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Pesquisa eleitoral: o que explica a diferença com o resultado das eleições?

Antes da eleição, 12% dos eleitores diziam que podiam mudar de voto para presidente

(Nelson Almeida/AFP/Sopa Images/Getty Images)
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Gilson Garrett Jr

Publicado em 4 de outubro de 2022 às 09h22.

Última atualização em 5 de outubro de 2022 às 19h35.

Indecisos e migração de eleitores de Ciro Gomes (PDT) e de Simone Tebet (MDB) para o presidente Jair Bolsonaro (PL). Essas duas variáveis são as hipóteses apontadas por institutos de pesquisas eleitorais para explicar a diferença entre o que as sondagens indicavam e o resultado das urnas. Há um ainda um terceiro elemento, menos determinante, mas também com algum grau de impacto: a falta de um Censo atualizado.

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Maurício Moura, fundador do IDEIA, avalia que muitos eleitores decidiram pelo voto de última hora, o que é comum no histórico das eleições, principalmente para cargos do Legislativo. Ele ainda pondera que houve o chamado "voto envergonhado" de pessoas que já tinham definido votar em Bolsonaro, por exemplo, mas que nas pesquisas se diziam indecisas. Na visão do especialista, muito eleitores usaram o primeiro turno como segundo, antecipando a mudança de voto.

“Vamos ter que trabalhar muito para capturar essa migração de votos de Ciro e de Tebet para o presidente Bolsonaro, e até mesmo potencialmente um voto envergonhado, com aqueles entrevistados que se diziam indecisos na pergunta espontânea, fazendo com que a diferença final do atual presidente para Luiz Inácio Lula da Silva (PT) fosse de cinco pontos no resultado das urnas, um saldo menor do que o projetado”, diz.

Para a intenção de voto presidencial, não foi a primeira vez que um sentimento antipetista não foi capturado pelas pesquisas. Maurício Moura lembra que em todos os quatro pleitos anteriores em que o PT venceu, houve um crescimento do candidato oponente poucos dias antes da eleição, e que não apareceu nas sondagens.

A última pesquisa EXAME/IDEIA para presidente antes da eleição, divulgada no dia 29 de setembro, mostrava que 18% dos eleitores ainda não tinham definido o seu voto em uma pergunta espontânea, sem uma lista prévia. Vale lembrar, que no Brasil a votação é de forma espontânea.

Outro número da mesma sondagem EXAME/IDEIA revelou que 12% dos eleitores diziam que podiam mudar de voto para presidente. Na pergunta espontânea, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tinha 39% das intenções de voto, Jair Bolsonaro (PL), 33%, seguido de Ciro Gomes (4%), e de Simone Tebet (1%).

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Desconsiderando votos brancos e nulos - é desta forma que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) calcula os votos válidos - Lula estava com 49%, Bolsonaro com 38%, Ciro tinha 7%, e Tebet, 5%. A margem de erro da pesquisa era de três pontos para mais ou para menos. No resultados das urnas, o petista teve 48% dos votos válidos, e Bolsonaro, 43%. Logo depois veio Tebet, com 4%, e Ciro com 3%.

Em nota, o Ipec avaliou que havia uma tendência de indecisos definirem o voto por Bolsonaro, e uma mudança de voto de Ciro e de Tebet para o presidente. "As pesquisas eleitorais medem a intenção de voto no momento em que são feitas. Quando feitas continuamente ao longo do processo eleitoral, são capazes de apontar tendências, mas não são prognósticos capazes de prever o número exato de votos que cada candidato terá", diz o instituto.

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Também em nota, o Datafolha, assim como o IDEIA e o Ipec, endossou essa hipótese de um voto útil para o presidente Bolsonaro, sobretudo por um medo de eleitores de que o pleito fosse definido no primeiro turno. Para o instituto, essa tendência ocorreu muito próximo da eleição e não conseguiu ser capturada pelas pesquisas.

Se nas sondagens nacionais houve uma diferença acima da margem de erro das pesquisas para o presidente Bolsonaro, no nível estadual o quadro ficou ainda mais distorcido. Nesse contexto, os institutos avaliam que os indecisos, aliado a um sentido antipetista, levaram a mudanças de última hora.

