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Prazo para SP explicar novas câmeras da PM vence nesta sexta; governo promete enviar esclarecimentos

Equipamentos de Tarcísio de Freitas não gravam de forma ininterrupta e podem ser insuficientes para frear a alta na letalidade policial vista no estado, apontam especialistas

Agência o Globo
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Publicado em 6 de dezembro de 2024 às 07h59.

Última atualização em 6 de dezembro de 2024 às 08h08.

O governo de São Paulo tem até esta sexta-feira, 6, para prestar esclarecimentos para o Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o funcionamento das câmeras corporais que foram contratadas para agentes da Polícia Militar. O presidente da Corte, Luís Roberto Barroso, pediu que a gestão Tarcísio de Freitas (Republicanos) fornecesse mais detalhes de como os 12 mil equipamentos anunciados vão operar e que testes foram feitos para comprovar a eficácia do equipamento.

Segundo a Procuradoria Geral do Estado, o prazo, desta vez, será cumprido. O primeiro pedido de Barroso surgiu em 21 de novembro, com envio das informações exigido até o dia 28. O governo pediu um prazo maior e Barroso autorizou a prorrogação até esta sexta.

Além da contratação das 12 mil câmeras, o Ministério da Justiça e Segurança Pública deve anunciar o repasse de R$ 27,8 milhões para a Polícia Militar de São Paulo para aquisição de 2 mil novas câmeras corporais, o que elevaria para 14 mil o número de câmeras em operação no estado.

Na quinta-feira, 5, após uma sequência de casos de violência policial, o governador Tarcísio declarou que ele estava “completamente errado” ao criticar a adoção de câmeras corporais por agentes da Polícia Militar (PM) durante operações. Ele disse estar “convencido” de que é preciso ampliar o uso dos equipamentos para proteger a sociedade.

A polêmica em torno do tema ocorre porque as novas câmeras corporais, ao contrário das 10.125 atualmente utilizadas, não gravam de forma ininterrupta a atividade policial, como os atuais. O equipamento deve ser acionado por ação do policial e vai substituir de forma gradativa as câmeras que são adotados até o momento pela Polícia Militar a partir de dezembro.

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O STF pediu que o governo detalhasse o cronograma de execução do novo contrato, que foi assinado com a Motorola Solutions em setembro, com duração prevista de 30 meses e valor total de R$ 105 milhões. Foram solicitados informações detalhadas sobre os testes realizados com o equipamento e como será o treinamento e a capacitação dos agentes.

O Supremo pediu ainda que o estado especifique como opera o software do equipamento, que além de gravar por acionamento do policial, promete também iniciar a captura de imagens quando é detectado som de estampido de tiro ou quando o agente se aproxima a um raio de 50 metros de uma ocorrência em andamento.

Daniel Edler, pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência da USP e pesquisador da Universidade de Gasglow, defende que os novos equipamentos deixam de seguir um modelo que surgiu dentro da própria Polícia Militar e se comprovou eficiente para reduzir a letalidade policial.

"Em 2017, o coronel (Robson) Cabanas, da Polícia Militar, publicou uma tese de doutorado em que ele propõe o acionamento contínuo (da gravação das câmeras corporais). A gravação sem interrupção foi pensada dentro da própria PM. O que o governo está fazendo é mudar esse sistema e acabar com uma inovação que surgiu dentro da corporação", explica Edler.

O equipamento atual utilizado pela Polícia Militar é da marca Axon e foi contratado em fevereiro de 2021, quando inicialmente 2.500 câmeras foram distribuídas para os batalhões. Além da paulatina ampliação do número de equipamentos, a gestão da época, de João Doria, implementou também outras medidas de uso profissional da força policial.

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Edler cita, por exemplo, a implementação das Comissões de Mitigação de Risco, criadas em 2020, que analisavam a conduta de policiais envolvidos em ocorrências que tiveram registro de mortes. Os PMs ficavam afastados para atividades administrativas por no mínimo duas semanas durante a análise e, depois, passavam por um monitoramento que durava 30 dias, em que um superior acompanha de perto a atividade do policial. Ao fim desse processo, a Comissão voltava a se reunir e decidia que o agente precisava participar de cursos extras ou se poderia voltar a exercer a atividade policial.

