STF deve julgar marco temporal de terras indígenas mesmo com aprovação de projeto na Câmara
Interlocutores da presidente da Corte, Rosa Weber, lembram que ela se comprometeu publicamente com o tema e que análise do Congresso não muda cenário
Agência de notícias
Publicado em 31 de maio de 2023 às 07h17.
Mesmo com a aprovação na Câmara dos Deputados da proposta que estabelece um marco temporal para a demarcação de terras indígenas, o Supremo Tribunal Federal ( STF ) deve manter na pauta a ação, prevista para ir a julgamento na semana que vem, que trata do assunto.
Interlocutores da presidente da Corte, Rosa Weber, sustentam que ela já se comprometeu publicamente a levar a ação ao plenário e que o posicionamento dos parlamentares não muda o cenário — um ministro ouvido pelo GLOBO, no entanto, pontua que a análise dupla provoca uma "confusão".
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A celeridade dada à tramitação do projeto na Câmara é uma reação direta ao julgamento do caso. Ao aprovar o texto, Câmara tenta se antecipar para evitar que a Corte regulamente o assunto. A previsão é que o ritmo seja mais lento no Senado. Segundo o presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), o texto deve passar por comissões antes de ir ao plenário.
O processo no STF trata do território ocupado pelo povo indígena Xokleng, em Santa Catarina. A Funai questiona uma decisão da Justiça Federal do estado que aplicou a tese do marco temporal ao conceder a reintegração de posse de uma área que integra a reserva ocupada pelos indígenas.
O caso, portanto, não perderia o objeto mesmo que a lei endossada pela Câmara tivesse o aval também do Senado e fosse sancionada. A decisão neste processo terá repercussão geral e há várias ações travadas esperando a definição. Há, até o momento, dois votos nesta ação: o relator, ministro Edson Fachin, votou contra o marco temporal, enquanto o ministro Nunes Marques se posicionou a favor.
Texto aprovado
No caso do texto aprovado na Câmara, fica estabelecido que povos indígenas têm direito apenas às terras que já ocupavam ou já disputavam em 5 de outubro de 1988, data da Constituição. O projeto também abre margem para contato com povos isolados caso haja “utilidade pública”, sem definir os critérios que definiram essa necessidade de uso. O texto afirma que o “usufruto dos índios não se sobrepõe ao interesse da política de defesa e soberania nacional” e permite que sejam desenvolvidas atividades nas reservas sem que as comunidades sejam consultadas. Na visão de ambientalistas, desta forma, a proposta abre margem para garimpo, construção de estradas e de usinas hidrelétricas em terras indígenas.
A tese do marco temporal se baseia em uma interpretação sobre o artigo 231 da Constituição, que diz: “São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”.
Na visão dos defensores da proposta, ao utilizar o verbo no presente, “ocupam”, a Carta trata dos territórios ocupados naquela data. Argumentam que o marco é uma forma de garantir segurança jurídica a proprietários de terras, que poderiam ser desapropriados caso, futuramente, as terras fossem reivindicadas como territórios indígenas.
Ambientalistas e defensores da causa indígena, por outro lado, citam o parágrafo 1º do mesmo artigo como argumento contrário: “São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições”, diz o trecho.
Os críticos ao projeto dizem que, ao estabelecer a data de 1988, a Câmara ignora o histórico de perseguição contra indígenas, em que muitas etnias precisaram deixar seus territórios para não serem dizimados. Assim, não ocupavam o local a que teriam direito na época. Na prática, processos de demarcação em análise pelo governo poderão ser suspensos. Além disso, segundo especialistas, territórios já homologados poderão ser questionados judicialmente levando em conta o novo entendimento