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O Brasil nos Paradise Papers

Além de personalidades mundiais que vão da Rainha da Inglaterra à cantora Madonna, os arquivos com detalhes de paraísos fiscais mencionam 617 brasileiros

ILHAS JERSEY, UM DOS PARAÍSOS FISCAIS DOS PARADISE PAPERS: o Brasil é o 26º país com mais nomes citados nos arquivos / Darren Staples/ Reuters
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Carolina Riveira

Publicado em 11 de novembro de 2017 às 07h31.

Última atualização em 2 de maio de 2022 às 10h54.

O Brasil é o 26º país com mais nomes citados nos arquivos do Paradise Papers (papéis do paraíso, em tradução livre), conjunto de 13,4 milhões de documentos que apontam quem são os clientes dos chamados “ paraísos fiscais ” pelo mundo, divulgados no domingo 3.

Além de personalidades mundiais que vão da Rainha da Inglaterra à cantora Madonna, os arquivos mencionam 617 brasileiros, entre eles o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles , o ministro da Agricultura, Blairo Maggi, e o empresário Jorge Paulo Lemann, homem mais rico do Brasil e sócio de empresas como a cervejaria Ambev , a fabricante de ketchup Heinz e a rede de lanchonetes Burger King.

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Ter o nome citado não significa que algum crime fiscal foi cometido: a remessa de dinheiro ao exterior, seja como pessoa física ou jurídica, é permitida por lei, desde que o dinheiro seja declarado à Receita.

O termo offshore significa “fora da costa”, por ser registrada em locais de baixa tributação. “Ter dinheiro no exterior não é um pecado. Evidentemente que as pessoas e empresas buscam lugares com menos tributação”, diz o professor Isaías Coelho, pesquisador do Núcleo de Estudos Fiscais da FGV.

O estoque de ativos brasileiros que estão legalmente no exterior bateu recorde de 457 bilhões de dólares em 2016. Só em setembro, foram enviados para o exterior 198,5 milhões de dólares. A maior parte deste montante está nas Ilhas Cayman, nas Ilhas Virgens e nos Países Baixos, conhecidos paraísos fiscais. Segundo o Banco Central, mais de 30.000 pessoas físicas e 3.000 pessoas jurídicas fizeram declaração de remessas ao exterior desde 2010.

Meirelles, Lemann, Maggi: os brasileiros citados

A maior parte das informações do Paradise Papers vem de documentos da Appleby, empresa especializada em assessorar quem deseja abrir ou participar de empresas offshore em 19 países no exterior.

Além de cobrarem menos ou quase nenhum imposto, nesses lugares há também rigorosas regras de sigilo bancário, o que impede que os verdadeiros donos do dinheiro sejam divulgados. Por isso, somente com vazamentos como o Paradise Papers — ou como o Panamá Papers, no ano passado — é possível ter acesso aos personagens das transações.

No caso dos brasileiros que aparecem nos Paradise Papers, todos afirmaram ter realizado as operações no exterior legalmente. Uma pessoa física ou jurídica brasileira que deseja ter dinheiro no exterior precisa declará-lo anualmente ao Banco Central caso o montante ultrapasse 100.000 dólares.

Os documentos mostram que o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, abriu, em 2002, uma fundação chamada Sabedoria Foundation, nas Bahamas. O aporte para a abertura da fundação, devidamente registrado, foi de 10.000 dólares. O objetivo da fundação, segundo Meirelles, é investir em projetos educacionais.

O ministro da Agricultura, Blairo Maggi, é apontado como beneficiário final de uma companhia aberta nas Ilhas Cayman, em 2010, com a participação de uma de suas empresas e da holandesa Louis Dreyfus. Os advogados do ministro negaram que ele tenha recebido qualquer valor diretamente da offshore, mas admitiram que Maggi é um beneficiário indireto da empresa.

A investigação também mostrou que um suplente do Senado, Ricardo Barreto Franco (DEM-SE), usa uma offshore registrada no Caribe para investimentos. Segundo o Poder360, o democrata e sua irmã são os únicos acionistas da Guararapes Enterprises and Investments Ltd, registrada nas Bahamas. Ao portal, Barreto afirmou que a empresa foi criada para “diversificar os investimentos” e que a operação foi também comunicada ao Banco Central, mas não apresentou comprovantes.

Jorge Paulo Lemann, o homem mais rico do Brasil, e seus sócios estão ligados a pelo menos 20 empresas abertas em países que cobram pouco ou nada de impostos, como Bermudas, Bahamas e Ilhas Cayman. Lemann e seus sócios Carlos Alberto Sicupira e Marcel Telles afirmam que mudaram sua residência fiscal para o exterior com a expansão de seus negócios. Eles disseram também que todos “os veículos são legais e que cumprem as regras em relação à divulgação de informações acerca desses investimentos”.