Segundo dados de levantamento feito pelo Instituto Sou da Paz, entre agosto de 2020 e 2022, 618 comissões do tipo foram instauradas no estado, analisando a conduta de 1.959 policiais militares. Em 2022, 275 pessoas morreram por policias em serviço, menor patamar desde 2017. O número já chega a 496 até setembro deste ano, o maior patamar desde 2020, quando se iniciou a redução vista desde o governo Doria.

Segundo dados compilados pelo Núcleo de Estudos da Violência, em 2022, o orçamento aprovado para o ano de 2023 para a manutenção do programa das câmeras corporais era de R$152 milhões e caiu em 37%, impedindo a expansão do sistema, que poderia chegar a 16 mil câmeras até o final de 2023, número superior as 12 mil anunciadas pelo governo.

Procurada, a Secretaria de Segurança Pública (SSP) afirma que a política de câmeras está sendo aprimorada e o número atual de equipamentos será ampliado em 18,5%. "Os 12 mil novos dispositivos que serão utilizados pela PM paulista contam com maior autonomia de bateria, melhor conectividade e novas funcionalidades embarcadas, como acionamento remoto, acionamento automático por aproximação em ocorrência, comunicação bilateral e leitura de placas. As novas COPs estão em conformidade com a Portaria nº 648/2024 do Ministério da Justiça e Segurança Pública e demais normas vigentes", diz o governo.

A gestão diz também que o novo contrato proporcionou uma economia de 45,9% para o tesouro estadual. "O novo acordo tem um investimento anual de R$ 51,9 milhões, ante R$ 96 milhões que eram pagos no contrato anterior que contemplava 10.125 dispositivos que abrangiam 52% do efetivo operacional no Estado", afirma a SSP.

"As câmeras, por si só não tem um impacto na atividade policial. É preciso também um contexto político e um incentivo operacional que coloque o controle do uso da força como prioridade. Desde 2023 temos uma cadeia de comando que passa a incentivar o uso da força", diz Daniel Edler.

Fernanda Balera, coordenadora do Núcleo Especializado de Cidadania e Direitos Humanos da Defensoria Pública de São Paulo, diz que falta transparência à gestão atual. Ela conta que não existem dados claros sobre quantas Comissões de Mitigação foram implementadas pela gestão Tarcísio.

Questionado sobre o número de comissões implementadas em 2024, o governo não respondeu, mas disse que "não há qualquer mudança de cultura em suas forças de segurança. Todas continuam atuando sob o absoluto rigor da lei e o respeito aos direitos humanos, e são submetidas às comissões de mitigação de não conformidades, que analisam casos de mortes decorrentes de intervenção policial para revisar procedimentos e ajustar treinamentos".

Outras mudanças na estrutura da Polícia também contribuem para um aumento da letalidade, segundo Fernanda Balera, como a medida que tirou o poder dos comandantes regionais de afastar e pedir investigações contra polícias militares envolvidos em ocorrências graves e deu esse poder apenas ao subcomandante da PM. A medida foi publicada em junho e revelada em julho pela revista Piauí.

"O governo de São Paulo alega que as novas câmeras (da Motorola) continuarão a ser acionadas de outras formas (para além do acionamento do próprio policial), que reconheceriam o barulho de um disparo, por exemplo. Mas não temos nada que comprove a eficiência desse tipo de equipamento. É apostar em uma tecnologia que não se sabe a real eficácia", diz Fernanda.

"O Tarcísio fazer um mea-culpa (defendendo o uso de câmeras corporais) sem adotar o protocolo que foi pensado pela própria PM (de acionamento automático) não serve de nada, é jogo de cena", afirma Daniel Adler.

Um estudo da Universidade de Stanford, feito entre 2015 e 2016 em uma Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) na favela da Rocinha, no Rio de Janeiro, acompanhou um projeto piloto de câmeras corporais na unidade, que eram acionadas por iniciativa do policial. Os pesquisadores concluíram que os agentes, mesmo sob protocolos que previam punição caso não acionassem o equipamento, deixaram de gravar as ações policiais em 70% dos turnos de patrulha.

Procurado, o governo de São Paulo, por meio da Procuradoria Geral do Estado, informou que vai responder os questionamentos do STF até esta sexta. "Importante reforçar que a modernização do sistema de Cops está sendo implementada com transparência, para garantir o avanço da política pública de segurança para toda a população", diz a Procuradoria, em nota.

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