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Os 6 recados que Lula mandou em seu discurso — de empresários a policiais

Em fala nesta quarta-feira, Lula tentou se distanciar de Bolsonaro, defendeu um combate mais intenso à pandemia e acenou a eleitores de centro, empresários e policiais

Lula antes de discurso de hoje, ao lado do ex-prefeito Fernando Haddad: ex-presidente disse que o mercado já conviveu com seu governo "por oito anos" e que as empresas cresceram no período (Amanda Perobelli/Reuters)

Lula antes de discurso de hoje, ao lado do ex-prefeito Fernando Haddad: ex-presidente disse que o mercado já conviveu com seu governo "por oito anos" e que as empresas cresceram no período (Amanda Perobelli/Reuters)

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Carolina Riveira

Publicado em 10 de março de 2021 às 13h56.

Última atualização em 10 de março de 2021 às 19h43.

Por mais de 1 hora, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva falou nesta quarta-feira, 10. E os interlocutores foram muitos: Lula buscou acenar a um eleitorado para além da base do PT, e acenou a empresários, policiais e outros políticos potencialmente aliados.

Falou também do que considerou sucessos de seu governo, entre 2003 e 2010, criticou a gestão do presidente Jair Bolsonaro na pandemia e, na prática, deu a largada para as eleições de 2022.

Esta é sua primeira declaração pública após o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), anular suas condenações na Lava-Jato. Veja abaixo os principais recados da fala do ex-presidente.

1 - Sem mágoas?

Lula tentou mostrar um tom ameno no discurso, apesar de alguns momentos efusivos. Disse que está "tranquilo" com relação à Lava-Jato e deu a largada para o que prometem ser meses de aproximação com outras figuras políticas visando 2022. Não deixou de fazer críticas às acusações contra ele, afirmando que demorou "cinco anos" para que o STF discutisse algo que sua defesa já vinha apresentando.

Apesar das doses de ironia, Lula citou o julgamento sobre a suspeição de Moro, afirmando que "a verdade" foi dita pelos ministros do STF no julgamento de ontem — e dita "até pela Cármen Lúcia", segundo o presidente, que lembrou como a magistrada, amplamente defensora da Lava-Jato, disse ontem que poderia reavaliar seu voto diante das acusações contra a operação após mensagens vazadas.

Embora tenha usado parte do discurso para se defender de acusações da Lava-Jato, a fala de Lula foi majoritariamente focada em conciliação. Ao falar sobre a imprensa, Lula criticou a cobertura da Lava-Jato e acusações contra ele, mas disse defender a imprensa livre e a democracia e evitou ataques mais amplos.

2 - Alianças políticas

O grande objetivo do discurso de Lula foi se mostrar como figura oposta ao presidente Jair Bolsonaro. Lula disse que, a partir de agora, pretende rodar o país e conversar "com a classe política", fazendo um aceno a potenciais aliados políticos de outros partidos. Lula não criticou partidos específicos nem outros políticos.

Ficou pouco claro, no entanto, as alianças que deve fazer para 2022. Até agora, não se sabe se o PT disputará com uma chapa pura, como fez em 2018 antes da prisão de Lula, ou se buscará alguma aliança.

O PT também busca, neste momento, se mostrar como mais palatável a eleitores e políticos de centro. Chamou a atenção, logo após o discurso, uma manifestação do ex-presidente da Câmara, o deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), que disse que "você não precisa gostar do Lula para entender a diferença dele para o Bolsonaro".

Os próximos meses deixarão mais claro se há alguma possibilidade de uma terceira candidatura forte, para além de Lula e Bolsonaro, e se os políticos do centro e da direita democrática apoiariam o petista em um eventual segundo turno em 2022. 

3 - Bolsonaro é o rival, não Moro

A elegibilidade de Lula nesta segunda-feira, 8, tem sido vista por analistas como o verdadeiro início da campanha eleitoral. A fala de Lula nesta quarta-feira confirma essa leitura. O discurso foi amplamente voltado ao presidente Jair Bolsonaro, que Lula criticou em diversas frentes, da política econômica e pandemia ao meio ambiente.

Lula citou Moro quando falou sobre a Lava-Jato, mas sua fala não parece enxergar o ex-juiz e ex-ministro de Bolsonaro como um rival de fato em 2022. Moro é frequentemente ventilado como um possível candidato em 2022. No entanto, pesquisas ainda mostram Lula e Bolsonaro liderando, com vantagem para o atual presidente.