Três grupo de comunicação também estão nos arquivos. O grupo Abril, que edita EXAME, manteve empresas nas Ilhas Cayman, devidamente divulgadas em seus balanços contábeis. As contas foram fechadas. A Globo tinha uma empresa nas Bahamas para negociar programas no exterior e encerrou sua operação no paraíso fiscal. O empresário Eduardo Sirotsky Melzer, da RBS, é associado a um trust do escritório Appleby. Todos os negócios foram devidamente declarados.

E os impostos no Brasil?

Os motivos para enviar dinheiro ao exterior são os mais diversos, dos lícitos aos ilícitos. A transação costuma fazer parte do planejamento tributário das empresas ou das pessoas físicas, especialmente quando têm negócios no exterior. É uma forma, por exemplo, de evitar um bitributação. Outra motivação é a diversificação de riscos e a oportunidade negócios vantajosos em outros países.

A princípio, mesmo quando o dinheiro está no exterior, os brasileiros precisam continuar pagando impostos no Brasil, sobretudo o Imposto de Renda, cuja alíquota é de 27,5%. “Tanto faz se o ganho aconteceu no Brasil ou no exterior”, diz o Dr. Luiz Roberto de Assis, da Levy Salomão Advogados. “Economizar em imposto de renda não deveria ser um objetivo, porque as alíquotas são as mesmas.”

Não não há a mesma forma de cobrança sobre pessoas jurídicas, como é o caso das offshores. E como em alguns casos o dono da offshore ou do fundo no exterior é justamente o beneficiário, ele pode movimentar o dinheiro como pessoa jurídica apenas, e não ser tributado até que acesse diretamente os valores. “Por isso as pessoas usam offshores. A tributação será adiada para um momento posterior, como na hipótese da distribuição de lucros”, diz Fernando Moura, advogado do escritório Sacha Calmon, especializado em direito tributário. Ou seja, a cobrança da tributação só vai acontecer quando o dinheiro voltar ao Brasil, ou se a pessoa movimentar o dinheiro ou receber lucros.

Embora as operações com offshores não sejam ilegais, o anonimato ligado a elas pode abrir espaço para esconder produtos de sonegação fiscal, corrupção e outros crimes. Um estudo de 2015 da Transparência Internacional no Reino Unido mostrou que 75% das propriedades de investigados em esquemas de corrupção foram adquiridas por meio de empresas offshore.

Para facilitar a investigação dessas cadeias, a Transparência Internacional defende que os países tenham registros de quem são os donos diretos das pessoas jurídicas.

No combate à lavagem de dinheiro internacional, os países também vêm cada vez mais se articulando para trocar informações. A OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), que reúne os países mais ricos, reconhece mais de 50 “paraísos fiscais”, e entre eles, classifica os chamados “não-cooperadores”. No início dos anos 2000, a organização criou o Fórum Global de Transparência e Intercâmbio de Informações para Fins Fiscais, cujo objetivo é garantir que os mais de 100 países membros forneçam informações que impeçam a prática de crimes financeiros.

A própria Suíça, que tornou-se parte do imaginário popular quando o assunto é contas no exterior, costumava ser um importante destino de dinheiro irregular, sobretudo por suas rigorosas regras de sigilo. Mas especialistas apontam que isso vem mudando, graças aos acordos internacionais de cooperação firmados pelo país. No ano passado, por exemplo, o Ministério Público suíço tornou pública a informação de que o ex-presidente da Câmara, Eduardo Cunha, tinha dinheiro no país que não havia sido declarado ao fisco no Brasil, e aceitou pedido brasileiro para bloquear as contas do então deputado.

O professor de Relações Internacionais Roberto Goulart Menezes, especialista em cooperação internacional da Universidade de Brasília, afirma que os esforços foram intensificados sobretudo após os ataques de 11 de setembro, quando a Guerra ao Terror fez as jurisdições internacionais ficarem mais atentas ao papel dos paraísos fiscais no financiamento do terrorismo. “Nenhum país tem obrigação de divulgar informações bancárias, mas a diplomacia vem cada vez mais atuando de forma conjunta para desvendar esses casos”, diz Menezes.

Quando da divulgação das informações do Paradise Papers, o Poder 360 e o Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos esclareceram que decidiram divulgar os documentos mesmo das operações que não eram ilegais porque “em geral, a razão para ter uma empresa ou um trust num paraíso fiscal é pagar menos impostos, algo quase nunca acessível a todos os cidadãos”.

No caso do Brasil, o vazamento pode ser mais uma oportunidade para discutir a altíssima carga de impostos paga por todos, dos milionários aos mais pobres.

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