Pode ou não pode? Entrevista de Bolsonaro à Record divide especialistas
Sem precedentes jurídicos no país, entrevista do presidenciável é interpretada de formas diferentes por advogados especialistas em direito eleitoral
Clara Cerioni
Publicado em 4 de outubro de 2018 às 20h43.
Última atualização em 5 de outubro de 2018 às 17h52.
São Paulo — Na tarde desta quinta-feira (4), o candidato pelo PSL, Jair Bolsonaro , gravou uma entrevista para a TV Record, que será exibida no mesmo horário do último debate entre os presidenciáveis, que acontece na Rede Globo.
A informação foi confirmada pelo candidato em sua conta oficial no Twitter.
Imediatamente, os eleitores começaram a questionar sobre a legalidade dessa situação, já que o Código Eleitoral prevê o princípio de isonomia (igualdade de regras para todos) durante a corrida eleitoral.
Outro argumento usado foi de que Edir Macedo, proprietário da emissora, declarou apoio ao candidato na última sexta-feira (28).
Ele foi provocado por um de seus seguidores, que perguntou seu posicionamento sobre a eleição para presidente, e respondeu com uma só palavra: "Bolsonaro".
Em tese, as emissoras de rádio e de TV, que são concessões públicas, devem dar espaço igualitário a todos os candidatos. As empresas também são proibidas, por lei, de apoiarem a candidatura de algum presidenciável.
O objetivo é manter o princípio de imparcialidade da imprensa e não priorizar as ideias de um ou de outro político de forma que possa induzir os eleitores.
A situação da entrevista não tem precedentes na história jurídica do Brasil, segundo quatro advogados de Direito Eleitoral consultados por EXAME. Já se é permitido ou proibido a transmissão, os especialistas divergem de opinião.
Para Fernando Neisser,do escritório Rubens Naves Santos Jr. e coordenador da ABRADEP (Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político), a entrevista de Bolsonaro configura tratamento privilegiado. "As emissoras podem criar critérios objetivos para escolher alguns candidatos, mas uma rede não pode entrevistar apenas um candidato", afirmou.
Nesser considera que a participação do candidato em uma rede de abrangência nacional revela um desequilíbrio. "Isso é bastante sério, porque não haverá o mesmo espaço aos outros concorrentes", disse.
Roberta Gresta, professora de direito da PUC-MG, explica que isso pode ser um indício de priorização do candidato, mas não é possível ter certeza. "A Record pode abrir o mesmo espaço para outros candidatos, apesar de ainda não ter sinalizado isso", relatou.
A especialista reconhece, no entanto, que o tempo hábil para dar conta das entrevistas está curto, já que há apenas dois dias até o primeiro turno.
Já Marcos Ramayanna, professor de direito eleitoral da pós-graduação da FGV, discorda que a entrevista fere o Código Eleitoral. "Essa situação é inédita, mas eu a interpreto como um equilíbrio material. Porque ele não estará na Globo, assim como os outros candidatos, mas estará na Record no mesmo horário", contou.
Daniel Falcão, coordenador na pós-graduação em Direito Eleitoral do IDP (Instituto Brasiliense de Direito Público), também não vê a situação como uma falha eleitoral.
"A emissora pode alegar que todos os candidatos tiveram tempo no debate de domingo, menos Bolsonaro. Sobre passar no mesmo horário, não vejo problema, é disputa de audiência comum entre as emissoras", afirmou.
Em relação a Edir Macedo ter declarado voto ao presidenciável, Falcão disse que, como pessoa, ele pode votar em quem quiser. "Ele não está falando em nome da emissora, mas em nome dele próprio."
Reação
No começo da noite, o Partido dos Trabalhadores acionou o TSE para impedir a entrevista de Bolsonaro à TV Record no mesmo horário em que será transmitido o debate da TV Globo.
O argumento é de tratamento desigual entre candidatos, uma vez que a entrevista poderia favorecer Bolsonaro. A assessoria de imprensa da coligação confirmou a informação.
Outros partidos foram procurados se entrariam com manifestação no tribunal, mas até a publicação desta reportagem não haviam se pronunciados.
(Com Ana Paula Machado)