4 - Defesa da vacina e do isolamento

Lula usou boa parte do discurso para criticar Bolsonaro. "Espero que todos estejam de máscara", disse logo nas primeiras fases. A essa declaração se seguiram outras diversas críticas sobre a gestão de saúde: a demora do governo em comprar vacinas, o recorde de mortes no Brasil nos últimos dias, o fato de Bolsonaro ter feito discursos negando a gravidade da pandemia e chamando a covid-19 de "gripezinha".

"Vou tomar minha vacina, não importa de que país", disse. "Tome vacina porque a vacina é uma das coisas que podem livrar você do covid. Mas mesmo tomando vacina, não ache que você pode tomar vacina e já tirar a camisa, já ir pro boteco pedir uma cerveja gelada, ficar conversando. Não. Você precisa continuar fazendo o isolamento, precisa continuar utilizando máscara, utilizando álcool em gel. Pelo amor de deus. Esse vírus, essa noite, matou quase 2.000 pessoas. As mortes estão sendo naturalizadas."

Lula tentou se mostrar como oposto a Bolsonaro e reforçar um discurso de estadista, dizendo que o Brasil, em seu governo, tinha boa relação com todos os países e era respeitado internacionalmente — em nova alfinetada aos embates frequentes de Bolsonaro com países como a China.

Na fala, também agradeceu a governadores que, segundo ele, estão se esforçando para comprar vacinas, e saldou líderes da América Latina, como o presidente argentino Alberto Fernández e o ex-presidente uruguaio Pepe Mujica, e nomes como o senador americano de esquerda Bernie Sanders. Citou até mesmo o Papa Francisco, que o enviou uma carta quando estava preso.

5 - Política econômica

A fala teve como um dos principais focos a lembrança de louros de seu governo, na época beneficiado por um período de alta das commodities no mercado externo e maior crescimento econômico. O ex-presidente parece esperar usar receita parecida para um possível novo mandato. Não citou, no entanto, o governo da ex-presidente petista Dilma Rousseff, que é amplamente criticado por sua política econômica e cujo governo levou à última crise econômica brasileira a partir de 2015.

Lula disse que, em sua visão, é preciso crescimento e geração de empregos para que as empresas cresçam. "Não tenham medo de mim", disse, ao falar sobre os empresários, e afirmou que o mercado já conviveu com seu governo "por oito anos" e que, nesse período, as empresas cresceram. "Eu sou radical. Eu sou radical porque eu quero ir a fundo nos problemas desse país", disse.

Em outro momento, no entanto, disse que o Brasil não pode se curvar ao que chamou de "deus mercado".

Sobre a política econômica na pandemia, disse ser favorável ao auxílio emergencial e ao apoio econômico aos pequenos empresários. "Quantos restaurantes não estão fechando?", disse. Tentou acenar à população prejudicada pela inflação de alimentos, dizendo que, em seu governo, os brasileiros "comiam picanha".

Lula criticou também a gestão econômica do governo e o ministro da Economia, Paulo Guedes, se dizendo contrário a privatizações recentes, como a da BR Distribuidora.

"Vocês já ouviram o Guedes falar uma palavra sobre crescimento econômico?", disse. "O que vai fazer diminuir nossa dívida em relação ao PIB é o crescimento econômico. Se o Estado não confia em sua política e não investe, por que um empresário haveria de investir?"

Ao falar sobre os combustíveis, tema de polêmica recente do governo Bolsonaro, Lula questionou que o preço do petróleo brasileiro siga o preço internacional, uma visão que é criticada por economistas por ser onerosa à Petrobras.

6 - Aceno a policiais e procuradores

Em um dos momentos da fala, Lula fez um amplo aceno às Forças Armadas e à polícia, grupos fortemente aliados de Bolsonaro, quando citou as regulações recentes do governo federal que ampliaram o acesso a armas.

"Um presidente da República não é eleito para falar bobagem de fake news, não é eleito para incentivar a compra de armas, como se nós tivéssemos necessitando de armas. Quem está precisando de arma são as nossas Forças Armadas, quem está precisando de arma é a nossa polícia", disse, falando que policiais têm ido às ruas com equipamento velho.

Houve aceno até mesmo aos procuradores. Historicamente, o governo petista teve boa relação com o Ministério Público Federal enquanto esteve no poder. O governo Lula foi o responsável pela independência da Polícia Federal nos anos 2000 e por criar mecanismos de combate à corrupção, como a Controladoria-Geral da União (CGU).

Lula tentou usar desse cacife para dizer que, novamente, há uma distinção entre o restante dos procuradores do MPF e o que chamou de "quadrilha da Lava-Jato", em referência aos procuradores da operação.

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