Moraes suspende norma do CFM que dificulta aborto legal em casos de estupro
Norma publicada em abril veda interrupção de gravidez em vítimas de estupro após 22 semanas de gestação
Agência de notícias
Publicado em 17 de maio de 2024 às 16h50.
O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal ( STF ), suspendeu de forma liminar a resolução do Conselho Federal de Medicina que proíbe a utilização de uma técnica clínica (assistolia fetal) para a interrupção de gestações acima de 22 semanas decorrentes de estupro.
O ministro determinou a análise da liminar pelos demais ministros e o processo foi incluído na sessão do plenário virtual que começa no dia 31 de maio. A suspensão da norma valerá até o julgamento final do tema pelo Supremo, em data que ainda não está definida.
Moraes atendeu a um pedido feito pelo PSOL, que pede a declaração de inconstitucionalidade da resolução do CFM que proíbe a utilização da assistolia fetal exclusivamente nos casos de aborto decorrente de estupro. A técnica utiliza medicações para interromper os batimentos cardíacos do feto, antes de sua retirada do útero, e é considerada essencial para o cuidado adequado ao aborto.
De acordo com o partido, a proibição restringiria, “de maneira absolutamente discricionária”, a liberdade científica e o livre exercício profissional dos médicos. Argumenta, ainda, que a resolução, na prática, submete meninas e mulheres à manutenção de uma gestação compulsória ou à utilização de técnicas inseguras para o aborto, “privando-as do acesso ao procedimento e à assistência adequada por vias legais, submetendo-as a riscos de saúde ou morte”.
O PSOL também aponta que, como a resolução não proíbe a técnica nos outros dois casos em que o ordenamento jurídico permite o aborto – risco à vida da gestante e anencefalia –, o ato do CFM é discriminatório. Ressalta, também, que o procedimento é um cuidado médico crucial para a qualidade da atenção em aborto depois das 20 semanas, tal como recomenda a Organização Mundial da Saúde ( OMS ) e a Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo).
Na decisão, Moraes diz ter verificado "a existência de indícios de abuso do poder regulamentar" por parte do Conselho Federal de Medicina ao expedir a Resolução 2.378/2024, por meio da qual fixou condicionante que ultrapassa a lei "para a realização do procedimento de assistolia fetal na hipótese de aborto decorrente de gravidez resultante de estupro".
O ministro lembra que a legislação atual estipulou duas excludentes de ilicitude para a conduta, quando praticada por médico: o aborto necessário, realizado quando não há outro meio de salvar a vida da gestante; e o aborto no caso de gravidez resultante de estupro, caso em que se exige o consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.
"Nessa última hipótese, portanto, para além da realização do procedimento por médico e do consentimento da vítima, o ordenamento penal não estabelece expressamente quaisquer limitações circunstanciais, procedimentais ou temporais para a realização do chamado aborto legal, cuja juridicidade, presentes tais pressupostos, e em linha de princípio, estará plenamente sancionada", explica Moraes.
Na avaliação do ministro, ao limitar a realização de procedimento médico reconhecido e recomendado pela Organização Mundial de Saúde, o Conselho Federal de Medicina "aparentemente se distancia de standards científicos compartilhados pela comunidade internacional", e transborda do poder regulamentar "inerente ao seu próprio regime autárquico, impondo tanto ao profissional de medicina, quanto à gestante vítima de um estupro, uma restrição de direitos não prevista em lei, capaz de criar embaraços concretos e significativamente preocupantes para a saúde das mulheres".
"Com base nessas razões, portanto, compreendo presentes a probabilidade do direito alegado pelo requerente, bem como, e sobretudo, o perigo de dano decorrente do não acautelamento das situações fáticas relacionadas à controvérsia constitucional submetida à apreciação do tribunal", conclui Moraes.
Por isso, o ministro determinou que o CFM cumpra a decisão e solicitou informações que devem ser prestadas em até 10 dias. Depois desse prazo, a Advocacia-Geral da União e o Procurador-Geral da República, sucessivamente, terão cinco dias para manifestação definitiva sobre a controvérsia.