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Para o governo de São Paulo, em uma pergunta espontânea, 41% dos eleitores diziam não saber qual número apertar no dia da eleição para o cargo de governador. O resultado foi Tarcísio de Freitas (Republicanos) indo ao segundo turno em primeiro lugar, com 42% dos votos, e Fernando Haddad (PT), com 35%. Nas pesquisas, o petista liderava as intenções de voto.

Para o Senado em São Paulo, os indecisos chegaram a 47% e isso se refletiu no resultado das urnas. Na pesquisa, Márcio França (PSB) apareceu com 14% das intenções de voto, e Marcos Pontes, 7%, em questão espontânea. Em uma pergunta estimulada, o ex-governador tinha 32%, e o ex-ministro, 18%. Pontes saiu vencedor, com 49% dos votos válidos.

Outro dado que ajuda mostrar como o eleitor estava indefinido quanto ao voto para o Senado em São Paulo é o volume de buscas pelos nomes dos candidatos. A ferramenta Trends do Google mostra que no dia 1ª de outubro houve o primeiro pico de buscas por Márcio França e Marcos Pontes, sendo a do senador eleito muito superior ao do pessebista. O mesmo ocorreu no dia da votação.

"Tivemos muito desengajamento eleitoral a nível estadual, para governador e para senador. A taxa de indecisos foi recorde e isso refletiu em resultados, entre aspas, surpreendentes. Na véspera da eleição, 41% dos paulistas não sabiam para quem votar para o governo do estado, na espontânea, o que beneficiou os candidatos com o perfil do presidente Bolsonaro", diz Maurício Moura, do IDEIA.

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Falta de um Censo

A falta de dados sobre a população brasileira leva a uma amostra diferente da realidade, como explica Maurício Moura. Segundo ele, a metodologia das pesquisas eleitorais leva em conta os dados oficiais para retratar, proporcionalmente, a cara do Brasil.

O último Censo demográfico foi realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2010. Em 2020 havia a previsão de uma nova rodada de entrevistas para entender o perfil dos brasileiros, mas a realização da pesquisa foi suspensa por conta da pandemia de covid-19. Em 2021, cortes orçamentários suspenderam a realização, mas o Supremo Tribunal Federal obrigou o governo a fazer o Censo, cuja coleta começou neste ano.

“Isso [a falta de um Censo) gera inconsistências. Um exemplo é o percentual de evangélicos no Brasil. O último dado do Censo mostra que são 25% da população, mas especialistas falam em pelo menos 30%. Mesmo com tudo isso, as semelhanças entre as pesquisas são maiores do que as diferenças”, afirma Moura.

Em uma postagem nas redes sociais, Andrei Roman, CEO do instituto de pesquisa Atlas, pontuou que há ainda distorção das amostras por faixa de renda, sobretudo entre os mais pobres.

“A representatividade das amostras por nível socioeconômico da população é um elemento extremamente importante de calibragem amostral. A sobre-representação do segmento da população com até 2 salários mínimos em mais de 50% e sub-representação dos outros segmentos com renda familiar mensal maior teve um impacto considerável sobre os resultados globais da pesquisa”, destaca uma nota técnica do Atlas avaliando o cenário de 2018.

Maurício Moura endossa essa visão e avalia como importante que os instituto de pesquisa aprimorem os dados de amostra da população, na falta de um resultado oficial. “Atualizar esses dados permite que não se fique fazendo especulação de dados de percentual de renda, ou da distribuição de evangélicos, por exemplo”, afirma.

Vale ressaltar, que as pesquisas de intenção de voto são uma fotografia do dia em que elas são feitas, por isso, pode haver diferenças com o resultado da votação. O cientista político André César, da Hold Assessoria Legislativa, observa que há um segmento da população que não está sendo captado pelas sondagens e que é preciso cobrar do IBGE dados mais atuais da população, ou mesmo criar outros mecanismos para saber onde estão e quem são os brasileiros de 2022.

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