

A SSP também divulgou um comunicado, no qual diz que a "norma determina que os policiais que primeiro atenderem a ocorrência devem preservar o local até a chegada das autoridades policiais, corregedorias das polícias Civil e Militar, se necessário, e das equipes de perícia".

Leia a íntegra do posicionamento do TJM:

NOTA DE ESCLARECIMENTO

Em face das notícias veiculadas, por meio da imprensa escrita e televisiva, sobre o alcance da Resolução nº 54/2017 deste E. Tribunal, vimos pelo presente prestar os seguintes esclarecimentos:

1- Os termos da aludida resolução são exatamente os mesmos do Provimento nº 04/2007 da Corregedoria-Geral desta Corte Castrense, que esteve em vigor sem qualquer questionamento ou dúvida.

2- A pacífica longevidade do precitado provimento certamente se deu pela objetividade de seu texto que apenas transcreve o que consta no Código de Processo Penal Militar, mais precisamente o art. 12, alínea "b", acrescido pelo entendimento da Lei nº 9.299/96 que não alterou a natureza do crime contra a vida de civil imputado a militar em serviço, pois segundo o art. 9º do CPM ele continua sendo de natureza militar. A lei de 1996 apenas deslocou o julgamento desse tipo de delito para a justiça comum, mas confirmou a atribuição da polícia judiciária militar para sua investigação ao estabelecer expressamente no art. 82, §2º, do Código de Processo Penal Militar que nos “...crimes dolosos contra a vida, praticados contra civil, a Justiça Militar encaminhará os autos do inquérito policial militar à justiça comum” (g.n.).

3- Portanto, sendo atribuição da polícia judiciária militar investigar delitos militares, conforme art. 144, § 4º da CF, art. 4º, parágrafo único do CPP e art. 8º do CPPM, deverá AUTORIDADE POLICIAL MILITAR adotar as providências de POLÍCIA JUDICIÁRIA MILITAR, especialmente “apreender os instrumentos e todos os objetos que tenham relação com o fato" (art. 12, alínea "b" do CPPM e repetido na Resolução nº 54/2017 - AssPres) e “....requisitar das repartições técnicas civis as pesquisas e exames necessários ao complemento da apuração dos crimes militares definidos em lei...” (Resolução nº 54/2017 – AssPres – g.n.).

4- Assim, diante da clareza solar da aludida resolução, nos parece despropositado qualquer outro entendimento como vem ocorrendo.

5- Como não poderia deixar de ser, o trabalho da polícia judiciária militar deverá ocorrer conforme preceitua a lei, ou seja, preservando os locais de crime e encaminhando objetos e materiais relacionados com o delito para perícia junto à
Polícia Técnico-Científica.

6- Assim, reiteramos nosso irrestrito compromisso com a Constituição, nossas leis e a Justiça.

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